INTRODUÇÃO

Informação e organização meticulosa

Nós, seres humanos, possuímos uma longa história no que diz respeito ao aprimoramento neuronal — maneiras de melhorar o cérebro que nos foram dadas pela evolução. Treinamos esses neurônios para que se tornem aliados mais eficientes e confiáveis, capazes de nos auxiliar na realização de nossas metas. As faculdades de direito, administração e medicina, assim como os conservatórios de música e programas de atletismo, buscam todos aproveitar o poder latente do cérebro humano para chegar a níveis cada vez mais altos de desempenho e dispor de uma vantagem num mundo cada vez mais competitivo. Pela simples força do engenho humano, criamos sistemas para remover a desordem do cérebro e nos ajudar no monitoramento de detalhes cuja recordação não é possível confiar apenas à memória. Todas essas e outras inovações são projetadas para aperfeiçoar nosso cérebro ou descarregar algumas de suas funções em fontes externas.

Um dos maiores progressos em termos de aprimoramento neuronal ocorreu há apenas 5 mil anos, quando os seres humanos descobriram uma maneira revolucionária de aumentar a capacidade da memória e do sistema de indexação do cérebro. Faz muito tempo que a invenção da linguagem escrita é considerada um grande avanço. No entanto, chegou-se a pouca conclusão sobre a natureza exata dos primeiros escritos feitos pelos humanos — simples receitas, recibos de vendas, principalmente inventários de negócios. Foi por volta de 3000 a.C. que nossos antepassados começaram a trocar seus estilos de vida nômades por estilos urbanos, criando centros de comércio e cidades cada vez maiores. O incremento do comércio nessas cidades começou a pesar sobre a memória dos comerciantes individualmente, e por isso essa primeira escrita tornou-se parte importante do registro das transações comerciais. A poesia, as histórias, as táticas militares e as instruções para a construção de projetos complexos de arquitetura vieram depois.

Antes da invenção da escrita, nossos ancestrais dependiam da memória, de esboços ou da música para codificar e preservar as informações importantes. A memória é falível, claro, mas não tanto por causa de limitações de armazenamento, e sim pelas limitações de recuperação. Alguns neurocientistas acreditam que quase toda experiência consciente é armazenada em alguma parte do cérebro; o problema é achá-la e trazê-la de volta.1 Às vezes a informação que chega é incompleta, distorcida ou enganosa. Histórias vívidas que abarcam um conjunto muito limitado e improvável de circunstâncias muitas vezes surgem de repente na nossa mente, atropelando informações estatísticas baseadas em grande quantidade de observações que tornariam muito mais precisas e adequadas nossas decisões sobre tratamentos médicos, investimentos ou sobre a confiabilidade das pessoas do nosso mundo social. O apreço pelas histórias é apenas um dos muitos artefatos, efeitos colaterais da maneira como funciona nosso cérebro.

É bom compreender que os nossos modos de pensar e tomar decisões foram evoluindo durante as dezenas de milhares de anos em que os seres humanos viveram como coletores-caçadores. Nossos genes não se equipararam completamente às exigências da civilização moderna, mas felizmente o conhecimento humano, sim — hoje compreendemos melhor como superar as limitações da evolução. Esta é a história de como os seres humanos lidaram com a informação e a organização desde os primórdios da civilização. É também a história de como os membros mais bem-sucedidos da sociedade — de artistas a atletas, militares, homens de negócio e profissionais altamente credenciados — aprenderam a maximizar sua criatividade e eficiência organizando suas vidas de modo a gastar menos tempo com o mundano e mais tempo com coisas inspiradoras, agradáveis e gratificantes da vida.

Durante os últimos vinte anos, os psicólogos cognitivos forneceram muitas provas de que a memória não é confiável. E, para piorar as coisas, depositamos demasiada confiança em muitas recordações falsas. Não se trata apenas de nos lembrarmos das coisas erroneamente (o que já seria bastante ruim), e sim de nem sequer sabermos que estamos nos recordando de modo errado e insistirmos obstinadamente em que determinadas imprecisões são de fato verdadeiras.

Os primeiros seres humanos a descobrir a escrita, por volta de 5 mil anos atrás, estavam, no fundo, tentando aumentar a capacidade de seu hipocampo, uma parte do sistema de memória do cérebro. Eles conseguiram estender os limites da memória humana conservando algumas de suas recordações em tabletes de barro e nas paredes das cavernas, e, mais tarde, em papiros e pergaminhos. Em seguida, desenvolvemos outros mecanismos — como calendários, arquivos, computadores e smartphones — para nos ajudar a organizar e armazenar a informação que registramos. Quando nosso computador ou smartphone lentamente começa a não funcionar, podemos comprar mais memória. Memória que constitui tanto uma metáfora quanto uma realidade concreta. Estamos descarregando grande parte do processamento que em geral nossos neurônios fariam em um dispositivo externo que se torna, então, uma extensão de nosso próprio cérebro, um aperfeiçoador neuronal.

Esses mecanismos externos da memória geralmente são de dois tipos: seguem o sistema organizacional do próprio cérebro ou o reinventam, às vezes superando suas limitações. Saber qual é qual pode incrementar a maneira como os utilizamos, melhorando assim nossa capacidade de lidar com a sobrecarga de informação.

Depois que as memórias puderam ser exteriorizadas através da linguagem escrita, o cérebro e o sistema de atenção daquele que escrevia ficaram livres para focar outra coisa. Mas junto com essas primeiras palavras escritas surgiram imediatamente os problemas de armazenamento, indexação e acesso: onde armazenar a escrita de modo que ela (e a informação nela contida) não se perdesse? Se a mensagem escrita é ela mesma um lembrete, uma espécie de lista “do que fazer” da Idade da Pedra, quem escreveu precisa se lembrar de consultá-la e de onde a guardou.

Imagine que o escrito contenha informação sobre plantas comestíveis. Talvez tenha sido escrito diante da cena mórbida da morte de um tio querido que comeu uma frutinha venenosa — no desejo de conservar informação sobre a aparência dessa planta e como distingui-la de uma planta comestível de aspecto semelhante. O problema da indexação é que há várias possibilidades de armazenar esse registro, com base nas necessidades da pessoa: ele pode ser armazenado com outros casos sobre plantas, ou com escritos sobre a história da família, ou com escritos sobre culinária, ou com escritos sobre como envenenar um inimigo.

Aqui topamos com duas das propriedades mais atraentes do cérebro humano e do modo como é projetado: riqueza e acesso associativo. Riqueza tem a ver com a teoria segundo a qual grande parte das coisas que um dia você pensou ou experimentou ainda estão presentes, em algum lugar. Acesso associativo significa que seus pensamentos podem ser acessados de uma série de maneiras diferentes, através de associações semânticas ou perceptivas — as memórias podem ser deflagradas por palavras afins, por categorias de nomes, por um cheiro, uma velha canção ou fotografia, ou até por disparos neuronais aleatórios que as trazem à consciência.

Ser capaz de acessar qualquer memória, a despeito de onde esteja armazenada, é o que os cientistas de computação chamam de acesso aleatório. Os DVDs e HDs funcionam assim; os videoteipes, não. Você pode pular para qualquer ponto num filme em DVD ou HD “apontando” para ele. Mas para chegar a determinado ponto num videoteipe, você precisa passar primeiro por todos os pontos anteriores (acesso sequencial). Nossa capacidade de acessar nossa memória a partir de múltiplos estímulos é especialmente forte. Os cientistas da computação chamam isso de memória relacional. Você já deve ter ouvido falar de banco de dados relacional — é isso que constitui, de fato, a memória humana. (Voltaremos a isso no Capítulo 3.)

Ter memória relacional significa que se eu quero fazer você pensar num carro de bombeiros, posso induzir a memória de várias maneiras diferentes. Posso imitar o som da sirene ou lhe dar uma descrição verbal (“um grande caminhão com escadas laterais que reage caracteristicamente a determinado tipo de emergência”). Posso tentar deflagrar o conceito por um jogo de associação, pedindo que você nomeie o máximo de coisas vermelhas no decorrer de um minuto (a maioria das pessoas chega a “carro de bombeiros”), ou que nomeie o máximo de veículos de emergência de que é capaz. Todas essas e outras coisas são atributos do carro de bombeiros: sua cor vermelha, o fato de ser um veículo de emergência, sua sirene, seu tamanho e seu formato, o fato de homens e mulheres uniformizados geralmente andarem neles, e de ser apenas um de um pequeno subconjunto de veículos motorizados que carregam escadas.

Se você acabou de pensar, ao ler o final da última frase, que há outros veículos que levam escadas (por exemplo, veículos de reparos das companhias telefônicas ou vans de instaladores de janelas, construtores de telhados e limpadores de chaminés), então chegou a uma importante questão: podemos categorizar os objetos de várias maneiras, aparentemente infinitas. E qualquer um desses estímulos possui seu próprio caminho até o nodo neuronal que representa carro de bombeiros no seu cérebro.

O conceito de carro de bombeiros é representado na imagem a seguir por um círculo no centro — um nodo que corresponde a um aglomerado de neurônios no cérebro. O aglomerado de neurônios está conectado a outros aglomerados de neurônios que representam os diferentes aspectos ou propriedades de um carro de bombeiros. No desenho, outros conceitos mais intimamente associados a um carro de bombeiros, recuperados mais depressa da memória, são mostrados mais próximos do nodo do carro de bombeiros. (No cérebro, eles talvez não estejam de fato fisicamente próximos, mas as conexões neurais são mais fortes, o que permite a recuperação mais fácil.) Assim, o nodo que contém o fato de o carro de bombeiros ser da cor vermelha está mais próximo daquele que diz que ele às vezes tem um volante separado na parte traseira.

Além de redes neurais no cérebro, que representam atributos de coisas, esses atributos estão também conectados associativamente a outras coisas. Um carro de bombeiros é vermelho, mas podemos pensar em muitas outras coisas que também são: cerejas, tomates, maçãs e partes da bandeira americana, por exemplo. Você já pensou por que motivo, se alguém lhe pedir que nomeie uma porção de coisas vermelhas, é capaz de responder tão depressa? Ao se concentrar no pensamento vermelho, representado aqui por um nodo neuronal, você está enviando uma ativação eletroquímica através da rede e dos ramos a tudo no seu cérebro também conectado a ele. A seguir, acrescentei informação adicional contida numa típica rede neural que começa com carro de bombeiros — nodos para outras coisas vermelhas, para outras coisas com sirene e assim por diante.

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Pensar sobre uma memória tende a ativar outras memórias. Isso tanto pode ser uma vantagem quanto uma desvantagem. Se você está tentando recuperar uma determinada memória, o dilúvio de ativações pode causar competição entre diferentes nodos, deixando-o com um engarrafamento de nodos neuronais que tentam chegar à consciência; no final, você acaba sem nada.

Os gregos antigos buscavam aperfeiçoar a memória através de métodos de treinamento cerebral, como o palácio da memória ou método de loci. Ao mesmo tempo, eles e os egípcios tornaram-se peritos em exteriorizar informação, inventando a biblioteca moderna, um grande repositório de conhecimento exteriorizado. Não sabemos por que essas explosões simultâneas de atividade intelectual ocorreram nesse momento (talvez a experiência humana cotidiana tenha atingido certo grau de complexidade). Mas a necessidade humana de organizar nossas vidas, nosso ambiente e até mesmo nossos pensamentos continua forte. Essa necessidade não é simplesmente aprendida, ela é um imperativo biológico — os animais organizam seus ambientes por instinto. A maioria dos mamíferos é biologicamente programada para deixar seus dejetos afastados do lugar onde comem e dormem. Sabe-se que os cachorros muitas vezes juntam seus brinquedos e os guardam em cestas; as formigas carregam os integrantes da colônia mortos até seus cemitérios; certos pássaros e roedores constroem barreiras simetricamente organizadas em volta de seus ninhos para detectar intrusos com mais facilidade.

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Uma chave para entender a mente organizada é reconhecer que sozinha ela não organiza as coisas da maneira que você gostaria que fizesse. Ela é pré-configurada, e, apesar de ter enorme flexibilidade, foi construída sobre um sistema que evoluiu durante centenas de milhares de anos para lidar com tipos e volumes diferentes de informação de que hoje dispomos. Para ser mais específico: o cérebro não é organizado da maneira que você talvez arrumaria seu escritório em casa ou o armário de remédios do banheiro. Você não pode simplesmente botar as coisas onde quer. A maneira como a arquitetura do cérebro acabou evoluindo é aleatória e desconjuntada, incorporando múltiplos sistemas, cada qual tendo sua própria mente (por assim dizer). A evolução não projeta coisas e não constrói sistemas — ela se assenta em sistemas que historicamente forneceram vantagens para a sobrevivência (e se aparecer um jeito melhor, ela haverá de adotá-lo). Não existe nenhum superplanejador que construa sistemas de modo que funcionem harmoniosamente em conjunto. O cérebro é mais como uma grande casa antiga, com renovações improvisadas em cada andar, e menos como uma construção recente.

Pensem nisto como uma analogia: você tem uma casa antiga e tudo está um pouco antiquado, mas você está satisfeito. Você acrescenta um ar-condicionado no quarto durante um verão especialmente quente. Alguns anos depois, quando está com mais dinheiro, resolve instalar um sistema de ar-condicionado central. Mas você não tira aquele ar-condicionado do quarto — por que tiraria? Pode vir a servir, e já está ali, instalado na parede. Então, alguns anos mais tarde, você tem um problema catastrófico de encanamento — os canos dentro das paredes começam a vazar. Os encanadores precisam abrir as paredes e colocar canos novos, mas seu sistema central de ar-condicionado agora atrapalha, porque seria ideal que os novos canos passassem por onde ele está. Assim, os operários passam com os canos pelo sótão, pelo caminho mais longo. Isso funciona bem até um inverno especialmente frio, em que o seu sótão sem isolamento térmico faz os canos congelarem. Esses canos não teriam congelado se você os tivesse instalado dentro das paredes, o que não pôde fazer em razão do ar-condicionado central. Se você tivesse planejado tudo isso desde o início, teria feito tudo de modo diferente, mas não planejou — foi acrescentando coisas, uma de cada vez, à medida que precisou.

A evolução construiu nosso cérebro praticamente do mesmo modo. É claro que a evolução não tem desejo, nenhum plano. A evolução não decidiu contemplá-lo com uma memória para você guardar as coisas. O seu sistema de memória de locais [place memory] foi surgindo gradativamente, através dos processos de descendência modificada e seleção natural, evoluindo separadamente de sua memória de fatos e figuras. Os dois sistemas talvez venham a trabalhar juntos por meio de processos evolucionários por vir, mas não necessariamente farão isso, e, em alguns casos, podem entrar em conflito.

Talvez valha a pena aprender como o cérebro organiza a informação de modo que possamos usar o que temos, em vez de lutar contra isso. Ele foi feito como uma miscelânea de sistemas diferentes, cada um para resolver algum problema adaptativo especial. Às vezes eles trabalham em conjunto, às vezes entram em conflito, e às vezes nem sequer se falam. Duas das principais maneiras como podemos controlar e melhorar esses processos é prestar especial atenção aos modos como introduzimos informação na nossa memória — codificação — e como a extraímos — recuperação. Isso será explicado nos Capítulos 2 e 3.

A necessidade de assumir o controle de nossos sistemas de atenção e memória nunca foi tão imperativa. Nossos cérebros estão mais ocupados que nunca. Somos bombardeados por fatos, factoides, besteiras e boatos, tudo se apresentando como informação. Tentar descobrir o que você precisa saber e o que pode ignorar é exaustivo, e ao mesmo tempo é o que mais fazemos. Assim, encontrar tempo para agendar nossas diversas atividades tornou-se um tremendo desafio. Há trinta anos, os agentes de viagens faziam nossas reservas de avião e de trem, os vendedores nos ajudavam a encontrar o que precisávamos nas lojas e datilógrafas ou secretárias profissionais ajudavam as pessoas ocupadas com a correspondência. Hoje nós mesmos fazemos a maior parte dessas coisas. A era da informação colocou grande parte do trabalho, que antes teria sido feito pelos chamados especialistas em informação, sobre nós. Estamos fazendo o trabalho de dez pessoas diferentes e ao mesmo tempo lidando com nossas vidas, nossos filhos, pais, amigos, carreiras, hobbies e programas favoritos de TV. Não é de espantar que às vezes uma recordação se confunda com outra, levando-nos a aparecer no lugar certo, mas no dia errado, ou a esquecer algo simples como onde deixamos os óculos ou o controle remoto.

Todo dia milhões de pessoas perdem chaves, carteiras de motorista, carteiras ou pedaços de papel com telefones importantes. E não perdemos apenas objetos físicos, mas também esquecemos coisas de que devíamos nos lembrar, coisas importantes como a senha do e-mail ou o login de algum site, ou a senha dos cartões de crédito — o equivalente cognitivo de perder as chaves. Não são coisas triviais; não é como se as pessoas estivessem perdendo coisas relativamente fáceis de serem substituídas, como barras de sabão ou frutas da fruteira. Não tendemos a ter falhas de memória generalizadas; temos falhas de memória temporárias, específicas quanto a uma ou duas coisas. Durante aqueles minutos frenéticos em que procura as chaves que perdeu, você (provavelmente) ainda se lembra de seu nome e endereço, onde fica o aparelho de televisão e o que comeu no café da manhã — apenas uma única memória foi irritantemente perdida. Há provas de que costumamos perder mais certas coisas do que outras: tendemos a perder as chaves do carro, mas não o carro; perdemos a carteira ou o celular com mais frequência que o grampeador na nossa mesa, ou as colheres de sopa na cozinha; não conseguimos lembrar onde deixamos os casacos e suéteres com mais frequência do que as calças. Compreender como os sistemas de atenção e de memória do cérebro interagem pode nos levar a um bom pedaço do caminho para minimizar os lapsos de memória.

Esses simples fatos sobre o tipo de coisas que tendemos ou não a perder são capazes de nos dar bastante informação sobre como o cérebro funciona, bem como sobre a ocorrência de falhas. Este livro é sobre essas duas ideias, e espero que seja um guia útil para prevenir essas perdas. Há algo que todos podem fazer para minimizar as chances de perder as coisas, e recuperá-las depressa quando foram perdidas. Podemos seguir melhor as instruções e os planos quanto mais os compreendemos (como diria qualquer psicólogo cognitivo); assim, este livro debate vários aspectos diferentes da mente organizada. Analisaremos com atenção a história dos sistemas organizativos que os seres humanos experimentaram no decorrer dos séculos de modo a ver quais deram certo e quais fracassaram, e por quê. Explicarei primeiro por que perdemos as coisas e o que fazem as pessoas inteligentes e organizadas para não perdê-las. Parte da questão diz respeito ao nosso aprendizado quando crianças, e a boa notícia é que certos aspectos do pensamento infantil podem ser revisitados para nos ajudar quando adultos. Talvez o cerne dessa história seja a melhor organização de nosso tempo, não só para podermos ser mais eficientes, mas para termos mais tempo para a diversão, para o lúdico, para as relações significativas e para a criatividade.

Falarei também sobre as organizações empresariais, que não são chamadas de organizações à toa. As empresas são como cérebros expandidos, com os trabalhadores individuais funcionando um pouco como neurônios. Elas tendem a ser um coletivo de indivíduos unidos em torno de um conjunto de objetivos, em que cada trabalhador desempenha uma função especializada. As empresas geralmente se saem melhor que os indivíduos nas tarefas cotidianas em razão do processo de distribuição. Numa grande empresa, existe um departamento para pagar contas em dia (contas a pagar) e outro para monitorar as chaves (planta física ou segurança). Embora os trabalhadores individuais sejam falíveis, os sistemas e as redundâncias geralmente estão ali, ou deveriam estar, para assegurar que a distração momentânea de alguém, ou a falta de organização, não faça tudo parar de repente. É claro que as empresas nem sempre são perfeitamente organizadas e, de vez em quando, por meio dos mesmos bloqueios cognitivos que nos fazem perder as chaves do carro, também perdem algo — lucros, clientes, posições competitivas no mercado. No meu trabalho paralelo de consultor administrativo, já testemunhei como enormes ineficiência e falta de supervisão geral causam vários tipos de problemas. Aprendi muito com a oportunidade de ver por dentro tanto empresas prósperas quanto empresas em crise.

Uma mente organizada nos leva sem esforço à boa tomada de decisão. Quando estudante universitário, tive dois professores brilhantes, Amos Tversky e Lee Ross, ambos pioneiros na ciência de juízos sociais e processos decisórios. Eles despertaram em mim um fascínio pela maneira como avaliamos e interagimos com os outros no mundo social, os vários preconceitos e informações distorcidas que trazemos para essas relações, e como superá-los. Amos, com seu colega Daniel Kahneman (que ganhou o prêmio Nobel alguns anos após a morte de Amos), descobriu vários erros sistemáticos no modo como o cérebro humano avalia a evidência e processa a informação. Ensino isso aos estudantes universitários há vinte anos, e meus alunos me ajudaram a descobrir maneiras de explicar esses erros de modo que todos possamos melhorar facilmente nossas tomadas de decisão. Os riscos são altíssimos, sobretudo na tomada de decisão médica, em que a decisão errada tem consequências imediatas muito sérias. É bem sabido agora que a maioria dos médicos não aprende essas regras simples como parte de sua instrução, e não compreende o raciocínio estatístico. O resultado pode ser um aconselhamento confuso, que talvez leve você a tomar remédios e a se submeter a cirurgias com muito poucas chances estatísticas de lhe trazer uma melhora, e uma chance estatística relativamente alta de fazê-lo piorar. (O Capítulo 6 é dedicado a este assunto.)

Todos nos defrontamos com uma quantidade inédita de informação que precisamos lembrar, e pequenos objetos que precisamos monitorar. Nesta época de iPods e pen drives, em que seu smartphone pode gravar vídeos, navegar por 200 milhões de sites e lhe dizer quantas calorias tem um biscoito, a maioria de nós ainda tenta monitorar as coisas usando sistemas criados numa época pré-computadorizada. Há definitivamente lugar para aperfeiçoamento. A metáfora dominante para o computador se baseia numa estratégia de organização típica dos anos 1950: uma mesa com pastas em cima, e arquivos dentro delas. Mesmo a palavra computador está hoje obsoleta, já que a maioria das pessoas não usa seus computadores para computar nada — melhor, ela se tornou como aquela grande gaveta desorganizada na cozinha, que na minha família chamamos gaveta da bagunça. Estive na casa de um amigo outro dia, e vejam só o que encontrei na gaveta da bagunça dele (bastou perguntar: “Você tem uma gaveta onde joga tudo que não sabe onde guardar?”):

pilhas

elásticos

espetos para kebab

barbante

araminhos de fechar embalagens

fotos

37 centavos em moedas

um estojo vazio de DVD

um DVD sem estojo (infelizmente não era o do estojo vazio)

coberturas plásticas na cor laranja para cobrir o detector de fumaça caso ele algum dia resolva pintar a cozinha, porque os vapores da tinta acionam o detector

fósforos

três parafusos para madeira de vários tamanhos, um com filetes listrados

um garfo plástico

uma chave inglesa especial que veio junto com o triturador de lixo; ele não sabe direito para que serve

dois canhotos de ingresso para um show da Dave Matthews Band no verão passado

duas chaves que estão por ali pelo menos há dez anos, e ninguém em casa sabe de onde são (mas têm medo de jogar fora)

duas canetas, nenhuma das quais escreve

meia dúzia de outras coisas que ele não faz ideia de para que servem, mas tem medo de jogar fora

Nossos computadores são exatamente assim, só que mil vezes mais desorganizados. Temos arquivos que não sabemos o que contêm, outros que surgiram misteriosamente por acidente quando lemos um e-mail e várias versões de um mesmo documento; muitas vezes é difícil dizer qual é a mais atual. Nossa “máquina de computação” se tornou uma enorme, vergonhosa gaveta de cozinha desorganizada, cheia de arquivos eletrônicos, alguns de origem ou função indeterminados. Minha assistente me deixou olhar seu computador, e um inventário parcial revelou os seguintes con­teúdos típicos — assim descobri — do que muitas pessoas têm nos seus computadores:

fotos

vídeos

música

fundos de tela de gatos usando chapéus de festa, ou porcos sorridentes com bocas humanas feitas no Photoshop

documentos de impostos

documentos de viagens

correspondência

registros de contas

jogos

agendas

artigos a ler

vários formulários relativos ao trabalho: pedido de folga, relatório trimestral, atestado de falta por doença, pedido de dedução na folha de pagamento do fundo de aposentadoria

uma cópia arquivada deste livro (caso eu perdesse a minha)

dezenas de listas — de restaurantes da vizinhança, hotéis aprovados pela universidade, endereços de escritórios e números de telefone de membros do departamento, telefones de emergência, procedimentos de segurança no caso de várias calamidades, protocolo para o descarte de equipamento obsoleto e assim por diante

atualizações de software

versões antigas de softwares que não funcionam mais

dezenas de arquivos de fontes de línguas estrangeiras e de sua disposição no teclado, caso ela algum dia precise digitar em romeno, tcheco, japonês ou hebraico antigo ou moderno

pequenos lembretes eletrônicos de onde estão arquivos importantes, ou de como fazer determinadas coisas (como criar um novo lembrete, deletar um lembrete ou mudar a cor de um lembrete)

É de espantar que não percamos mais coisas.

Naturalmente, alguns de nós são mais organizados que outros. Das milhares de maneiras como os indivíduos podem diferir entre si, podemos estabelecer um modelo matemático que explica grande parte de variação, organizando as diferenças humanas em cinco categorias:

extroversão

amabilidade

neuroticismo

abertura a novas experiências

conscienciosidade

Dos cinco, o traço da conscienciosidade em ser organizado é o mais altamente associado com a conscienciosidade propriamente dita.2 A conscienciosidade abarca diligência, autocontrole, aderência à realidade e desejo de ordem. E é o melhor arauto de muitos resultados humanos importantes,3 entre os quais mortalidade, longevidade,4 sucesso educacional e vários outros critérios relativos ao sucesso profissional.5,6 A conscienciosidade é associada a uma melhor recuperação de cirurgias e transplantes.7 Na infância, é associada a desfechos positivos décadas mais tarde.8 Em conjunto, as evidências sugerem que à medida que as sociedades se tornam mais ocidentalizadas e complexas, a conscienciosidade torna-se cada vez mais importante.9

A neurociência cognitiva da memória e da atenção — nossa melhor compreensão do cérebro, sua evolução e suas limitações — é capaz de nos ajudar a lidar com um mundo em que cada vez mais pessoas sentem que estão correndo depressa só para permanecer no mesmo lugar. O americano médio sofre de privação de sono, é estressado demais e não tem tempo para fazer o que quer. Acho que podemos fazer melhor do que isso. Alguns estão conseguindo, e tive a oportunidade de conversar com eles. Assistentes pessoais dos quinhentos maiores CEOs americanos, bem como de outras pessoas altamente bem-sucedidas, mantêm seus patrões trabalhando em capacidade máxima enquanto ainda arranjam tempo para que possam se divertir e relaxar. Nem eles nem seus patrões ficam atolados pela sobrecarga de informação, porque se beneficiam da tecnologia da organização, que contam com algumas coisas novas e outras bem antigas. Alguns de seus sistemas parecerão familiares; alguns, não; e outros são ainda incrivelmente sutis e cheios de nuances; contudo, todos eles podem fazer uma profunda diferença.

Não existe um sistema único que funcione para todo mundo — somos todos singulares. Mas, nos capítulos seguintes, serão apresentados princípios gerais que qualquer um pode aplicar a seu modo para recuperar a sensação de ordem e as horas perdidas tentando vencer a mente desorganizada.