18 | Presente de Natal
Minha mãe disse:
— Hoje você vai comigo visitar sua avó. Não tem quem fique com você, e você já está grandinha. — E acrescentou: — É quase Natal. Quero levar algumas coisas para ela.
Eu tinha vontade de rever minha avó, que não via desde que ela adoecera de verdade querendo tirar a roupa e gritando muito, ou querendo fugir para a rua, e não era mais possível só uma empregada para cuidar dela.
A clínica era clara e espaçosa. Na entrada, uma árvore de Natal cheia de bonequinhos, estrelas de papel e outros pequenos objetos. Havia no ar um cheiro esquisito, de bebê e de velhice, misturado com desinfetante. Pessoas em cadeiras de roda, em sofás, ninguém muito vivo nem muito morto. Por uma porta aberta vi uma sala com várias camas, e numa delas uma velha do tamanho de uma criança, uma mangueirinha enfiada no nariz, a boca bem aberta. Imóvel. Entramos. Ninguém se movia, ninguém dizia nada, só a enfermeira andava entre as camas, vigiando, ajeitando, fazendo algum carinho naqueles velhíssimos bebês.
O que sobrara de minha avó sentava-se numa poltrona ao lado da cama, e sobre seu peito magrinho tinham amarrado frouxamente um lençol. Minha mãe explicou que era porque às vezes, delirando, ela se levantava e podia cair. Tão pequena estava que os pés balançavam acima do chão, espiando por baixo da coberta colorida. Estava só de meias. Tinha encolhido e murchado, como uma boneca de cera perto do sol final. Os olhos eram os mesmos — e já não estavam aflitos. Estavam pasmados. Mas não parecia infeliz. Pois quando ergueu os olhos para minha mãe, disse:
— Bom-dia! Você veio para a minha festa de quinze anos?
Não sei se me reconheceu, mas sorriu parecendo muito contente, alguém tinha vindo brincar com ela. E quando me sentei ao lado dela, disse, preocupada:
— Cuidado, não vai sentar em cima do meu bebê!
Não havia nenhum bebê ali, mas fiquei quieta. Minha mãe não pareceu estranhar. Entregou alguns pacotes à enfermeira, ajeitou um ramo de pinheiro com algodão fingindo neve num vaso sobre a mesa de cabeceira. Procurou distrair a velhinha que um dia fora sua mãe. Mostrou revistas e doces, mas não conversavam de verdade: Vovó falava o tempo todo sem parecer ouvir o que a outra dizia. Várias vezes repetiu:
— Os grilos, como estão cantando hoje!
E dirigia-se a umas pessoas que não estavam ali. Ou estavam e só ela via? Aí eu tive um pouco de medo. Talvez Vovó agora vivesse num tipo de esconderijo onde não precisava obedecer nem mandar. Não precisava ser inteligente nem esforçada, nem cumprir nenhuma tarefa. Minha mãe se afastou por um momento para falar com outra enfermeira, e eu fiquei ali, fascinada. Nisso minha avó me faz um sinal com ar maroto, eu me levanto e chego mais perto. Que estranho cheiro o da velhice: mofo, alfazema e segredos. Ela estende as duas mãos em concha, pede com arzinho cúmplice:
— Apanha aí, mas com cuidado, não deixa derramar nada... — E arregala muito os olhos.
Faço o que ela pede, e, cuidadosamente, atenta, minha avó despeja nas minhas mãos algo invisível. Não se vê nada, mas escuto nitidamente o barulho de algo que se escoa, pedrinhas ou sementes escorrem no vazio. Depois, quando minha mãe volta, ela pega a mão da filha num jeito doce e submisso, e diz:
— Mãe, você está ouvindo os grilos?
Naquela noite minha mãe comentava com meu pai:
— Que coisa mais triste, mais desumana, ela não está nem viva nem morta, tem um aspecto horrível. Foi uma mulher tão linda, agora está louca desse jeito. Que injustiça.
Meu pai só pigarreou, não queria falar. Emoções o deixavam atrapalhado: ele gostava de tudo medido e resolvido. Minha mãe teria de moer sozinha aquela grande pedra. E eu não podia fazer nada, eu era só uma menina.
Peço que ela me leve mais vezes para visitar Vovó. Minha mãe diz:
— Você é uma menina muito boazinha.
Mas eu não sou boazinha: sou curiosa. Gosto dessas visitas, dessa avó que virou criança e que os adultos não entendem. Nessa tarde minha mãe senta junto da janela e lê uma revista. Eu fico perto de minha avó. A enfermeira entra no quarto, animada como se cuidasse de um jardim de infância cheio de lindas crianças. Bota uma espécie de babador no pescoço da menina velha, dizendo alegremente:
— Olha o lanchinho! Olha o lanchinho!
E começa a dar bolo e golinhos de leite. É preciso colocar pedaços de bolo entre os dedos de minha avó, e cada vez dizer:
— Segura, segura, é bolo. — A velhinha olha, encantada com aquele jogo, segura o bolo. — Bota na boca, bota na boca!
Ela leva a mão à boca, indecisa, mas por fim consegue. Tudo é demorado e complexo. Crio coragem e pergunto à moça:
— Por que a senhora mesma não dá a comida na boca da vovó?
A enfermeira me olha meio aborrecida, mas explica:
— É preciso estimular, ela ainda não está inteiramente dependente. — E prossegue para minha atônita avó: — Agora mastiga, mastiga!
Não sei de onde a enfermeira tira tamanha paciência e toda aquela convicção. Não sei se minha avó de verdade não entende mais nada, ou apenas finge e se diverte com o engano das pessoas. Inesperadamente, entre duas colheradas daquele bolo com cobertura cor-de-rosa, ela me lança um olhar esperto. Naquele instante está tão lúcida quanto eu. Seremos, as duas, cúmplices de algo que ainda preciso descobrir? E ela só está fingindo?
Finalmente come o bolo todo e toma seu leite, um processo infinitamente lento e complicado cheio de repetições e estímulos, como se fosse fazer alguma prova importante no colégio. Quando lhe botam na mão o guardanapo de papel, é preciso repetir tudo:
— Agarra. Segura bem. É guardanapo. Para limpar a boca. Limpa a boca!
Minha avó leva a mão à boca e começa a comer o guardanapo. Minha mãe larga a revista, e sai do quarto quase correndo. Eu fico vendo a enfermeira brincar com minha avó, fingindo ralhar com ela, e ainda lhe dar um beijo na testa enquanto tira de sua boca murcha os pedaços de papel desmanchado. Nisso a velha começa a evacuar mansamente. Agita-se um pouco, olha a enfermeira como se suas lembranças confusas lhe dissessem que aquilo não estava muito direito, mas a moça a conforta, segura carinhosamente a mão dela e diz:
— Faz, faz o seu cocô, pode fazer. Nós estamos de fralda, lembra?
Agora eu também não aguento mais. Salto da cadeira, assustada e triste, e vou para junto de minha mãe, que está pensativa, parada numa pequena sacada na saleta, sobre a rua. Ficamos de mãos dadas, quietas como os velhinhos e velhinhas que cochilam nas poltronas lá dentro, junto a outra árvore de Natal incongruente e feia, num silêncio como algodão molhado. Olhamos a rua onde a vida prossegue ignorando toda a tristeza, a loucura e o absurdo: gente e carros, e um sol glorioso.
Foi minha última visita a minha avó. E nunca esqueci. Mas o que realmente me inquietou foi um ou dois olhares dela, diretos para mim, com um ar de malícia, como a me dizer que os doidos eram eles. Que ela estava só fingindo. E que aquele segredo era seu último presente de Natal para mim.