CAPÍTULO SETE

EM NOME DO POVO

Não fazer justiça, mas sim exterminar o adversário — era esta a missão do Tribunal do Povo. E os juízes, com as suas becas vermelhas, e o seu presidente, Roland Freisler, acima de todos, dedicaram-se a essa missão com um fanatismo coerente. E não o fizeram às escondidas.

Os Alemães sabiam o que se passava. Era ver os cartazes vermelhos da cor do sangue em que eram publicamente anunciadas as condenações à morte decididas pelo tribunal. Todos viam essas condenações, se quisessem. Mas quase ninguém queria ver esses cartazes. Nem os militantes e simpatizantes do Partido que — apesar do avanço dos Aliados — continuavam a acreditar na «vitória final», nem os apoiantes de Hitler, nem os que, no frenesim nacional de felicidade, ignoravam os sinais do fracasso iminente. Esses celebravam, desfilavam… e denunciavam. Nem tão pouco os queriam ver os oportunistas e os que se iam aproveitando e que, guardando para si as dúvidas sobre o Führer, a Wehrmacht e o Reich, as silenciavam e faziam como se tudo estivesse bem como antes. Os Alemães de Hitler eram um povo de cúmplices, de mirones e de gente que preferia voltar a cara.

Os outros, os adversários e os críticos do regime, estavam presos, tinham sido assassinados ou fugido para o exílio… ou esperavam pela morte nos campos de concentração. Quem é que poderia travar a mão dos juízes do Tribunal Popular? Quem é que protestaria, quem é que sentiria compaixão pelas vítimas?

A «autodepuração» do povo, que Freisler defendera com tanto fervor, continuava. As sentenças de morte do Tribunal do Povo eram ditadas «em nome do povo» e era também em seu nome que se concretizavam as execuções. Os Alemães tinham-se transformado em cúmplices de uma justiça sanguinária. Eram um povo de culpados e de cúmplices. E as vítimas?

Os registos são testemunhos silenciosos. De vários milhares de condenações à morte, selecionámos dez, invariavelmente saídas da 1.ª Vara, de Freisler. As restantes varas, cinco, não se diferenciavam das suas sentenças. Estas dez sentenças e as suas correspondentes fundamentações são reproduzidas nas páginas que se seguem como exemplo de um total de 5243 sentenças de morte e mostram bem a ignorância fanática virada contra os críticos do regime, por mais insignificantes e inofensivos que fossem os seus comentários. Uma frase imprudente, uma piada subtil… tudo era crime, punível com a pena de morte.

A linguagem deletéria das condenações não nascia da «natureza demoníaca» de Freisler. Não era a linguagem furiosa de um indivíduo isolado. Era, sim, a linguagem de uma justiça desumana, de um regime tirânico e de um povo cego.

Acórdão n.º 1

«A honra de cidadão para sempre perdida»

Em nome do povo alemão

No processo penal contra

o mineiro Bergmann Dietrich, de Kamp-Lintfort, nascido em 21 de novembro de 1887, em Baerl, Utford, neste momento em prisão preventiva, por atos preparatórios de alta traição e outros crimes,

na 1.ª Vara do Tribunal do Povo, da audiência de julgamento, realizada em 7 de janeiro de 1943, e em que participaram

como juízes

o presidente do Tribunal do Povo, Dr. Freisler, juiz-presidente,

Dr. Klein, diretor do Tribunal Distrital,

Müller, chefe do Serviço Geral de Trabalho,

Bolek, general-brigadeiro da SS e chefe da Polícia,

Kaiser, vereador,

e na qualidade de representante do procurador-geral do Reich

von Zeschau, juiz do Tribunal Distrital,

Peltz, oficial de justiça,

foi considerado provado

que o acusado, em tempo de guerra, favoreceu o inimigo do Reich ao dizer publicamente no elétrico, baseando-se em panfletos ingleses, que o povo devia fazer a revolução. É, por isso, condenado

à morte

e fica com a honra civil para sempre perdida. Suporta as custas do processo.

A exatidão da presente transcrição é autenticada e a sentença pode ser executada.

Fundamentação:

O réu viajava todas as manhãs de elétrico de Lintfort para o seu local de trabalho. Usava para esse efeito a composição que parte às seis horas da manhã.

Fez o mesmo na manhã que se seguiu a um pesado ataque aéreo inglês na vizinha cidade de Moers, na segunda metade do mês de julho de 1942. Subiu ao carro, apenas moderadamente ocupado, em que era cobradora a sua compatriota V.

O réu apanhou alguns panfletos ingleses, exibiu-os e disse que era verdade o que ali estava escrito. Quando a cobradora disse que devia deitá-los fora e que os papéis não deviam estar no elétrico, o réu perguntou-lhe se ela costumava comer até ficar satisfeita. Ela respondeu que só tinha o que constava dos seus selos de racionamento, mas que comia até ficar satisfeita. O réu replicou que se deitava com fome e que a guerra era só para os gordos, que o povo devia dar as mãos e fazer a revolução; depois viria a paz e os gordos poderiam cortar as cabeças a eles próprios. Quando a cobradora perguntou se haveria mais comida quando chegassem os Russos, o réu respondeu afirmativamente. A cobradora replicou: Então, podíamos todos pegar numa corda e enforcar-nos.

Foi o que a cobradora declarou textualmente e imediatamente à Polícia e, na qualidade de testemunha, ao Tribunal do Povo e completamente serena. Causou uma boa impressão e as suas declarações são credíveis.

Que o incidente ocorreu nestes termos é o que se depreende das suas declarações.

Elas são, além disso, confirmadas por uma passageira, a compatriota O., que presenciou, segundo disse, a primeira parte do incidente. Viu o réu pegar nos panfletos — ou folhas de papel que, como cuidadosamente disse, lhe pareceram panfletos — e ouviu-o dizer que «quando à noite se come até se ficar satisfeito, de manhã já não há que comer» e depois, quando ela desceu, a queixar-se.

E as declarações da compatriota V. foram também ratificadas pelo que disse o próprio réu. É certo que, no primeiro interrogatório na Polícia, negou tudo, dizendo apenas que tinha falado com outro passageiro das folhas de salários, mas, no segundo interrogatório e em acareação com a testemunha V., declarou que não negava o que ela dizia, mas não se recordava de o ter dito.

No interrogatório em audiência de julgamento, afirmou que não se lembrava de ter dito que a guerra era só para os gordos, que o povo devia dar as mãos e fazer a revolução e que haveria mais para comer quando chegassem os Russos. Diante do Tribunal do Povo, respondeu com palavras obviamente desajeitadas e estúpidas, tendo admitido três coisas:

1. que havia falado em «panfletos», mas que, com isso, só se referia à folha do salário (!!);

2. que havia falado em «gordos», mas que queria com isso referir-se não ao Governo, mas aos proprietários de fábricas;

3. que havia dito que o povo devia dar as mãos e fazer a revolução.

Pode, justificadamente, dizer-se que estas declarações estão de acordo com a exposição dos factos feita pela cobradora V.

O defensor alegou que o réu é só uma pessoa resmungona, mas o Tribunal do Povo não pode estar de acordo. Quem, com panfletos inimigos na mão, afirma publicamente que o povo deve fazer a revolução, está a minar a frente interna enquanto o soldado alemão arrisca a sua vida em combates duros. E isso equivale a apunhalar pelas costas as nossas forças militares. É altamente perigoso — como mostra o que aconteceu em 1917/1919 —, mesmo que ainda não as atinjam o primeiro ou o segundo golpe. E isso sabe-o toda a gente e sabe-o também o réu, mesmo sendo bastante limitado. Não é, portanto, um resmungão, porém, um inimigo perigoso do povo em armas, pois faz precisamente aquilo que o inglês espera que faça quando atira, juntos, bombas e panfletos: desmoraliza o povo, enfraquece as suas forças militares que estão empenhadas na guerra total e favorece o inimigo (parágrafo 91.º do Código Penal).

De modo nenhum se pode, portanto, afirmar que a ação do réu só provoca pequenos danos ao Reich. O que fez foi pôr uma pedra na balança do destino e no prato do «falhanço do nosso povo». É, por isso, excluído do seio do povo alemão que combate e condenado à morte.

Fica para sempre desonrado, por ser traidor aos nossos soldados.

Assinado: Dr. Freisler

Dr. Klein

Em 25 de outubro de 1943, um dos assistentes do Dr. Drullmann, procurador principal do Ministério Público junto do Tribunal do Povo, enviou um dossiê ao Ministério da Justiça para a sua sede situada em Wilhelmstrasse. O destinatário era o ministro da Justiça, que devia receber a correspondência pela mão do Ulrich, conselheiro superior do mesmo ministério. No dossiê, iam o despacho de acusação do Ministério Público, os documentos pertinentes para um pedido de indulto para Tembergen e a duas cópias do acórdão e ainda uma carta de Drullmann:

Faço, por este meio, a entrega dos documentos com o acórdão da 1.ª Vara do Tribunal do Povo, de 7 de janeiro, pelo qual o acima citado é condenado à morte e à perda perpétua dos seus direitos civis. O condenado encontra-se no estabelecimento prisional de Plötzensee, em Berlim. Nenhuma das instâncias por mim auscultadas defendeu a concessão de um indulto.

O condenado, depois de um ataque aéreo inimigo nos arredores da sua cidade natal, e sob a influência de panfletos ingleses que exibiu, fez publicamente propaganda desmoralizadora e apelou a que se fizesse uma revolução pela qual se pusesse fim à guerra. Considerando a perigosidade dessa atividade subversiva, e também por motivos dissuasórios, proponho que não seja feito uso do direito de perdão.

Thierack, o ministro da Justiça, aceitou a proposta, em 30 de março de 1943. E também achou oportuno «dar livre curso à justiça»:

No processo penal contra Dietrich Tembergen, condenado à morte, em 7 de janeiro de 1943, pelo Tribunal do Povo, decidi, com autorização do Führer, não fazer uso do direito de perdão e dar livre curso à justiça.

Nove dias depois, o mineiro Dietrich Tembergen foi levado da sua cela de Plötzensee e executado. Em representação do procurador Drullmann, o seu colega Parissius confirmou, num memorando, de 10 de abril de 1943, que a execução fora levada a cabo da maneira ordenada:

A pena de condenação à morte decretada pela 1.ª Vara do Tribunal do Povo, em janeiro de 1943, contra o mineiro Dietrich Tembergen, de Kamp-Lintfort, foi executada, em 8 de abril de 1943. A execução cumpriu-se sem incidentes. Entre o momento do início da execução e o momento em que o executor anunciou o cumprimento do acórdão passaram catorze segundos.

No dia seguinte, apareceu em alguns jornais alemães uma pequena notícia secundária:

No dia 8 de abril, foi executado Dietrich Tembergen, de 55 anos, condenado à morte pelo Tribunal Popular por favorecimento das atividades do inimigo. Tembergen havia tentado publicamente minar a vontade resistente do povo alemão de resistir.

Acórdão n.º 2

«Agente desmoralizador e propagandista do inimigo»

Em nome do povo alemão

No processo penal contra

o gerente comercial Wilhelm Alich, de Wiesenthal, Rogätz (distrito de Magdeburgo), nascido em 28 de agosto de 1886, em Nordhausen,

acusado de desmoralização das forças em combate e em prisão preventiva,

na 1.ª Vara do Tribunal do Povo, da audiência de julgamento, realizada em 29 de setembro de 1943, e em que participaram

como juízes

o presidente do Tribunal do Povo, Dr. Freisler, juiz-presidente,

Rehse, juiz do Tribunal Distrital de Berlim,

Hauer, general-brigadeiro da SA,

Dr. Herzlieb, do Alto Comando da Wehrmacht,

Friedrich, chefe de grupo local do NSDAP,

na qualidade de representante do procurador-geral do Reich:

Dr. Heugel, procurador principal,

foi considerado provado

que Wilhelm Alich, pouco depois da traição de Mussolini, afirmou que o Führer também se devia demitir por ter causado ao nosso povo tantas infelicidades, que nunca poderia reparar na sua vida e que se não houvesse ninguém disposto a dar-lhe um tiro, que lho trouxessem que o faria ele!

Como agente desmoralizador e propagandista do inimigo, perdeu para sempre a sua honra.

É condenado

à morte

Fundamentação:

Wilhelm Alich é um homem de negócios que visivelmente pouco se interessa pela vida comunitária do nosso povo. Nunca pertenceu à NSV (Segurança Social Nacional-Socialista) e dedicou-se sempre aos seus negócios. E isso apesar de ter assegurado um salário e uma comissão por volume de negócios com um valor mínimo de 700 marcos.

Pouco depois da traição de Mussolini, Alich dirigiu-se à sucursal da Caixa Económica do distrito em Rogätz e disse ao diretor da sucursal, o seu compatriota Ollendorf, que Mussolini se havia demitido. E de seguida, indicando uma fotografia do Führer na parede, afirmou que ele também se devia demitir, que havia causado tantas infelicidades ao povo alemão, que nunca poderia reparar por mais anos que vivesse. Havia que lhe dar um tiro e, se não houvesse mais ninguém disposto a fazê-lo, que lho levassem que o faria ele!!! Embora tenha começado a exprimir-se com serenidade, acabou por se exaltar cada vez mais.

Alich nega-o. Até hoje, nos três interrogatórios a que foi sujeito, descreveu as circunstâncias de modo diferente. Hoje, por exemplo, na audiência de julgamento, afirmou que na realidade havia dito que Mussolini causara tantas infelicidades ao povo alemão por se demitir, que nunca as poderia reparar. E, quanto ao Führer, disse que nunca se demitiria e que preferiria suicidar-se com um tiro. Antes de mais: esta afirmação sobre Mussolini é tão a despropósito que é completamente inverosímil. E depois: perante a Polícia, disse categoricamente que nunca se pronunciara sobre o Führer! Finalmente: quem tantas vezes altera as suas declarações mostra que está a mentir. O nosso compatriota Ollendorf, pelo contrário, disse por três vezes — perante o seu chefe distrital, perante a Polícia e, hoje, em sede de julgamento — que tudo se passou como acima ficou descrito. Dá a impressão de ser um homem seguro, consciencioso e responsável. É visível que nem se esforçou por exagerar. O Tribunal do Povo não tem nenhuma dúvida de que a sua descrição dos acontecimentos está correta.

O advogado pediu um exame ao estado mental de Alich; este teve sífilis, em 1923, e um acidente automóvel em 1924; talvez não lhe possa ser imputada a culpa dos seus atos. No entanto,

1. Nem uma coisa nem a outra impediram Alich de, há já duas dezenas de anos, ser muito bem-sucedido na sua vida comercial.

2. Nem uma coisa nem a outra impedem que seja castigado pelo que for considerado culpado.

3. Alich defendeu-se na audiência de julgamento — pelo recurso à negação e chorando uma vez com a voz entrecortada por soluços — de tal modo, que, pelo uso dos seus cinco sentidos, não deixou dúvidas ao Tribunal do Povo de que a culpa lhe pode ser imputada. Para o verificar, não requer o tribunal um especialista. E mesmo se a sua irritabilidade fosse uma consequência tardia da sua sífilis, onde iria parar o Reich alemão se o valorizasse como desculpa ou atenuante quando alguém comete um ato tão sinistro como este?

Sendo assim, os testemunhos de bom comportamento aqui apresentados pelo advogado não podem ser considerados. Aqui se comprova realmente a frase: o ato define o homem.

Quem, como Alich, se declara capaz de disparar sobre o Führer, e que basta levarem-no à sua presença para ele o fazer, fica aos nossos olhos e para sempre desonrado. Porque, e da pior maneira, se transformou num desmoralizador e propagandista do inimigo, e sabe-o com clareza (parágrafo 91.º B do Código Penal).

Quem ousa afirmar que poderia pôr as mãos no nosso Führer ditou já a sua própria sentença.

E por ser condenado deve Alich pagar as custas do processo.

Assinado: Dr. Freisler

Rehse

Acórdão n.º 3

«Com as afirmações mais repugnantes»

Em nome do povo alemão

No processo penal contra

o mestre barbeiro Bernhard Firsching de Nuremberga, nascido em 10 de outubro de 1894, em Obertheras, acusado de desmoralização das forças militares e em prisão preventiva, na 1.ª Vara do Tribunal do Povo, da audiência de julgamento, realizada em 30 de setembro de 1943, e em que participaram

como juízes

o presidente do Tribunal do Povo, Dr. Freisler, juiz-presidente,

Rehse, juiz do Tribunal Distrital de Berlim,

Hauer, general-brigadeiro da SA,

Heider, general-brigadeiro da SS,

Hell, chefe superior da SA

e na qualidade de representante do procurador-geral do Reich,

Dr. Bruchhaus, procurador,

foi considerado provado

que Bernhard Firsching tentou durante meses, na sua barbearia, influenciar sistematicamente os seus clientes, soldados e outros compatriotas, com as afirmações mais repugnantes e impor o seu derrotismo.

Tornou-se, com isso, um agente desmoralizador e propagandista do inimigo com que estamos em guerra.

Perdeu para sempre a sua honra.

É condenado

à morte

Fundamentação:

Bernhard Firsching é um homem que sofreu uma transformação. Durante a Primeira Guerra Mundial, foi agraciado com a Cruz de Ferro de Grau 2. Em 1925, tornou-se membro do Partido e em 1930 voltou a sê-lo depois de ter saído em 1926. Trabalhou organizadamente no movimento durante a época de luta. Na presente guerra, voltou às fileiras militares como sargento no serviço médico, de 1933 à primavera de 1943, na Polónia, em França e na Rússia.

Mas desde essa altura transformou-se completamente. Como militar, teve de ser castigado com oito meses de prisão por espalhar rumores insidiosos e foi expulso do Partido.

Da primavera ao outono deste ano, concretamente até à sua detenção, converteu sistematicamente a sua barbearia, frequentada por soldados e outros membros do Partido, seus clientes, num local de propaganda derrotista e de sedição.

Três soldados deram disso, hoje, o seu testemunho.

Em primeiro lugar, depôs o primeiro-cabo Schiller, que disse que Firsching se referiu aos ataques terroristas aéreos sobre Schweinfurt e Regensburg e que prosseguiu, relatando que, mais recentemente, tinha havido outro que durou três horas, sendo o mais grave até ao momento, e que seria natural que os jornais noticiassem que só teria havido escassos danos materiais. Firsching afirmou também que o presidente da câmara municipal de Nuremberga deixara a cidade catorze dias antes do ataque, bem como os mais condecorados; que contra a Rússia é só garganta e brincadeiras com sabres; que em Kiev procurara ver os ucranianos assassinados e que a cultura russa era superior à cultura alemã e que o soldado não o vê porque não o levam à cidade. Que Estaline era um grande político, tendo seis milhões de chineses e dois milhões de iranianos nas fábricas de armamento, libertando, assim, oito milhões de soldados russos para a ofensiva contra nós. Os grandes mal-entendidos […] no NSDAP conduziriam a uma grande batalha pela qual os comunistas já esperam. E que já não conseguimos ganhar a guerra.

Depois, depôs o suboficial Mederer, que declarou ter ido em 23 de julho à barbearia de Firsching com o cabo Gäbelin e que o réu, num momento em que também estavam presentes alguns civis, afirmou que a cultura russa era no mínimo igual à nossa, que os blindados russos eram melhores do que os nossos, tal como os seus engenheiros, e que o Tiger era uma imitação de um blindado russo. O suboficial Mederer deu-lhe réplica e Firsching prosseguiu, dizendo que, por ser da Infantaria, Mederer andava só a ser transportado de um buraco para outro e que nada vira, naturalmente, da Rússia.

Por fim, depôs o primeiro-cabo Neener, que declarou: na sua presença, Firsching disse a alguns civis na sua loja que não conhecia nenhuma comunidade do povo e que lhe era indiferente se os outros rebentavam. Que haviam de ver o que iria acontecer na Alemanha dentro de seis semanas, que na Itália já se fazia a revolução e que o Tiger era apenas uma imitação dos blindados russos. Que os nossos adversários ainda não estavam a recorrer ao poder máximo do seu armamento e que ainda aconteceriam coisas piores. Que na Renânia haviam apupado Goebbels, que poucos meses antes anunciara represálias, mas que não acontecera nada. Não havia dúvidas: o que os três soldados disseram, tranquila e seguramente, é coerente e condiz. Aliás, Firsching disse, por várias vezes, que estava a pensar noutras coisas […] Mas, apesar disso, as suas palavras são claras. Destes três depoimentos, prestados perante o Tribunal do Povo, resulta necessariamente que Firsching costumava falar assim com os seus clientes. E que com isso se converteu num derrotista e agente provocador ao serviço dos nossos inimigos de guerra (parágrafo 5.º do Regulamento Especial sobre Crimes em Tempo de Guerra e parágrafo 91.º B do Código Penal). Além disso, foi ele próprio a dizer que queria ficar fora da comunidade do povo e, ao dizê-lo, perde para sempre a sua honra. Com isso, condenou-se à morte. Para que não aumentem as expectativas de Churchill, para que não voltemos a viver outro 1918, para que todos os que se aplicam na mesma atividade desmoralizadora percebam o que está em jogo, teve o Tribunal do Povo de aprovar a sentença de morte. Por ter sido condenado, cabe-lhe pagar as custas judiciais.

Assinado: Dr. Freisler

Rehse

Acórdão n.º 4

«Para proteção da nossa unidade interna»

Em nome do povo alemão

No processo penal contra

o condutor dos Correios Georg Jurkowski, de Weissensee, Berlim, nascido em 31 de julho de 1981, em Berlim, acusado de desmoralização das forças militares e em prisão preventiva,

na 1.ª Vara do Tribunal do Povo, da audiência de julgamento, realizada em 14 de outubro de 1943, e em que participaram

como juízes

o presidente do Tribunal do Povo, Dr. Freisler, juiz-presidente,

Rehse, juiz do Tribunal Distrital de Berlim,

Ahmels, burgomestre e chefe do Serviço Central do distrito,

Kelch, chefe de grupo local do NSDAP,

Reinecke, chefe distrital

e na qualidade de representante do procurador-geral do Reich:

Domann, procurador principal,

foi considerado provado

que Georg Jurkowski, no início de agosto, em Danzig (Gdansk), expressou afirmações desmoralizantes e derrotistas, tendo dito, principalmente, que se passaria com Hitler o que se passou com Mussolini e que em janeiro já não estaria vivo.

Perdeu, por isso, e para sempre, a sua honra. Tornou-se um agente desmoralizador e propagandista do inimigo com que estamos em guerra e é, portanto, condenado

à morte.

Fundamentação

Georg Jurkowski é condutor dos Correios, afeto ao serviço ferroviário, e encontrava-se em Danzig nessa qualidade, em 3 de agosto, com o empregado dos Correios, Schönherr, de Berlim, também afeto ao serviço ferroviário. Por volta das dez e meia, quis regressar a Berlim. Às dez horas, passou com Schönherr pela Stockturm, a caminho da estação. Por acaso, ia atrás deles a compatriota Rosemarie Grande, que ouviu com grande clareza o que Jurkowski dizia a Schönherr: que Hermann Göring tinha adquirido em Itália uma sexta propriedade e que aumentara o número de propriedades no estrangeiro. Quando ela ouviu isto, interpelou Jurkowski, enquanto Schönherr, julgando que se tratava de pessoa conhecida de Jurkowski, se afastou uns passos e não ouviu mais nada. A compatriota Grande disse a Jurkowski que não devia apregoar assim os seus pontos de vista, mas guardá-los para si. Jurkowski respondeu-lhe: «A senhora vai pensar de outra maneira dentro de dois meses. Posso dizer-lhe que o Duce está na prisão e que não deixará de acontecer o mesmo a Hitler. Em janeiro, já não estará vivo.» Muito afetada interiormente pelo que ouvira, e só para se impor a Jurkowski, a compatriota disse-lhe que pertencia à Gestapo. Ao que Jurkowski replicou: «Bem, se é da Gestapo, saberá decerto melhor do que nós e também será pior para vocês do que para nós.»

A compatriota Grande foi chamar um agente da Polícia. Encontrou-o momentos depois e viu Jurkowski e Schönherr numa paragem de elétrico. Quando a viu acompanhada do polícia, Jurkowski afastou-se apressadamente, mas alguns transeuntes detiveram-no e levaram-no à esquadra. Enquanto esperava aí, com a compatriota Grande, disse-lhe: «Posso dar-lhe tudo o que quiser, e tem aqui o meu relógio, mas deixe-me ir embora.» Tudo isto foi hoje declarado com grande precisão pela compatriota Rosemarie Grande, na sua qualidade de testemunha, como antes perante a Polícia. Causou uma impressão imaculada e o Tribunal do Povo está convicto de que não disse uma palavra a mais ou a menos. Exclui também qualquer possibilidade de ela estar enganada. Mesmo com o barulho da rua, que Jurkowski invoca.

Jurkowski nega ter dito o que lhe é atribuído. Quando foi detido, afirmou que, ao dizer à compatriota Grande que dentro de dois meses iria ver algo, se estava apenas a referir às nossas represálias, embora não o tenha chegado a dizer explicitamente. E também disse que antes só falara com Schönherr sobre um castelo — hoje, disse que era o de Neuhaus, na Francónia — que queria ter visitado, mas que não o pôde fazer porque o marechal do Reich aí se encontrava. A ameaça feita à compatriota Grande pelo que seria a sua ligação à Gestapo (na realidade, é funcionária do governador do Reich) diz que não a fez. Mas a má consciência de Jurkowski é demonstrada pelo facto de se ter afastado tão depressa, o que justifica pela preocupação, nada convincente, de não querer perder o comboio, o que também surpreendeu bastante Schönherr. Como este declarou na qualidade de testemunha. E a oferta do relógio na esquadra da Polícia, quando já não podia ir apanhar o comboio, é explicada por Jurkowski por ter querido evitar problemas. A sua má consciência é bem clara. Isto dito, o testemunho da compatriota Grande perante o Tribunal do Povo dá a certeza de que as coisas aconteceram como ela contou. Mesmo sem ser necessária a testemunha Schönherr e o seu depoimento, até porque, como ele disse, não ouviu nada porque, ao acompanhar Jurkowski, o ruído e o movimento do trânsito tornaram difícil ouvi-lo; além disso, não prestou atenção ao que ele dizia porque não lhe interessava e, quando a compatriota Grande interpelou Jurkowksi, ele ia uns passos mais à frente.

À compatriota Rosemarie Grande há que agradecer a sua intervenção decisiva e correta. Agiu da maneira que deve agir, nos nossos dias, uma compatriota alemã. Desmascarou um derrotista perigoso e um provocador desmoralizador e que, como se não bastasse, quebrou o juramento feito ao Führer de forma tão ignominiosa (parágrafo 5.º do Regulamento Especial sobre Crimes em Tempo de Guerra e parágrafo 91.º B do Código Penal). Quem assim age, no final do nosso quarto ano de guerra, revela que não tem nenhum sentido de honra. Portanto, para proteção da nossa unidade interna, deve ser desonrado para sempre e condenado à morte.

E como Jurkowski é condenado, deve suportar também as custas do processo.

Assinado: Dr. Freisler

Rehse

No dia em que o condutor dos Correios, Georg Jurkowski, foi condenado à morte, compareceu diante de Freisler o padre Dr. Max Josef Metzger, de Baden.

Metzger fora um elemento essencial na criação de numerosas organizações confessionais, especialmente do movimento «Una Sancta». Devido a um manifesto enviado ao arcebispo sueco de Uppsala, com o projeto de um regime democrático para a Alemanha depois da guerra, foi preso pela Polícia secreta, a Gestapo. Na audiência de julgamento, o sacerdote tentou explicar o que era o movimento «Una Sancta», que visava a unificação das igrejas católica e evangélica, sendo interrompido por Freisler que, fora de si, lhe vociferou: «Una Sancta, Una Sancta, Una Santíssima, Una… isso somos nós e não há mais nada.»

Metzger foi condenado à morte — foi a segunda sentença de morte de Freisler no dia 14 de outubro de 1943.

Sendo um traidor ao povo, Max Josef Metzger, aos olhos de Freisler, merecia morrer. Eis a decisão do Tribunal do Povo.

Acórdão n.º 5

«Um pensamento absolutamente monstruoso»

Em nome do povo alemão

No processo penal contra

o sacerdote católico Dr. Max Josef Metzger, de Berlim, nascido em 3 de fevereiro de 1887, em Schopfheim (Baden),

nesta altura detido à ordem da Polícia

devido a atos preparatórios de alta traição e outros delitos,

na 1.ª Vara do Tribunal do Povo, da audiência de julgamento, realizada em 14 de outubro de 1943, e em que participaram

como juízes

o presidente do Tribunal do Povo, Dr. Freisler, juiz-presidente,

Rehse, juiz do Tribunal Distrital de Berlim,

Ahmels, burgomestre e chefe do Serviço Central do distrito,

Kelch, chefe de grupo local do NSDAP,

Reinecke, chefe distrital

e na qualidade de representante do procurador-geral do Reich:

Dr. Drullmann, procurador principal,

foi considerado provado

que Max Josef Metzger, sacerdote católico diocesano, está convencido da nossa derrota e, no quarto ano da guerra, tentou enviar um «Memorando» para a Suécia, em que pretendia preparar o terreno para um «Regime» pacifista-democrático e federalista e dependente do inimigo, além de difamar pessoalmente o governo nacional-socialista.

Sendo traidor ao povo fica para sempre desonrado e é condenado

à morte.

Fundamentação:

Max Josef Metzger é sacerdote católico diocesano e já em 1917 —

em plena guerra! — trabalhou na Áustria numa organização pacifista internacional, ou seja, leal a Erzberger, tendo ajudado a desmoralizar a nossa frente externa.

E também agora não pôde deixar de o fazer. É ele próprio quem diz que a Alemanha cairá e foi por isso que pensou em escrever uma carta ao Führer, para que ele se demitisse, por acreditar que, se se demitisse, seria possível uma paz negociada!!! Mas não o fez porque

1. acreditava que a sua carta não chegaria ao Führer;

2. porque o seu pedido não teria êxito;

3. por recear que depois o prendessem.

No entanto, o que fez foi escrever um «manifesto», tentando fazê-lo chegar, por intermédio de Irmgart von Giessen, antes de nacionalidade sueca e agora cidadã do Reich, ao arcebispo Eidem, que conhece pelo seu trabalho na Una Sancta (movimento que tenta unificar as confissões católica e evangélica).

«Nordland (Estados Unidos Nórdicos) é uma federação de Estados livres democráticos (Noruega, Suécia, Finlândia, Dinamarca e Islândia) e cada um destes ditos Estados livres é autónomo em matéria de política interna, cultural, assuntos sociais e organização administrativa. A política externa é comum e a direção da união

de Estados é de competência reservada. A política de Nordland é definida interna e externamente pela Constituição como política expressamente de paz, baseada na verdade, na lealdade moral e na justiça social.

A política de paz interna é baseada no respeito pela lei moral eterna, no reconhecimento e na salvaguarda dos mesmos direitos fundamentais para todos os cidadãos, numa política social progressista (segurança no trabalho, remuneração e meios de vida para todos; nacionalização das minas, centrais elétricas, caminhos de ferro, assim como das grandes propriedades nos campos, florestas e lagos, numa política fiscal social que proteja os mais fracos) e numa política justa de nacionalidade e de raça (autogoverno das cúrias nacionais, no que se refere, por exemplo, aos meios públicos para a educação).

A política de paz externa reconhece e respeita em toda a sua extensão os direitos de vida dos povos estrangeiros e promove o desarmamento como decisão própria (exceto de uma força policial para a manutenção da ordem interna), favorecendo forças armadas supranacionais que, subordinadas a um órgão não partidário dos “Estados Unidos da Europa”, protegerão uma paz justa entre os Estados.

Segundo a Constituição, é garantido a todos os cidadãos de Nordland a inviolabilidade da dignidade pessoal e a segurança jurídica, a liberdade de consciência, de língua, de cultura e o livre exercício da sua religião, a liberdade de expressão e, finalmente, a liberdade da propriedade pessoal e do seu uso dentro das fronteiras estabelecidas legal e claramente pela comunidade.

Todos os cidadãos de Nordland, de quem se possa demonstrar a cumplicidade na infelicidade nacional e na violência contra o seu povo, bem como todos os condenados por delitos comuns, perderão os seus direitos civis durante vinte anos (direito de voto e de desempenho de cargos públicos). Até que se possa comprovar a sua sinceridade, essa cumplicidade será assumida por todos os funcionários dos partidos antinacionais e antissociais e das suas organizações militarizadas de autoproteção. A lista dessas pessoas será pública.

O poder legislativo de Nordland, até à aprovação definitiva da Constituição com base em eleições livres, fica entregue ao Parlamento do Povo. Este órgão é formado por representantes

destacados de todas as classes e por personalidades eminentes das corporações intelectuais, culturais e religiosas, eleitas em primeiro lugar pela Ordem da Paz de Nordland, união de personalidades provenientes de todos os setores do Estado e dos antigos partidos que, enquanto representantes dos princípios morais, sociais e políticos, preservaram a nova política de paz perante o seu povo e o mundo, tendo também em conta que, pela sua convicção e atitude, foram vítimas de preconceitos pessoais pelo sistema anterior. Estabelece-se este programa político para o caso de, terminada a guerra, rebentar uma revolução em que seja impossível assegurar a continuidade do Direito.»

Neste manifesto, a que Metzger adere, há que ler, como ele próprio declara, a Alemanha onde se escreve Nordland, Alemães em vez de cidadãos de Nordland e onde se escreve Suécia,

Noruega, Dinamarca, Finlândia e Islândia devem subentender-se alguns estados alemães, como a Prússia, a Baviera, a Saxónia, Württemberg, Baden e outros, por partidos antinacionais e antissociais o NSDAP e as suas organizações. Trata-se, portanto, de um projeto de sistema de governo para a Alemanha, de um regime democrático-pacifista sem forças armadas e submetido ao exército terrorista dos nossos inimigos. Não seria um Estado unitário, mas sim uma união de Estados que permitirá que se tornem realidade os mais sinistros sonhos dos nossos inimigos! Metzger disse que pensou que, no caso de uma derrota da Alemanha, o arcebispo Eidem, que considera ser amigo dos Alemães, pudesse divulgar estes argumentos junto dos nossos inimigos para assim se «salvar» a Alemanha, em vez de isso ficar nas mãos de um governo inimigo.

É um pensamento absolutamente monstruoso, um pensamento que só uma pessoa profundamente derrotista poderia conceber. Um pensamento humilhante e traidor que só pode ser concebido por alguém que odeie profundamente a Alemanha nacional-socialista. Um pensamento de alta traição porque parte, e tem como destino, afirmar em lugar da nossa genuína forma de vida, o nacional-socialismo, «ideias» hostis ao povo e há muito tempo ultrapassadas. Mas acima de tudo: quem em tempo de guerra põe no mundo tal misturada, e não importando o motivo, é, a cair nas mãos inimigas, um elemento de enfraquecimento da nossa capacidade de resistência e de fortalecimento dos nossos inimigos. Porque, sem a menor dúvida, este será um documento para, numa ação de propaganda, ser atirado contra nós, fazendo crer que na Alemanha há forças que anseiam pela derrota e que, depois da derrota, querem aliar-se ao inimigo e instaurar um governo sem poderes e não alemão para, desse modo, se fazerem de salvadores no âmbito do sistema opressivo dos nossos inimigos.

Na realidade, como disse o próprio, Metzger acreditava absolutamente que o seu «manifesto» não cairia nas mãos do inimigo antes da derrota e que confiava em que o arcebispo Eidem, que tem por amigo dos Alemães e homem discreto, não divulgaria as ideias do «manifesto» antes da derrota da Alemanha e depois, e de forma adequada, só entre os homens que influenciam o inimigo, como os prelados ingleses, por exemplo. Mas… os prelados ingleses? Como aquele que agora viajou para Moscovo? Mas o Tribunal do Povo está convicto de que um homem como Metzger pensou bem

e sabe que um escrito desta natureza, ainda por cima lançado no estrangeiro, toma um rumo que já não é possível controlar.

É impossível acreditar que um homem capaz de refletir não tenha pensado nessa hipótese. E, mesmo assim, tentou fazer com que o seu escrito passasse a fronteira! A sua ação é, por isso, uma ajuda de cúmplice com o inimigo com que estamos em guerra (parágrafo 91.º B do Código Penal).

E mesmo se Meztger estivesse firmemente convencido de que o seu texto não cairia em mãos que o poderiam utilizar contra a Alemanha, antes de esta ser derrotada, isso não conseguiria influenciar a sentença do Tribunal do Povo. Porque a ação de Metzger é, toda ela, tão monstruosa, que já nem se trata de saber se ela pode ser juridicamente qualificada como alta traição (Metzger diz que nunca tinha pensado em recorrer à violência) ou como favorecimento do inimigo (Metzger diz que só pensou em começar a agir no momento a seguir à derrota) ou como derrotismo (Metzger diz que nunca foi sua intenção ser desmoralizador). Nada disso importa: qualquer compatriota sabe que desviar um único alemão que seja da nossa frente de combate é infame e uma traição ao nosso povo na luta que trava pela sua vida e que uma traição dessas merece a morte, porque se aproxima da alta traição, do derrotismo, do favorecimento do inimigo e é uma traição que o sentimento mais são do nosso povo considera merecedora da morte (parágrafo 2 do Código Penal). Portanto, e por causa desta vil traição ao povo, devia ser condenado à morte, mesmo que não tenha contado com a possibilidade de o seu texto cair, durante a guerra, em mãos inimigas que o poderiam aproveitar contra nós.

Metzger tentou hoje, na audiência de julgamento, explicar que atuou por precaução, não fosse dar-se o caso de tudo correr mal, como previa, e o seu arcebispo também atesta, numa carta que dirigiu ao advogado de defesa e que este leu em voz alta, que Metzger não é um criminoso, chamando-lhe até idealista. Mas esse é um mundo completamente diferente, um mundo que nós não conhecemos. E aqui, no Grande Reich Alemão, só se podem julgar as pessoas segundo os princípios válidos entre nós, ou seja, os princípios nacional-socialistas, que estão tão distanciados, que nem sequer é possível debatê-los numa perspetiva nacional-socialista. A perspetiva em que se move o modo de agir de Metzger não pode, não deve e não será considerada por um tribunal alemão. Todos têm de aceitar ser medidos pelo critério alemão e nacional-socialista. E esse critério diz que um homem que assim age é um traidor ao seu próprio povo. Metzger, que pela sua maneira de agir, ficou para sempre desonrado, deve ser, por isso, condenado à morte.

E por ser culpado deve pagar também as custas do processo.

Assinado: Dr. Freisler

Rehse

Quando, depois de negado o indulto, o padre Max Josef Metzger morreu executado na guilhotina, em 16 de abril de 1944, ficou uma conta por pagar: a dos 293 dias que passou na prisão, a aguardar a morte.

A sua família saldou a conta em 8 de agosto de 1944.

Inquebrantável e cheia de esperança num futuro melhor, Johanna Kirchner, de Frankfurt, deu os primeiros passos que a levariam à sua execução na prisão de Plötzensee, em Berlim, em 9 de junho de 1944. O Tribunal do Povo só precisara de meia hora para condenar esta socialista à morte, sob a presidência de Freisler.

Mas que tinha Johanna Kirchner feito? Nada mais do que ajudar os que se haviam erguido contra o terror nazi e os que, sendo inocentes, sofriam os efeitos da tirania do regime. O seu nascimento no seio de uma antiga família social-democrata e a sua militância no movimento socialista operário desde os catorze anos haviam-lhe moldado o carácter e determinado a sua atitude. Era casada com Karl Kirchner, ativista autárquico e dirigente de uma fação do Partido Social-Democrata (SPD), com quem trabalhava, como relatora, em congressos sindicais e do SPD.

Em 1933, quando os nacional-socialistas subiram ao poder, Johanna não restringiu a sua atividade nem reduziu a ajuda que prestava às pessoas que sofriam os efeitos da repressão. Esteve sempre disposta a encontrar possibilidades de fuga para os perseguidos e os antifascistas escaparem às garras da Gestapo.

Até ao começo da guerra, viveu em Forbach, em França, junto à fronteira com a Alemanha, estreitamente ligada à luta dos opositores alemães de Hitler, tendo feito amigos entre os combatentes alemães das Brigadas Internacionais. Quando, depois do começo da guerra, foi internada no campo de concentração de Gurs, conseguiu escapar com ajuda da Resistência francesa. Mais tarde, acabou por ser entregue pelo Governo de Vichy à Gestapo, em cumprimento do pedido de extradição feito por esta polícia.

Já uma vez, em maio de 1943, comparecera perante os juízes do Tribunal do Povo, onde foi condenada — a dez anos de prisão.

Foi uma sentença «suave», porque um dos juízes, oriundo de Frankfurt, intercedeu por si e soube desculpar as suas infrações como resultado da sua vontade de ajudar as pessoas. Cumpriu depois quase um ano de prisão no estabelecimento prisional de Cottbusser até à sua condenação, quando o processo foi reaberto.

O seu destino ficou traçado, em 21 de abril de 1944: o Tribunal do Povo condenou-a à morte.

Acórdão n.º 6

«Afastada com ignomínia e vergonha do nosso meio»

Em nome do povo alemão

No processo penal contra

a antiga funcionária do SPD, Johanna Schmidt, divorciada de Kirchner e com apelido de solteira de Stunz, nascida em 24 de abril de 1889, em Frankfurt, sem domicílio fixo, e residente ultimamente em Aix-les-Bains, Saboia, em França, nesta altura detida pela Polícia

devido a atividades preparatórias de alta traição e outros delitos, na Vara Especial do Tribunal do Povo, da audiência de julgamento, realizada em 21 de abril de 1944, e em que participaram

como juízes

o presidente do Tribunal do Povo, Dr. Freisler, juiz-presidente,

[ilegível na ata], juiz do Tribunal do Povo,

e na qualidade de representante do procurador-geral do Reich:

Dr. Franzke, procurador,

foi considerado provado

que a antiga social-democrata Johanna Schmidt, durante o tempo que passou emigrada, com os traidores ao povo, Matz Braun e Emil Kirschmann, entre emigrantes e no nosso Reich, incitou à prática de atos de alta traição, dedicou-se à mais sinistra propaganda marxista, recolheu e transmitiu importantes informações, culturais, políticas e de espionagem militar e, além disso, como fonte de informação, usou também a sua filha.

Afastada pelo nosso Reich, com ignomínia e vergonha, há vários anos do nosso meio, para sempre desonrada, é condenada

à morte.

Fundamentação

A Sra. Johanna Schmidt, que já desde 1907 era militante do SPD, e que nos últimos anos antes da nossa renovação popular esteve empregada como secretária na delegação do SPD de Frankfurt, foi para a região do Sarre, em 1933. Como a própria disse, não foi para emigrar, mas por acreditar que em Frankfurt poderia passar mais tempo sem arranjar emprego. Em Saarbrücken, conseguiu arranjar um emprego de supervisora do restaurante da sua correligionária, a Sra. Juchacz. Quando o Sarre se declarou a favor do seu próprio sangue e do seu próprio povo e regressou ao Reich, não participou na corrente geral de entusiasmo, mas foi viver para junto de Forbach, na antiga França, e arranjou um cargo num comité de refugiados do Sarre, dirigido pelos infames traidores ao povo Matz Braun e Emil Kirschmann. Mas estes dois fugiram pouco depois, o primeiro para Paris e o segundo para Mülhausen, na Alsácia. Mas a Sra. Schmidt, como secretária, continuou a dirigir a organização, embora sob a supervisão mais vaga de Braun, que raramente se deslocava de Paris, e mais estrita de Kirschmann, que duas a três vezes por semana se deslocava de Mülhausen.

E que comité era este é algo que se pode ver pelo facto de ser financiado pelo Bureau Sindical Internacional e pela Ajuda Vermelha! E o modo como o comité concebia a distribuição da ajuda que dizia prestar vê-se pelo facto de só os salários de Kirschmann e da Sra. Schmidt ficarem com vinte a vinte e cinco por cento do orçamento total!

No âmbito das ajudas que prestava, o comité, ou seja, a Sra. Schmidt, distribuía documentos vários pelos emigrantes, como «senhas pessoais» e «recomendações», ocupando-se da gestão das autorizações de residência e do pagamento de subsídios. Mas o comité não se limitava apenas a esta espécie de Ajuda Vermelha voltada para os emigrantes.

O comité, e com a Sra. Schmidt na sua qualidade de secretária, começou, mais do que isso, a organizar propaganda desmoralizadora e traidora de dimensões extraordinárias contra o nosso Reich Alemão nacional-socialista. Era distribuída uma revista — Saarnachrichten — com uma tiragem de, aproximadamente, quinhentos exemplares por número, e os textos eram escritos pela Sra. Schmidt! Além disso, o comité dos refugiados distribuía também a Sozialistische Aktion, da fação de emigrantes social-democratas que se estabeleceu em Praga (a SoPaDe), e outras publicações difamatórias com tiragens de cem a duzentos exemplares. Estas eram distribuídas com a revista do comité. A própria Sra. Schmidt afirma que o conteúdo principal dessas revistas eram as notícias das atrocidades na Alemanha. E a Sra. Schmidt colaborava na divulgação de todo o veneno da desmoralização! Infelizmente, a Sra. Schmidt não manteve as suas atividades fora das fronteiras alemãs. Também trabalhou num plano que, da Suíça, visava a reorganização do SPD na sua cidade-natal, Frankfurt! Ela, que perdera o direito de ter voz e de intervir nos assuntos alemães quando decidiu emigrar!

A acompanhar estas atividades sistemáticas de agitação, havia outros atos de desonrosa traição ao povo, como estes: Von Puttkammer, um traidor ao povo detido em Espanha, devia ser extraditado para a Alemanha, passando por Itália. Mas aí conseguiu fugir para a Suíça. E na fronteira suíça foi recebido pela Sra. Schmidt, que aí se deslocou com esse propósito e que lhe facilitou o internamento num sanatório suíço!

Mas tudo o que aqui foi relatado é ultrapassado, em importância, pelas atividades de traição à Pátria dos acusados. Kirschmann queria, para as suas publicações propagandísticas, material informativo de carácter cultural, económico, científico, político e militar. Para esse efeito, pediu à Sra. Schmidt e a outros colaboradores que, na organização de ajuda aos refugiados de Forbach, recolhesse esse material. Depois, a Sra. Schmidt fá-lo-ia circular, o que ela fez. E, para isso, desenvolveu uma atividade intensa, falando com pessoas que se tornaram as suas fontes de informação como, por exemplo, um certo Harig, von Hünneckens, Niebergall, Kirn e outros, e enviando o material obtido para Kirschmann. Entre essas informações, encontra-se o pormenor de que um antigo comunista era confidente da Gestapo, ou seja, um facto que se devia manter secreto no interesse da segurança do nosso Reich. Também apareceram outras notícias sobre campos de trabalho em Hunsrück e, além disso, sobre «o que se passava com o Cabeça de Javali». Ocasionalmente, também apareciam informações do domínio militar, que eram pedidos especiais de Kirschmann. Por exemplo, se tinham chegado a Saarlautern novas forças militares e quais as que estavam estacionadas em Saarbrücken. Era também disso que se ocupava a Sra. Schmidt. E tudo isto, na nossa opinião, são pormenores que, nos primeiros anos que se seguiram à subida ao poder dos nacional-socialistas, deviam ser mantidos secretos até ao começo da guerra, no interesse da defesa do nosso país e tendo em conta que, nessa altura, não éramos tão fortes como depois da formação das nossas Forças Armadas.

E até que ponto chegou o estado de podridão moral da Sra. Schmidt é visível no facto de se ter socorrido das suas duas filhas, com o pretexto de as levar de férias, para as fazer viajar da Alemanha para Hohwals, na então Alsácia francesa, para aí obter informações sobre assuntos políticos, sociais, culturais, económicos e militares ou, como dizia Kirschmann, nas cartas que lhe enviava e ela nas suas cartas de resposta, para as «espremer». Nada tinha contra o facto de Kirschmann aproveitar essas informações, pedindo-lhe apenas que não o fizesse de súbito e por precaução.

Kirschmann costumava usar as informações, que assim obtinha, para o seu serviço de informações, dando-lhes um aspeto jornalístico. Era assim que as informações chegavam à espionagem francesa, o que também era do conhecimento da Sra. Schmidt. Com esta conduta, tornou-se também culpada de alta traição, além de já ser traidora à Pátria. E com ela atinge o ponto mais absoluto da sua desonra, num percurso que começou, inexoravelmente, pela emigração, porque a pessoa desenraizada, que se separou do seu povo e da sua Pátria, já não consegue arranjar maneira de travar o cada vez mais rápido comboio da traição em que se meteu.

Perante tais atos de alta traição e de traição à Pátria (parágrafos 83.º e 89.º do Código Penal), pouco importa que a Sra. Schmidt tenha deixado a sua atividade de informadora e os serviços que prestou a Kirschmann mais de um ano antes do começo da guerra, de livre vontade, como ela mesmo disse, e arranjado emprego numa família. Para a sua sentença, é absolutamente irrelevante que os Franceses, no começo da guerra, a tenham internado num campo de concentração. Ela diz, no entanto, que tentou regressar à Alemanha desde 1940 por estar arrependida do que fizera e por ter a esperança de regressar ao seu país e à comunidade do povo. Se, na realidade, o tentou fazer, não o fez com suficiente seriedade. Porque ainda passou um ano, antes de a deterem e de a levarem à linha de demarcação, a agir em total liberdade em Aix-les-Bains. Se estivesse verdadeiramente tão arrependida e se a sua saudade da Alemanha fosse tão grande, ter-lhe-ia sido fácil nesse ano atravessar a linha de demarcação e, por meio da França ocupada, chegar à Alemanha. E há mais! O Tribunal do Povo não poderia sequer, neste caso, ter em conta o que poderia ser um arrependimento sincero, porque uma traição ao próprio povo não deixa lugar ao remorso. E, mesmo assim, seria demasiado tarde. Porque a traição é uma das situações em que o ato faz o culpado.

A Sra. Schmidt foi afastada com ignomínia e vergonha do nosso meio já no começo de 1937. E com a perda da nacionalidade perdeu também a sua honra. Ao Tribunal do Povo não resta outra decisão, em função da prova produzida e das declarações feitas perante a Polícia e, hoje, neste tribunal, senão condená-la à morte pela sua traição. Porque não se pode aplicar outra pena em função da dignidade do Reich, da necessidade de depuração do nosso povo e da proteção do Reich e do povo.

E porque a Sra. Schmidt é culpada, deve também pagar as custas do processo.

Assinado: Dr. Freisler.

Acórdão n.º 7:

«Pelo seu derrotismo fica para sempre desonrado»

Em nome do povo alemão

No processo penal contra

o curador e professor Dr. Walter Arndt, de Berlim, nascido em 8 de janeiro de 1981, em Landeshut (Silésia),

nesta altura preso, na 1.ª Vara do Tribunal do Povo, com base na acusação do Procurador-Geral do Reich, de 4 de abril de 1944, e apresentada, em 27 de abril de 1944, e na audiência de julgamento e em que participaram

como juízes

o presidente do Tribunal do Povo, Dr. Freisler, juiz-presidente,

Rehse, juiz do Tribunal Distrital de Berlim,

Wittmer, tenente-coronel da SS,

Hell, chefe superior da SA,

Kelch, chefe de grupo local do NSDAP,

e na qualidade de representante do procurador-geral do Reich: Kurth

foi considerado provado

que Walter Arndt é um derrotista perigoso. Na passagem do quarto para o quinto ano de guerra, disse a compatriotas

que o Reich alemão estava a chegar ao fim, que éramos os culpados da guerra, que o importante era saber como é que se castigavam os culpados.

Pelo seu derrotismo, fica para sempre desonrado e é condenado

à morte.

Fundamentação:

Walter Arnd tem o título académico de professor, é curador do Museu de Zoologia, anexo à Universidade de Berlim.

Salienta que, por várias vezes e ao longo da vida, tem realizado trabalhos especiais como, por exemplo, enfermeiro militar na Primeira Guerra Mundial, cuidando esforçadamente dos feridos que lhe haviam sido confiados e tendo sido preso por isso; que, durante o incêndio do museu, causado por um ataque terrorista, o apagou com firmeza, o que permitiu salvar o museu; e que o seu trabalho científico permitiu que se fizessem progressos significativos na sua área.

Só que isto não apaga o derrotismo de que ele é culpado.

O compatriota Dr. Stichel, colega de zoologia e conhecido de Arndt, declarou que este, num passeio curto que deram em 28 de julho de 1943, disse que o Terceiro Reich estava a chegar ao fim, que o importante agora seria castigar todos os culpados e ver até onde iria esse castigo. Disse ainda que, desde a fraude do incêndio do Reichstag (!), sabia o que iria acontecer porque, a longo prazo, era impossível manter durante mais tempo um jogo de mentiras. E, para espanto de Stichel, observou: «A si, nunca lho tinham dito, pois não?»

Arndt não nega o que disse, limitando-se a afirmar que não se consegue lembrar. Não se recordar de tais afirmações só seria possível se alguém as fizesse todos os dias. Mas, em consequência, e por causa de um tão grande número de casos assim, não é capaz de recordar um dia particular. Mas quem não se crê

capaz de afirmações semelhantes não se desculpa de as ter feito, porque não sabe quando foi, mas limita-se a negá-las. Entretanto, o Dr. Stichel fez as suas declarações com uma serenidade e uma segurança tais, que não resta a menor dúvida de que disse a verdade.

Apesar disso, este é o único caso de derrotismo de que Arndt se declara culpado.

A sua amiga de juventude e compatriota, Sra. Hanneliese Mehlhausen, declara que no dia 4 de setembro do quinto ano da guerra, estando acompanhada da sua mãe, se encontrou em Landeshut com Arndt na plataforma da estação ferroviária e que ele, depois de as cumprimentar, disse que o bombardeamento da noite anterior fora o pior sofrido por Berlim (de onde acabava de chegar com algumas malas para guardar em Landeshut); e que era mau que todos tivéssemos de aguentar o que os outros tinham feito cair sobre nós. E ela respondeu: mas não somos culpados da guerra. E ele replicou, ao ouvi-la: naturalmente que somos culpados da guerra e há de acontecer que quem for culpado

terá de apresentar contas. A conversa prosseguiu em torno da situação da guerra. E Arndt disse que estávamos a retirar-nos de todas as frentes. A mãe da Sra. Mehlhausen argumentou que ele devia atender ao muito que havíamos entrado nas terras do inimigo; mas a isto, Arndt disse que isso só acontecera no início. E, por fim, disse ainda Arndt que, em Itália, Mussolini só durara três dias e que era isso que iria acontecer connosco. E que, em quatro semanas, era o que iria acontecer na nossa terra com o Partido.

A Sra. Mehlhausen retorquiu, então, que o fascismo e o nacional-socialismo eram coisas diferentes. E ele perguntou-lhe se ainda se lembrava de se terem encontrado em 1938. Nessa altura, Arndt dissera-lhe que o atentado de 1938 deixara claro que haveria uma nova guerra mundial. Mas também esta afirmação derrotista é negada por Arndt. E também aqui, essencialmente, disse que não se lembrava. A Sra. Mehlhausen sentiu-se muito magoada com estas afirmações e acabou por fazer o que é o dever das mulheres alemãs: foi ter com o seu chefe de círculo e, apesar de saber que prejudicava o seu amigo de infância, contou o que ocorrera.

Durante a audiência de julgamento, verificámos como lhe pesou no coração ter de incriminar Arndt. Não existe a menor dúvida de que não disse uma única palavra que não fosse verdadeira.

Dois outros compatriotas também ouviram Walter Arndt a expressar as suas conceções derrotistas, no quarto ano e no início do quinto ano da guerra. Arndt desculpa-se com a irritação que sentia. Pouco antes da sua conversa com o Dr. Stichel, dois museus alemães de ciências naturais foram alvo de ataques terroristas, imediatamente antes da conversa sobre a queda de Mussolini. Se a destruição dos dois museus o afetou de forma tão particular, ela deveria ter reforçado a sua determinação de lutar. E o momento da traição de Mussolini fora apenas uma hora em que a firmeza da atitude de todos os seus compatriotas, especialmente daqueles que eram guiados pela inteligência, e cuja responsabilidade é especialmente grande, teve de ser posta à prova. Fraquejar na hora da provação não pode ter como desculpa que não se está à altura da provação. E a comoção que Arndt invoca, como desculpa pelo que disse perante a Sra. Mehlhausen e a sua mãe, deveu-se ao facto de, durante o ataque terrorista da véspera, terem ocorrido muitos desmoronamentos de edifícios na proximidade da sua casa, o estuque caíra e os vidros das janelas partiram-se. Mas isso não é um motivo para falar como falou. Que deverão dizer todos os nossos valentes compatriotas que, numa dessas noites, poderão não ter perdido apenas a casa e os seus haveres, mas também algum familiar muito querido e muito próximo?

E como é que um homem com responsabilidades de dirigente se pode expressar como se expressou? Não, com Arndt, o Tribunal do Povo não pôde senão agir como já agiu com outros derrotistas (parágrafo 5.º do Regulamento Especial sobre Crimes em Tempo de Guerra) que, pelas costas, atacam o nosso povo combatente com palavras desencorajadoras de desmoralização e que ficaram para sempre desonrados. Teve de ser condenado à morte para que a certeza da vitória e, com ela, a força combativa da nossa pátria se mantenham intactas.

E porque Arndt é condenado, deve também pagar as custas do processo.

Dr. Freisler

Rehse

Acórdão n.º 8:

«Corroeu a força que nos conduzirá à vitória»

Em nome do povo alemão

No processo penal contra

o padre Josef Müller, de Großdüngen, do distrito de Marienburg/ /Hanôver, nascido em 19 de agosto de 1893, em Saalmünster (Schlüchtern)

nesta altura preso, à ordem deste processo

por desmoralização das forças militares,

na 1.ª Vara do Tribunal do Povo, com base na acusação do Procurador-Geral do Reich apresentada, em 11 de julho de 1944, e na audiência de julgamento, de 28 de julho de 1944, e em que participaram

como juízes

o presidente do Tribunal do Povo, Dr. Freisler, juiz-presidente,

Rehse, juiz do Tribunal Distrital de Berlim,

Ahmels, chefe do Serviço Central do Distrito,

Kaiser, vereador,

Bartens, chefe de secção,

e na qualidade de representante do procurador-geral do Reich:

Krebs, juiz de primeira instância,

foi considerado provado

que Josef Müller, sacerdote católico, relatou a dois compatriotas: um ferido que estava moribundo pediu, por estar a morrer, para lhe porem o retrato do nosso Führer à direita e o do marechal do Reich à esquerda, e disse: «Agora morro como Cristo.»

Com estes e outros comentários desmoralizadores, corroeu a força que nos conduzirá à vitória.

Fica, por isso, para sempre desonrado e é condenado

à morte.

Fundamentação:

O nosso compatriota mestre eletricista Hermann Niehoff, de

Großdüngen, de Hildesheim, descreveu-nos como testemunha o seguinte: No início do mês de agosto de 1943, foi fazer uns trabalhos em casa do novo pároco de Großdüngen, Josef Müller.

Manteve aí uma conversa sobre a guerra, tendo Müller descrito a situação do País como grave e dizendo que a guerra se podia facilmente perder; e que ele, como antigo soldado, lamentaria que as novas gerações de combatentes tivessem de voltar para casa como ele. Niehoff perguntou-lhe que consequências poderia ter a derrota, e Muller respondeu-lhe: dependendo de como a guerra terminaria, as barreiras alfandegárias cairiam! A resposta não tranquilizou Niehoff, que replicou que, se perdêssemos, o bolchevismo entraria no país. Muller contrapôs que o bolchevismo não chegaria e que até iria perder força. O que levou Niehoff a dizer o seguinte: mal ficariam os homens alemães que fossem levados para a Rússia para a reconstrução. E Muller retorquiu: «Nós já demos o exemplo!!!»

No seguimento da conversa, abordaram os acontecimentos ocorridos em Itália, tendo Müller dito que o fascismo era um fenómeno conjuntural e que acontecera o mesmo ao nacional-socialismo depois de a guerra ter sido perdida, que crescera graças ao desemprego e à inflação e que, por isso, muita gente tinha depositado nele as suas esperanças.

Pouco depois, disse Niehoff, Josef Müller foi visitar o pai doente. E Niehoff também foi, porque queria continuar a ouvir a opinião de Müller. Mas Müller mudou de assunto e voltou a falar da guerra. Nesta altura, Niehoff disse que queria contar uma piada: um camponês, depois de morrer, vai ter com São Pedro, que lhe dá a escolher entre ir para o Céu ou para o Inferno. Mas o camponês quis ver primeiro como era o Inferno e ficou a saber que havia um ambiente de alegria, com comida e bebida à disposição e também mulheres. Aqui chegado, Müller interrompeu-o: essa piada eu já conheço e vou contar-lhe outra. Um ferido está no seu leito de morte e deseja ver as pessoas por quem teve de morrer. Levam-lhe, por isso, as fotografias do Führer e do marechal do Reich, e põem-nas à direita e à esquerda dele. E o ferido proclamou: agora, morro como Cristo. Nessa altura, chamaram Niehoff ao telefone e, ao regressar, já Müller se havia ido embora.

É o próprio Müller quem descreve a segunda conversa com Niehoff, embora tivesse dito que não queria contar uma piada, mas uma parábola. Müller nega algumas partes importantes da primeira conversa. E assevera que o que disse foi: a situação era grave e ficaria triste se os jovens soldados tivessem de regressar à Pátria como os que haviam combatido na outra guerra mundial. Da queda das barreiras alfandegárias como consequência da guerra deve ter falado, tal como disse que o bolchevismo não chegaria e que perderia força. Mas garante que não disse que, perante a possibilidade de os Russos levarem homens alemães para reconstruírem o seu país, já havíamos dado o exemplo.

O que disse foi que, agora, na Alemanha, havia trabalhadores do Leste, o que significaria que os bolcheviques não queriam os nossos homens. E se se referiu ao fascismo, como foi dito, já quanto ao nacional-socialismo diz que se expressou de maneira completamente distinta, a saber: que, ideologicamente, não poderia ter uma opinião sobre o nacional-socialismo. E que lhe parecia que o verdadeiro fator de poder do atual Governo lhe parecia ser composto pela inflação, pelo desemprego e pela incapacidade dos outros!!! O que Müller contou, desta conversa, mostra o tipo de pessoa que é, mentalmente. Esta menorização do nacional-socialismo, que apenas, dissimuladamente, define como fenómeno conjuntural, é muito reveladora; tal como o comentário de que, no caso de uma derrota, o bolchevismo não chegaria e de que as barreiras alfandegárias cairiam, em resultado da guerra.

Não temos, porém, a menor dúvida de que, ao lado da versão dada por Müller, os factos ocorreram como Niehoff proclama. Foi preciso ver e ouvir esta testemunha para se poder ter a certeza de que, longe de alguma tentativa de querer enganar o acusado, Niehoff foi especialmente escrupuloso e cuidadoso em tudo o que disse e que é incriminado por Muller. O que acima é citado é dito com certeza. E não houve ninguém que o pressionasse a denunciar Müller e, quando se dirigiu ao seu chefe político, foi por uma necessidade interior que as palavras de Müller nele geraram e quando o seu chefe lhe prometeu que não contaria o ocorrido.

Portanto, o que Niehoff declara é verdade.

E mais grave do que o primeiro incidente é o segundo, em que Niehoff e Müller coincidem no essencial.

Niehoff compreendeu do seguinte modo a «piada» ou «parábola» de Müller: o soldado morre como Cristo porque morre entre dois criminosos. Esta é a interpretação natural. Müller, porém, explica que, com essa imagem, só quis expressar a ideia de sacrifício. Nada do resto lhe interessava. E o que disse foi dirigido ao pai e não à testemunha Niehoff.

Mas isso não é certo, porque:

1. Nesse caso, teria também de contar a «parábola» ao pai de Niehoff, o que não fez.

2. O soldado moribundo queria ver as fotografias daqueles por quem ia morrer. Segundo o que foi contado, as fotografias não foram postas ao lado do moribundo, mas sim nos dois lados dele, o que o impediu de as ver. O absurdo da localização das fotografias relativamente ao soldado moribundo deve, portanto, ter uma causa. E ela é, obviamente, o desejo de evocar a imagem lendária de Gólgota.

3. E, depois, o soldado moribundo disse: «Agora, morro como Cristo.» Os pormenores de imagem e de minúcia com que a «piada» ou a «parábola» foi contada seriam absolutamente supérfluos se ele só quisesse expressar a ideia de sacrifício por referência à morte de Cristo. A interpretação natural do sentido deste relato é, por conseguinte, a única possível. Nela, não se encontra sustentação para o que Müller agora conta.

4. A atitude de Müller durante o primeiro incidente deixa perceber que também é capaz de fazer afirmações hostis ao povo e ao Reich. E isso não contradiz necessariamente o facto de que, como se pôde comprovar, cumpriu de modo honesto e com distinção o seu dever na guerra mundial; nem de que uma derrota dos soldados combatentes seria de lamentar. E também não contradiz o facto de, sendo sacerdote, não poder recorrer ao que há de mais sagrado para efeitos de desmoralização política, como afirmou o seu defensor. Quem sabe se a desmoralização não será, para ele, um mandamento? De um ponto de vista ideológico (e é ver o primeiro incidente), ele já estaria desmoralizado relativamente ao nacional-socialismo.

E se, de acordo com o exposto, Müller recorreu à sua «piada» ou à sua «parábola», ou «comparação», num sentido natural, fê-lo com

a autoridade de um sacerdote para lançar um dos ataques mais vis e mais perigosos à confiança que temos no nosso Führer, um ataque que pode minar a disposição que temos de recorrer a todas as nossas forças para esta grande luta pela vida do nosso povo.

E ele não o fez uma só vez, fê-lo logo no primeiro incidente, apontou na mesma direção (parágrafo 5.º do Regulamento Especial sobre Crimes em Tempo de Guerra). E fê-lo num dos momentos mais difíceis das nossas Forças Armadas!

Um comportamento destes não constitui apenas um abuso irresponsável da sua autoridade de pároco, sendo algo mais: é traição ao povo, ao Führer e ao Reich. Esta traição desonra-o para sempre.

Um atentado desta natureza à nossa força moral durante a guerra — até para dissuadir semelhantes desejos de traição — só pode ser punido pela condenação à morte.

Porque se condena Müller, deve ser ele também a pagar as custas do processo.

Assinado: Dr. Freisler

Rehse

Acórdão n.º 9:

«A criada dos nossos inimigos»

Em nome do povo alemão

No processo penal contra

Emma Hölterhoff, esposa de um condutor de gruas, com o apelido de solteira de Maass, de Erkheim junto ao rio Memmingen, nascida em 28 de maio de 1904, em Homberg (Baixo Reno),

nesta altura em prisão preventiva à ordem deste processo,

por desmoralização das forças militares,

a vara especial do Tribunal do Povo, com base na audiência de julgamento de 8 de novembro de 1944 e em que participaram

como juízes

o presidente do Tribunal do Povo, Dr. Freisler, juiz-presidente,

Greulich, juiz do Tribunal do Povo,

Meissner, major-general da Polícia (na reserva),

Aumüller, major-general da SA,

Giese, chefe do Departamento Central do Reich

e na qualidade de representante do procurador-geral do Reich:

Dr. Weisbrod, procurador,

foi considerado provado

que a Sra. Emma Hölterhoff, no quarto ano da guerra, disse a soldados que na frente de batalha deviam largar as espingardas e fazerem-se de mortos.

Ousou, assim, desmoralizar as nossas Forças Armadas e transformou-se desta maneira numa criada sem honra dos nossos inimigos, sendo, por isso, condenada

à morte

Fundamentação:

A Sra. Emma Hölterhoff é uma mulher de quase quarenta anos, mãe de quatro filhos, cujo marido, segundo disse, se encontra fora há já quatro anos.

Durante um bombardeamento aéreo em Homberg, no Baixo Reno, onde reside, pôde salvar os seus bens, nomeadamente os móveis, a roupa e outros objetos, embora tivesse de deixar a região de Memmingen, porque a casa em que habitava ficou danificada e já não podia ser habitada. No mês de janeiro do quarto ano da guerra, estava sentada na divisão que serve de cozinha e de sala de refeições da casa da família Goll, com quem vivia desde a evacuação de Memmingen, a jogar parcheesi com a Sra. Goll. Na mesma divisão, encontrava-se também o filho da Sra. Goll, que deixara o Serviço de Trabalho do Reich, outros dois jovens e o granadeiro Arnold Häring, que aproveitava a sua primeira licença. A conversa acabou por ter a guerra como tema, e a Sra. Emma Hölterhoff disse, então, como o granadeiro Arnold Häring e Hans Goll testemunharam, em consonância, o seguinte: que eram estúpidos e que «eu atiraria para longe a espingarda e far-me-ia de morta». As duas testemunhas disseram nos seus depoimentos antes do julgamento que, além disso, ela insultou gravemente o nosso Führer e que, na exortação aos jovens, entre os quais se encontravam soldados, acrescentou a frase: «Se o meu marido fosse para a frente, seria isso exatamente que ele faria.»

As ofensas ao Führer e esta última frase são negadas pela Sra. Hölterhoff. Mas decerto que o terá feito porque, se não

fosse esse o caso, os dois compatriotas não o teriam dito. Mas não foi necessário para as nossas averiguações obrigá-los a fazer uma longa viagem para cá virem e sobrecarregarem com isso os caminhos de ferro, porque a própria Sra. Hölterhoff confessa o núcleo essencial das suas afirmações. E desse núcleo faz parte, também, a exortação aos soldados, e a quem o será em breve, a agir dessa maneira. Na conclusão da audiência de julgamento, a Sra. Hölterhoff também negou ter falado do seu marido, mas não continuou a negar que, até certo ponto e em jeito de exortação, se dirigiu aos soldados.

A senhora advogada de defesa achou importante salientar que a acusada é uma mulher algo primitiva. A questão de saber se alguém pode fazer algo assim não é, porém, uma questão de simplicidade ou de escolaridade ou de conhecimentos, mas sim de convicção e de lealdade. E isso nada tem que ver com conhecimentos ou primitividade.

Quem fala como falou a acusada, e uma só vez, perde toda a dignidade e torna-se, para sempre e de honra perdida, a criada dos nossos inimigos, que estão sempre à espera de palavras como essas, que provoquem entre nós uma desmoralização na frente de batalha e na Pátria, para que se repitam os anos de 1917 e de 1918!!! Mas quem, com tais afirmações, se converte num agente desmoralizador (parágrafo 5.º do Regulamento Especial sobre Crimes em Tempo de Guerra) ao serviço dos nossos inimigos de guerra (parágrafo 91.º B do Código Penal), tem de ser afastado do nosso seio. Porque o seu comportamento representa um perigo enorme para o nosso povo em luta e, além disso, para a nossa vitória e também para a nossa vida e para a nossa liberdade. Num caso destes, uma vez que o ato está plenamente provado e de uma maneira irrecusável, no momento de avaliar a pena que convém avaliar, há que ter em conta a necessidade de proteger a Alemanha. E essa necessidade exige — para que não se repita o que ocorreu na Primeira Guerra Mundial — a pena de morte.

E se se condena à morte a Sra. Emma Hölterhoff, deverá ser ela, também, a pagar as custas do processo.

Assinado: Dr. Freise

Dr. Greulich

Como a necessidade de proteger a Alemanha não tolerava dilações, Thierack, o ministro da Justiça do Reich, ordenou dezasseis dias depois do julgamento que fosse executada a sentença. E pediu que não tivesse repercussão pública na imprensa ou por meio de algum comunicado: uma mulher simples do povo, mãe por quatro vezes… bom, era melhor que não tivesse visibilidade pública. Thierack aprovou a condenação de Freisler, porque, na sua opinião, tempos duros exigiam penas duras. Portanto, como fator eficaz de medo de potenciais agentes desmoralizadores, o caso não era apropriado. No fim, a mulher ainda podia ser objeto de simpatia e de compaixão.

Sendo assim, a execução deveria desenrolar-se em privado. O representante da Procuradoria-Geral do Reich deu disso conhecimento à advogada de defesa, a Dra. Ilse Schmelzeisen-Servaes. Foi esta mesma advogada complacente que, apenas nove dias depois, voltou a ser cúmplice do Tribunal do Povo no processo contra a jovem Margot von Schade — cujo destino foi abordado no início deste livro.

Numa nota dirigida ao procurador do Tribunal do Povo, em 5 de dezembro, a advogada confirmou ter recebido a notificação relativa à «execução da pena imposta à Sra. Hölterhoff. A advogada não viu motivos para ter pressa. Era tudo rotina para um causídico alemão.

Em 8 de dezembro de 1944, o procurador anunciou finalmente a aplicação da pena e a respetiva execução:

Às 11h34, foi levada a condenada de mãos presas atrás das costas, acompanhada com dois guardas prisionais. O carrasco Röttger, de Berlim, já estava a postos, com os seus três ajudantes.

Esteve também presente o Dr. Schmidt, médico prisional.

Depois de comprovar que a identidade da ré coincidia com a da sentenciada, o coordenador do processo de execução indicou ao carrasco que devia iniciar o procedimento. A condenada, que se mostrou tranquila e resignada, deixou que lhe dobrassem os joelhos e lhe pusessem a cabeça no cepo, que o carrasco decapitou com a guilhotina, comunicando em seguida que a sentença fora aplicada. A execução durou oito segundos, do início ao anúncio da sua concretização.

Acórdão n.º 10:

«Causa comum com os traidores de 20 de julho»

Em nome do povo alemão

No processo penal contra

A Sra. Ehrengard Frank-Schultz, de apelido de solteira Besser, de Wilmersdorf, em Berlim, nascida em 23 de março de 1885, em Magdeburgo,

nesta altura em prisão preventiva à ordem deste processo,

por desmoralização das forças militares,

na 1.ª Vara do Tribunal do Povo, com base na acusação do procurador-geral do Reich, apresentada em 2 de novembro de 1944, e na audiência de julgamento, de 6 de novembro de 1944, e em que participaram

como juízes

o presidente do Tribunal do Povo, Dr. Freisler, juiz-presidente,

Stier, diretor do Tribunal Distrital,

Tscharmann, major-general da SS e brigadeiro da Waffen-SS,

Hauer, major-general da SA,

Kaiser, vereador,

e na qualidade de representante do procurador-geral do Reich:

Jaager, procurador principal,

foi considerado provado

que a Sra. Frank-Schultz teve a audácia de afirmar que alguns anos de domínio anglo-saxónico seriam melhores do que «o atual regime de violência».

Consequentemente, fez, assim, causa comum com os traidores de 20 de julho.

Com isso, ficou para sempre desonrada.

E é condenada

à morte

Fundamentação:

A compatriota Erika Roeder, enfermeira auxiliar, declarou perante este tribunal e anteriormente à Polícia que, no hospital militar onde trabalha, deu entrada por doença o primeiro-tenente Wendelstein, por intermédio de quem veio a conhecer a sua senhoria, a Sra. Ehrengard Frank-Schultz, que também visitou depois de o primeiro-tenente Wendelstein ter tido alta.

Em 21 de julho, por telefone, quis saber junto da Sra. Frank-Schultz do estado de saúde de Wendelstein. A Sra. Frank-Schultz pediu-lhe, então, que fosse a sua casa e contou-lhe que, no dia anterior, tinham prendido o primeiro-tenente Wendelstein, que estivera destacado no Alto Comando da Wehrmacht.

A partir dessa data, visitou várias vezes a Sra. Frank-Schultz, talvez uma vez por semana, para saber alguma coisa do que acontecera a Wendelstein. Na vez seguinte, comentou que teria sido horrível se o atentado tivesse sido bem-sucedido; ao que a Sra. Frank retorquiu: «Mas horrível porquê?! Foi uma desgraça não ter corrido bem. Se Stauffenberg tivesse posto a pasta onde devia, a explosão teria provocado todos os seus efeitos! Não percebo como é que se pode ser tão desastrado. Se não se consegue fazer as coisas como devem ser feitas, o melhor será nem se mexerem!»

Uma semana mais tarde, a Sra. Frank-Schultz voltou a lamentar que o atentado não tivesse tido êxito e que os oficiais iam ser desgraduados e levados para campos de trabalho. E acrescentou: «Não há que ter pena deles. Sentir-se-ão orgulhosos por terem colaborado.» Na visita seguinte, a enfermeira Erika Roeder perguntou-lhe o que é que tinham esperado conseguir com o atentado. E a Sra. Frank-Schultz respondeu: «Já teríamos tido alguns dias de paz. E nenhuns bombardeamentos. Seriam melhores alguns anos sob a soberania anglo-americana do que neste regime de violência.»

E, depois, disse também que haveria um novo atentado até uma dada data de setembro e que esse já daria resultado.

A compatriota Roeder contou-nos isto tudo com uma determinação tão tranquila e com uma contenção tal, que não nos foi possível ter dúvidas quanto à exatidão do que disse, apesar de a Sra. Frank-Schultz não o ter confirmado. Esclareceu, nomeadamente, que, com a expressão «sentir-se-ão orgulhosos», queria dizer outra coisa, que Wendelstein poderia sentir-se orgulhoso se, sendo inocente, fosse levado para um campo de trabalho. Só que isto, no âmbito do conteúdo, não tem lógica e não se adequa à sua atitude anterior, demonstrada nas restantes afirmações. Por isso, não temos dúvidas de que, também nesse aspeto, a compatriota Erika Roeder tem razão.

A Sra. Frank-Schultz, em jeito de desculpa, disse que era doente do fígado. Mas uma doença no fígado não conduz a pensamentos tão baixos e tão ordinários e à sua expressão.

A Sra. Frank-Schultz disse também que o primeiro-tenente Wendelstein, que conhecia desde que ele tinha 18 anos, lhe era muito querido. Sentira-se, em certa medida, como se fosse sua mãe. E era, por isso, que a detenção dele a preocupava. Mas mesmo que, pelo facto de o seu filho estar preso no Sudoeste africano, tivesse tais sentimentos relativamente ao primeiro-tenente Wendelstein, isso não seria motivo para um comportamento tão traiçoeiro. Muitas centenas de milhares de mães alemãs vivem com frequência durante meses numa grande incerteza quanto ao destino dos seus filhos, que até podem ser os últimos que lhes restam; e a nenhuma lhe ocorre a ideia de transformar as suas preocupações em atos de traição tão vis.

Finalmente, a Sra. Frank-Schultz disse que o seu bisavô era Schleiermacher e que isso lhe dera uma perspetiva religiosa. Só que, em primeiro lugar, a atitude religiosa não conduz a uma tal traição e, de algum modo, nem a desculpa. Em segundo lugar, Schleiermacher, que até foi um dos heróis das guerras de independência contra Napoleão, haveria de dar voltas no seu túmulo se soubesse que a sua bisneta era uma tão grande traidora e que até tinha o desplante de invocar o seu nome.

Na realidade, foram duas as razões que levaram a Sra. Frank-Schultz a cometer tal traição:

1. A fraqueza, que a fez adotar uma atitude derrotista. Mas a fraqueza não é uma desculpa, porque todos nós devemos ser fortes.

2. A sua atitude completamente reacionária que a fez dar voz a tais afirmações. Ela, como a compatriota enfermeira Roeder nos contou de maneira credível, também disse que era horrível que um homem de tão simples condição como o Reichsführer da SS tivesse chegado a comandante-chefe da reserva!!!

A Sra. Frank-Schultz fez causa comum com os traidores de 20 de julho. Com esse atentado, foi desferido um golpe no ânimo guerreiro do nosso povo, chegando ela a revelar o seu desejo de que se realizasse um novo atentado e a afirmar que «seriam

melhores alguns anos sob a soberania anglo-americana do que neste regime de violência».

Quem assim age é a vergonha personificada. É alguém que, pela traição ao nosso povo e pela cumplicidade com os inimigos de guerra, se desonra para sempre (parágrafo 5.º do Regulamento Especial sobre Crimes em Tempo de Guerra e parágrafo 91.º B do Código Penal). Quem assim age deve desaparecer do meio de nós. Se aqui fosse decretada uma sentença diferente da pena de morte, perguntar-se-iam os nossos soldados, cheios de dúvidas, e com razão, se a purulência de 20 de julho foi extirpada completamente, para que, sãos e fortes, possamos conduzir a luta até à vitória.

Como a Sra. Frank-Schultz foi condenada, deverá também pagar as custas do processo.

Assinado: Dr. Freisler

Stier

A sentença foi executada em 8 de dezembro de 1944. Em 23 de novembro, a irmã da condenada dirigiu um pedido ao procurador do Reich, no Tribunal do Povo:

No caso de ser, sem misericórdia, executada a sentença proferida contra a minha irmã, Sra. Frank-Schultz, Besser de solteira, solicito que me sejam entregues os seus restos mortais numa urna para os poder enterrar no cemitério em que descansam o seu marido e a sua filha.

Seria muito doloroso para o único filho da minha irmã, estabelecido há vários anos como agricultor no Sudoeste africano alemão e preso desde o início da guerra, regressar à Pátria sem poder ver sequer o túmulo da sua mãe.

Por esse motivo, lhe peço que aceite o meu pedido.

Mas o procurador Jaager, em representação do seu superior, respondeu de forma concisa:

A entrega dos restos mortais é negada.