SECRETÁRIO DE ESTADO E PUBLICISTA
O secretário de Estado Roland Freisler era visto, no Ministério da Justiça da Prússia, como um homem extraordinariamente capaz e trabalhador. O seu superior, e ministro da Justiça, Kerrl, apreciava não apenas o imaculado sentido nacionalista de Freisler, mas, especialmente, o facto de o secretário de Estado ter tido um sentido especial para reconhecer, antecipadamente, os sinais do tempo. Por isso, na altura de reformar o Direito penal, encarregou-o da sua redação. Já tinha havido diversas tentativas de reformar o código penal, que datava de 1870, porém, só restaram alguns fragmentos. Agora, depois da tomada do poder pelos nacional-socialistas e no início de uma nova Alemanha, tornava-se necessário fixar os princípios do Estado nazi no código penal.
Em setembro de 1933, o Ministério da Justiça da Prússia apresentou um memorando intitulado «O Direito penal nacional-socialista», em cuja redação participou Freisler, e que serviu para Kerrl tentar, com o apoio do seu secretário de Estado, abrir o debate sobre algumas bases do que seria um Direito penal nacional-socialista, antecipando-se ao que já sabia: tanto no Ministério da Justiça do Reich, dirigido por Gürtner, como na Academia do Direito Alemão, recém-fundada em Munique por Hans Frank, os especialistas em Direito já trabalhavam na fundamentação de um novo código. Nesta corrida por novos preceitos jurídicos, não interessava apenas a Kerrl demonstrar a sua constância política, mas também a sua reputação. Freisler tinha ambições semelhantes e isso uniu-os.
O apoio maioritário da magistratura era um dado adquirido para as três comissões de reforma do Código Penal. Mais recentemente, diversos juristas de destaque haviam começado a exigir, crescentemente, uma reforma da justiça, porque, como afirmou em nome de muitos, o juiz-presidente do Tribunal Superior Distrital de Hamburgo, Rothenberger, «era necessário acabar com a desconfiança do Partido relativamente à justiça, criando uma jurisprudência nacional-socialista e evitando os ataques injustificados contra a justiça por intermédio de uma administração ordenada da justiça».
No seu memorando, Freisler defendeu a opinião de que o Estado totalitário só deveria estar ao serviço da «comunidade do povo», diferenciando-se da alternativa liberal, que só servia o indivíduo.
«O indivíduo não pode ser o ponto central das preocupações da justiça, mas sim o povo», já o dissera Hitler no seu discurso de 23 de março de 1993, e esta afirmação tornou-se também uma máxima para Freisler, para quem as principais funções do Direito penal eram «a aniquilação das forças que ameaçam a paz» e a «expiação das iniquidades puníveis». Para Freisler, era importante estabilizar o novo sistema, reforçar a segurança externa e preservar a segurança interna. O propósito mais importante de uma sentença era, para ele, «a proteção da comunidade do povo contra os elementos que não se submetem à lei».
As notas que preparou terminavam com a proposta de que todos os delinquentes fossem considerados inimigos do Estado, independentemente da natureza, criminal ou política, da infração. O Estado travava uma batalha contra a criminalidade, contra os «untermenschen», os «sub-humanos». Não havia nada de que a justiça não se devesse ocupar, na opinião de Freisler, que propôs novas figuras penais como «proteção da raça e do carácter nacional» ou «violação da teoria racial». O seu propósito era alargar o âmbito do Direito penal, nele integrando os princípios do nacional-socialismo.
O delito mais grave era a traição, aspeto que — em Freisler, como em muitos alemães — estava marcado pela derrota de 1918.
O seu vocabulário era o da luta e da guerra. A tese de Carl Schmitt sobre o Estado total, especialmente no que se referia ao conceito de «amigo/inimigo» era o ponto de partida das suas considerações. Freisler recusava uma diferenciação dos «criminosos». Um criminoso era sempre um criminoso e, por isso, no limite, era também um inimigo do Estado. O Direito penal era, na sua opinião, o que permitia lutar contra todos esses inimigos do Estado. Todas as armas disponíveis deviam ser aplicadas, e com força máxima, contra os criminosos. Nem se tratava de condenar esses criminosos e inimigos do Estado, mas de os eliminar.
O memorando de Freisler — de que foram distribuídos quinze mil exemplares a juristas de toda a Alemanha — não procurava «tomar decisões sobre a antiga e vasta polémica teórica e académica no âmbito da ciência do Direito penal», todavia, «descendo às profundezas do pensamento nacional-socialista, erguer-se às alturas onde se decidia a tarefa dada pelo povo à justiça criminal posta em prática pelo seu Estado e, desse modo, criar os fundamentos de um Direito penal ainda por criar», como escreveu Freisler num artigo publicado na revista Deutsche Justiz, num tom pomposo e com o título «Direito penal nacional-socialista e crítica construtiva». Nesse texto, abordou também a crítica de um professor de Jena sobre o seu memorando, feita a convite da revista. A palavra a Freisler:
O memorando sobre o Direito penal não só tolera a crítica como a estimula e exige. Mas não responde a uma crítica meticulosa que, talvez com meios anatómicos, disseca o conjunto e tenta demonstrar que, em tal ou tal ponto, haverá algo que não é consistente ou que pode ser mesmo irregular nas teses formuladas. E não responde a uma crítica dessa natureza porque ela é insuficiente e, por isso, irrelevante.
Mas já exige uma crítica quando está claramente inspirada pela disponibilidade para trabalhar. E também exige uma crítica que possa ser basicamente negativa, porque o Direito penal nacional-socialista é bastante forte para suportar esse tipo de crítica.
O senhor professor doutor Garland, da Universidade de Jena, é conhecido, há vários anos, por ser um penalista que muito justamente não é nacional-socialista. Foi a ele que esta revista se dirigiu, com o pedido de que fizesse um comentário ao memorando do ministro da Justiça da Prússia […]
O senhor professor doutor Garland rejeita, para começar por algo aparentemente externo, a estrutura formal do escrito, que se dedica a uma parte especial, com uma justificação dialética e lógica de que não pode trabalhar com conceitos que aparecem depois. Rejeita, por exemplo, o princípio da proteção dos alemães nacionais por considerá-lo demasiado limitativo, já que há cidadãos não alemães que vivem no regime pacífico da Alemanha. Também considera de alcance excessivo a simplificação dos crimes, ainda que o memorando, ao recorrer a conceitos como «sentimento público saudável», esteja a utilizar formulações relativas. É da opinião de que a transferência para o Direito penal de atos que constituem uma ameaça representa um endurecimento que põe a praxis do Direito perante uma tarefa difícil, sobretudo quando se castigam com a mesma pena a consumação, a tentativa e os atos preparatórios. E receia de que a aprovação de legislação análoga dê lugar a uma prática jurídica distinta. Acredita, também, que o Direito Penal volitivo não corresponde à convicção popular, censurando o memorando, quando admite, e com razão, que a convicção do povo é uma fonte jurídica e, por outro lado, quando quer a educação do povo. E afirma que um poder discricionário do juiz, ao ser demasiado grande a ponto de o poder levar a assumir o papel de legislador em casos muito sensíveis, dispersa a responsabilidade entre a lei e o tribunal.
É um manancial de críticas, portanto!…
As notas críticas do professor de Jena, que ocupam várias páginas e que Freisler, no seu artigo, qualifica com benevolência de «crítica construtiva», estavam mais ao serviço da sua vaidade. Com o debate público, Freisler esperava ganhar o prestígio de ser coautor de um novo Direito penal nacional-socialista e o reconhecimento do seu trabalho nos círculos jurídicos. Não lhe interessava, em nada, que fizessem correções significativas aos seus pontos de vista. Na edição de abril da Deutsche Justiz, voltou à carga com uma réplica exaustiva e defendeu ponto por ponto o memorando, desmontando as afirmações do professor Gerland. E já no fim, não lhe foi difícil dedicar umas palavras elogiosas ao seu crítico, com uma referência direta a Hitler:
O Führer tem assinalado várias vezes o valor da crítica construtiva, se ela for feita com o intuito de cooperar. Satisfaz-me poder dizer, no fim destas linhas, que os comentários do professor Gerland ao memorando preparado pelo ministro da Justiça da Prússia são uma dessas críticas construtivas e que foram feitas com a intenção de cooperar, mesmo nos pontos em que o memorando é analisado e rejeitado. Que todas as forças do nacional-socialismo que trabalham juntas pela renovação do Direito se sintam interiormente estimuladas e contribuam com a sua crítica construtiva para que o novo Direito alemão, que está a abrir caminho, consiga estar à altura da tarefa que lhe corresponde ao organismo claro do povo.
E depois, dirigindo-se aos seus leitores:
O trabalho continua sem descanso, em que a mudança interior alcançada pela revolução do Direito exige uma forma exterior. Os trabalhos da Comissão do Direito Penal do Ministério da Justiça do Reich e da Comissão de Direito Penal da Academia Alemã do Direito estão muito avançados. O iniciado e o colaborador já podem ter uma ideia de como será o futuro Direito penal alemão.
Depois da publicação do memorando, Freisler concentrou-se numa série de dissertações que foi pronunciando numa digressão que fez e, principalmente, no seu trabalho de secretário de Estado, promovendo as suas ideias reformadoras. Foram iniciativas que, no início, não lhe trouxeram o grande êxito que esperava, mas a Lei contra os Criminosos Reincidentes, que entrou em vigor em 24 de novembro de 1933, foi um passo dado nessa direção, que Freisler considerava necessária. No ano seguinte, em 24 de abril, uma nova lei endureceu a moldura penal para os casos de alta traição e de traição à Pátria (chegando a incluir a pena de morte) e aí já encaixando perfeitamente a conceção de Freisler do Direito penal.
Freisler queria uma justiça que ditasse sentenças duras e rápidas, especialmente quando se julgavam «criminosos políticos» que, na sua opinião, eram os piores traidores e inimigos do Estado. Num artigo da revista da Academia para o Direito Alemão, apresentou as suas ideias a esse respeito: «A acusação deve apresentar-se dentro das vinte e quatro horas seguintes […] transcorridas mais de vinte e quatro horas, deve o criminoso conhecer imediatamente a sua punição […] Há que pôr fim à época em que eram norma as circunstâncias atenuantes.»
O pensamento jurídico totalitário de Freisler podia considerar-se superficial, apesar de parecer especialmente fanático e rigoroso. No entanto, não sendo o único a defender estes preceitos, era quem compreendia, mais do que outros (e nisso o secretário de Estado diferenciava-se da maioria dos seus colegas), a maneira de interligar a ideologia nacional-socialista e a justiça nacional-socialista.
Depois da dissolução do Ministério da Justiça prussiano, com a «verreichlichung» (imperialização) unificadora da justiça, Freisler foi empossado secretário de Estado do Ministério da Justiça do Reich, em 1 de abril de 1934. Neste cargo, com o Dr. Schlegelberger, também secretário de Estado e bastante mais velho do que ele, agiu como garante absoluto de uma ideologia nacional-socialista. A Freisler coube dirigir um departamento para uma área do Direito em que o Partido se mostrava especialmente interessado: o Direito penal. E foi aí que se impôs a organização do sistema judicial e o grande desafio de Freisler: o Tribunal do Povo.
O lugar que o Tribunal do Povo ocupou nas reflexões de Freisler está documentado num artigo de 1935 da revista da Academia Alemã de Direito. Com o título «O Tribunal do Povo», Freisler centrou-se no que mais lhe interessava e que era a conversão desse órgão num tribunal penal do Reich. No Tribunal do Povo, via «o ponto focal de um tribunal penal geral alemão», cujo significado, sempre segundo Freisler, só podia ser apreciado e valorizado se fossem consideradas a situação da justiça criminal no presente momento e no futuro.
Defendendo um Tribunal do Povo dedicado quase só à aplicação da justiça penal, Freisler pode ter já alimentado a esperança de ser nomeado presidente desse tribunal, enquanto defendia a sua equivalência ao tribunal civil do Reich. «Seria o guardião da unicidade do Direito, um combatente em prol do desenvolvimento do Direito e o protetor da segurança do Direito, tudo em simultâneo», segundo escreveu no seu artigo. Queria que o Tribunal do Povo fosse uma instituição jurídica que tudo abarcasse. Fascinava-o a ideia de «confirmar a existência de um tribunal tão próximo do povo como o Tribunal do Povo, para assim valorizar o desenvolvimento de um tribunal penal popular e apenas alemão, firmemente ligado ao povo».
De uma forma ainda mais intensa do que antes, quando estivera na dependência de Kerrl como ministro da Justiça, Freisler lançou-se também a uma atividade tão enérgica, que chegou a ser considerado, entre os seus colegas, a personalidade mais importante do Ministério. Andava por todo o lado, escrevia e falava de tudo. Com numerosos textos publicados e inúmeras conferências na sua agenda, passou a ser visto como «o frenético Roland», como era designado, e nem sempre com benevolência, pelos seus camaradas do NSDAP.
Nesses dias, também se foi tornando cada vez mais visível a sua devoção quase sem limites pelo Führer e os seus louvores fanáticos ao nacional-socialismo. Já antes demonstrara como podia ser rigoroso relativamente às pessoas de quem suspeitava que viessem a trair o povo, o Governo ou o Partido.
Depois da execução, sangrenta e à margem do Direito e da lei, dos golpistas pró-Röhm e de diversos opositores ao regime, em 30 de junho de 1934, Freisler publicou na Deutsche Justiz um artigo em que defendia a legalidade dessa ostensiva violação da lei e apoiava a «ação do Führer» com palavras pomposas:
Caiu com força uma tempestade purificadora sobre as terras alemãs e com ela desapareceram a atmosfera sufocante e a pressão que pesavam sobre nós. O ar está agora mais fresco, puro e límpido, e as pessoas já se dedicam ao seu trabalho mais animadas e felizes e com uma força multiplicada. A tempestade rebentou de forma fulminante e as tarefas de limpeza foram lançadas com a precisão de uma máquina. Para o Führer, as noites foram longas e cheias de angústia e de preocupação, foram semanas inteiras passadas com a convicção de que não seria possível tal traição, semanas em que a frivolidade e a falta de carácter dos próprios traidores se foram acumulando até a balança se desequilibrar em seu desfavor e o Führer ter a certeza dorida de que o impossível se tornara realidade. Traição! E depois foi feita justiça: uma decisão como nunca antes acontecera, mas justa e necessária como ainda não acontecera no mundo, cujo veredicto brotou diretamente da fonte clara e profunda do nosso Direito consuetudinário alemão: uma decisão que, por isso, aplicou o Direito no seu sentido mais elevado.
Serão estas frases típicas de um fanático doentio? O secretário de Estado que com este artigo enaltecia os atos assassinos do nacional-socialismo, ao estilo alemão clássico, viria a estar alguns anos depois na posição central em que, «com a precisão de uma máquina», poderia «expurgar os traidores». Mas esse momento ainda não chegara.
Freisler só estava a dar voz ao que pensavam milhares de homens de leis. Quando, em 13 de dezembro de 1934, se pôde ler no Reichsgesetzblatt, o boletim jurídico do Reich, que a decisão sobre as questões legais do «processo Röhm» fora retirada da alçada dos tribunais, não houve, mais uma vez, alguém que protestasse.
No caso do «golpe de Röhm», Freisler não se destacou apenas como publicista mas também como advogado, que fora a sua antiga profissão. Eis o pano de fundo: em dezembro de 1934, Hitler, na sua qualidade de chefe do NSDAP, moveu um processo contra o Kasseler Volksblatt. Estava em causa a chamada «carta de Röhm», que o jornal reproduzira, afirmando que Hitler sabia da homossexualidade do chefe da SA e que a tolerara, o que mais tarde se verificou corresponder à verdade. No processo civil, o Kasseler Volksblatt acabou por ser condenado a enegrecer todas as passagens nos exemplares que sobravam da sua edição que se referiam ao que era interpretado como sendo do conhecimento de Hitler. Foi a falta de provas que fundamentou a decisão. O êxito do processo — que ainda teve como consequência o posterior encerramento do jornal, devido aos diversos ataques feitos pela chefia local dos nacional-socialistas — foi também atribuído ao advogado que representou Hitler no tribunal de Kassel: o Dr. Roland Freisler. A sentença obtida não foi apenas uma vitória no seu antigo local de trabalho, de que Freisler se podia vangloriar, mas também um elemento útil para a futura carreira do ambicioso e obsessivo secretário de Estado.
Mas este homem ambicioso de poder não era, para todos, um monstro. Freisler era, inquestionavelmente, um secretário de Estado competente, um jurista com um intelecto invulgarmente apurado e capaz de abordar, de maneira clara e sóbria, circunstâncias complexas, só se tornando um inquisidor impiedoso quando era necessário defender «as grandes e sagradas conquistas nacional-socialistas».
Era também visto como sendo detentor de uma personalidade emocional muito forte cuja disposição era dominada por cada momento. Caía muitas vezes num comportamento intransigente e fanático relativamente ao nacional-socialismo. Era um homem que podia dominar e aterrorizar os outros, se se opusessem às suas afirmações e aos seus pensamentos.
Estava na situação de poder aproveitar cada circunstância para seu interesse próprio, o que o fazia inescrutável e até perigoso. E estas suas particularidades não eram entraves à sua ascensão na justiça dos nazis. Pelo contrário.
Um homem como Freisler aparecia sempre quando se tratava de questões jurídicas que tivessem a política como pano de fundo. A enorme capacidade de trabalho e a sua flexibilidade confundiam os colegas, mas às vezes suscitavam admiração. Era tido como uma autoridade e apreciavam-lhe a capacidade e a lealdade, no entanto, não era especialmente querido no Ministério, no Partido ou na magistratura.
Freisler, no entanto, dispensava as pessoas de gostarem dele. Via-se como competitivo e individualista, um lutador solitário por um grandioso objetivo comum. E, segundo ele, já dava um importante contributo à reformulação da jurisprudência nacional-socialista, sempre movido pelo seu pronunciado instinto de poder.
Na realidade, Freisler interessara-se sempre pela abrangência sistemática de uma legislação nacional-socialista inflexível, não apenas como autor de inúmeros artigos em publicações especializadas — como foi o caso do citado memorando —, mas também como coautor do relatório em dois volumes sobre o trabalho da comissão governamental de Direito penal, publicado em 1935 pelo ministro da Justiça do Reich, Gürtner, com o título O Futuro Direito Penal Alemão. O relatório tornou-se, de repente, a «obra-prima» de Freisler. Com zelo ilimitado e cálculos claros, mesmo depois da publicação destes três volumes, tentou tudo, em conversas privadas, em palestras e em textos escritos. Mas acima de tudo com uma grande quantidade de medidas legislativas, na sua função de secretário de Estado, conseguiu que as suas conceções do Direito tivessem um alcance prático.
Era, portanto, um homem sempre ocupado, incansável e multifacetado. O seu intenso trabalho de escrita não se deve atribuir apenas à necessidade de ser reconhecido no domínio teórico do Direito. Se Freisler escrevia tanto, era por acreditar que, desse modo, poderia fortalecer a sua influência jurídica e política. Houve três fatores que determinaram especialmente o pensamento de Freisler, sem os quais será impossível avaliar a futura carreira e a história e a prática do Tribunal do Povo — organismo cuja criação defendeu com tanta veemência.
*
Em primeiro lugar: O papel da traição. Freisler partilhava da convicção de muitos alemães, que talvez fossem a maioria, de que o império alemão (o Reich) perdera a Primeira Guerra Mundial apenas devido ao ato de traição cometido na retaguarda. Foi o que ficou conhecido como «a punhalada nas costas», em que acreditava sem limites. Com esta formulação, a de que foi apenas um ato de traição pelas costas que impediu o triunfo do que seria um exército alemão vitorioso, os Alemães já conseguiram reagir positivamente ao choque da derrota e às «condições humilhantes» impostas pelo Tratado de Versalhes. Em 18 de novembro de 1919, perante o Reichstag, Hindenburg tentou explicar a derrota desta maneira:
Apesar das enormes exigências feitas às forças militares e aos seus chefes, apesar da superioridade numérica do inimigo, poderíamos ter terminado com um resultado favorável uma luta tão desigual se tivéssemos contado com a ação decidida e unida das Forças Armadas e da Pátria. Vimos neles o meio necessário para a vitória dos Alemães […] Mas o que foi que aconteceu?
Enquanto no lado inimigo, apesar da sua superioridade em elementos vivos e mortos, todos os partidos e todas as camadas da sociedade se uniram com firmeza em torno da vontade de vencer […] entre nós, que ainda mais precisávamos dessa unidade, foram-se impondo os interesses partidários e as circunstâncias conduziram muito rapidamente à divisão e ao afrouxamento da vontade de vencer […] e foi desse modo que chegou a derrota.
Uma «punhalada nas costas» dessa natureza não podia repetir-se, segundo pensavam os nacional-socialistas e, com eles, a maioria dos alemães. A traição e a alta traição — como os nacional-socialistas já haviam feito saber antes da conquista do poder — deviam ser punidas com mais dureza. Freisler aprovou inteiramente esta exigência.
Na sua opinião, o maior perigo para o Estado e para o Governo provinha da alta traição, da traição à Pátria.
Já aqui se esboçava o cargo que Freisler viria a adotar no Tribunal do Povo, onde agiria com fanatismo radical contra inúmeros acusados.
*
Em segundo lugar: Uma traição, para os nacional-socialistas, não era, de modo nenhum, um crime ideológico praticado contra um indivíduo, mas sim contra a «comunidade do povo». O sistema nacional-socialista considerava-se a mais elevada forma de expressão do povo. Estava determinado a não deixar que acontecesse alguma situação em que uma parte dessa comunidade se voltasse contra a outra. Já não havia «classes» sociais, mas apenas um povo único. Quem infringisse as leis do Estado, punha-se fora da comunidade do povo. E convertia-se em inimigo do povo.
Com a sua mundivisão nacionalista, Freisler via no Direito e na justiça unicamente instrumentos de manutenção da ordem interna e externa para proteção do povo, a quem deviam servir com a máxima dureza.
*
Em terceiro lugar: o «Führerprinzip» ou «princípio do líder», na perspetiva de Freisler. Já em Mein Kampf, Hitler definira o papel do líder (o Führer), cujo poder devia nascer da comunidade mais pequena e alargar-se à chefia do Reich. Era um poder que não estava sujeito a nenhuma limitação, um poder absoluto. A sua consequência era a obrigação de acatar e cumprir as ordens do Führer e a sua vontade passava a ser a medida de todos os seus atos. A ordem, dada de cima e aplicada por uma rede de instituições e de autoridades, convertia-se, assim, no instrumento decisivo do Estado nacional-socialista.
Na revista Deutsche Verwaltungsblätter esclarecia-se em 1937:
A autoridade do Führer não é uma competência. Não é o Führer que faz o cargo. O Führer modela o cargo segundo a sua missão […]
A autoridade do Führer não conhece um vazo de competência.
A autoridade do Führer está acima de todas as competências. A autoridade do Führer é total.
Este princípio também devia aplicar-se na sala de audiências, na qual o juiz, e unicamente o juiz, seria o líder (führer) que presidia. O seu desempenho era mais importante do que o procedimento. Segundo Freisler, os restantes juízes, procuradores, oficiais de justiça e advogados deviam dar a precedência ao juiz-presidente mesmo perante o Direito.
Poucos anos depois, o princípio do Führer foi levado à prática, especialmente no Tribunal do Povo, porque em nenhum outro órgão se insistiu tanto no princípio do juiz como führer. Num Estado em que o princípio do Führer tinha validade absoluta, a lealdade sem limites era uma consequência lógica. Quem, na comunidade do povo, se afirmasse contra Hitler e a comunidade do povo cometia uma quebra de fidelidade, o que, por sua vez, era traição.
A Freisler não interessavam os motivos. A simples vontade de cometer um ato de traição era tão perigosa como o próprio delito. Era necessário castigar as duas coisas com a mesma dureza, e era o que defendia com especial zelo. Quem comete um ato criminoso, mesmo com o pretexto de querer melhorar o Reich, é um traidor como todos os restantes traidores, defendia Freisler. Não havia diferenças. Só o Führer, Adolfo Hitler, determinava a forma do Reich.
Freisler fez, por várias vezes, uma lista enorme de atos de delinquência que, até então, o Código Penal não contemplara e que, a partir de 1938, alargou a figura penal apenas por meio da interpretação mais ampla do conceito de traição. Uma pequeníssima crítica dirigida ao Governo já podia ser considerada um crime. Só isto é que podia garantir que o Direito voltasse a ser a encarnação de uma «ética do povo».
As ideias principais que Freisler abordou na sua profusão de artigos foram sempre as mesmas: o Führer, o povo, o partido, o Direito e a justiça. É o que mostram os títulos de diversos textos: «O Juiz, o Direito e a Lei (Dj, 1934), «O ato do Führer é o nosso dever» (Dj, 1934), «As tarefas da justiça do Reich, a partir da conceção biológica do Direito» (Dj, 1935), «Sobre a proteção da administração do Direito penal aos parasitas do povo» (Deutsche Richterzeitung, 1938), «O Reich e o Direito» (Dj, 1939), até 1941, ano em que publicou «O jornalista alemão pensa, fala e escreve, alemão» (Dj, 1941).
E era assim, com efeito, que pensava e escrevia Roland Freisler. Nos seus artigos, falta a pesada retórica jurídica. Eram verosímeis e convincentes quanto ao conteúdo, mas também estavam salpicados de frases-feitas escritas no jargão propagandístico habitual do nacional-socialismo.
No que se refere aos conteúdos, Freisler raciocinava como um nacional-socialista convencido e, depois do começo da guerra, como um fanático. O ponto de partida e o contexto eram sempre uma visão do mundo profundamente nacional-socialista.
Freisler defendeu várias vezes o Estado de Direito como o Estado nacional-socialista em que o indivíduo não tinha capacidade de decisão livre e objetiva.
Num artigo de 1937, com o título «Estado de Direito», afirmou:
Só a força do povo unido nos torna capazes, como já o fomos uma vez, de conter com uma pesada carga o carro blindado que ameaça a nossa frente. A nossa ideia do Estado de Direito é a forma organizada em que pomos em ação a carga concentrada para proteger o nosso povo.
O Estado como conjunto de todo o povo: uma definição que, à primeira vista, parece radicalmente democrática. Mas convém ver como três claras perversões do nacionalismo alteraram essa imagem virtual.
Em primeiro lugar, houve uma definição do povo que foi clara e inequivocamente racista. Nas suas propostas de reforma do Código Penal, Freisler já tinha dito, em 1993, que o solo e o sangue eram «os valores alemães mais sagrados». E num dos artigos citados mais acima («As tarefas da justiça do Reich, a partir da conceção biológica do Direito») escreveu:
A perspetiva biológica é própria do nacional-socialismo. O nacional-socialismo vê o povo, e o seu desenvolvimento interno e externo, de uma perspetiva biológica, e a biologia determina a sua história que, por sua vez, é biologicamente determinada pela fixação de objetivos vitais para o povo e pela correta escolha do caminho que permite tornar em realidade esses objetivos. E ao nacional-socialista o Direito parece-lhe biológico. Temos outra ideia da essência do Direito que é diferente daqueles que, antes de nós, lutaram com eles próprios e com o mundo pelo conhecimento do Direito.
O novo Direito alemão, segundo Freisler, devia assentar na ideia da «substância biológica do povo», cuja «unidade racial» havia que garantir. Daí que exortasse, como fez no seu artigo, «A proteção da raça e do património no Direito penal alemão em desenvolvimento» (1936), ao impedimento da «mistura racial que ocorreu na Alemanha ao longo de séculos».
Com estas afirmações, Freisler alinhou com o círculo de propagandistas darwinistas radicais que exerceram uma influência nada insignificante em personalidades como Hitler, Himmler e outros dirigentes do partido. O culto nacional-socialista da raça, que Freisler queria aplicar também à futura reforma do Direito, não tardou a encontrar um lugar na legislação. Em 15 de setembro de 1935, entrara em vigor a Lei para a Proteção do Sangue e da Honra Alemães, normativo que, na prática, era uma cláusula geral para todos os «ataques à raça» concebíveis e, com eles, para todas as violações possíveis para as leis de Nuremberga. Esta legislação racial, que representa o desprezo mais profundo contra o ser humano, foi o princípio da perseguição e do assassinato sistemático dos Judeus.
Interessante, neste contexto, é o facto de Freisler nunca se referir ao «problema judaico». De qualquer modo, fazia parte do grupo de juristas que procuravam dar à perseguição racial nacional-socialista uma legitimação pseudolegal. Desde cedo, percebeu que a proteção da raça era, acima de tudo, uma tarefa da justiça. Portanto: «O dever da nação alemã e de todos os cidadãos individualmente considerados é o de praticar a higiene da raça. Deixá-la ferida é sinónimo de traição», segundo um seu escrito de 1936.
Regressemos ao postulado de Freisler sobre o Estado de Direito. Não havia para ele nenhuma possibilidade subjetiva de escolha individual, pelo que não era possível ser-se contra ou a favor da pertença à comunidade do povo. O inviolável «Princípio do Führer» reduzia o indivíduo à categoria de recetor passivo das ordens que recebesse e excluía-o de todas as formas de decisão ativa.
A sua definição de «Estado de Direito nacional-socialista» também era dirigida contra o «Estado total», não para reforçar os direitos do indivíduo, mas porque nele via o perigo de o Estado se tornar um fim em si. O objetivo não era o indivíduo nem o Estado total, mas apenas, unicamente, o povo, a própria raça germânica. As instituições estatais, segundo a exigência de Freisler, deviam impregnar-se do espírito do nacional-socialismo para a comunidade do povo se vincular organicamente ao Führer e ao Partido.
Neste quadro do Estado de Direito, não havia lugar para a separação de poderes, que Freisler considerava uma herança ultrapassada de uma época em que a desconfiança se instalara entre o povo e os dirigentes políticos. No seu lugar, estaria a unidade orgânica entre o Führer e os seus seguidores, «a confiança na unidade saudável do povo e a confiança na força do povo e na sua capacidade de preservar uma atitude unitária ao longo da História», como escreveu num artigo para o Deutschen Juristenzeitung.
Fundamental para a preservação do Estado nacional-socialista era, para Freisler, antes de mais, a existência de uma justiça forte e funcional, cuja tarefa consistiria na segurança do povo e do Estado. O Direito devia, portanto, ser capaz de se desenvolver e de se adaptar, ainda segundo o mesmo artigo, «porque o Direito que hoje é bom pode amanhã ser mau». Para Freisler, o Direito não era absoluto e normativo e sim um instrumento da conveniência política.
Por outras palavras, os nacional-socialistas subordinavam a jurisprudência aos objetivos da sua política. Passo a passo, foi sendo modificado de modo substancial o Código Civil ainda vigente,
despojando-o do seu conteúdo original e nele, em particular, o Direito penal, com o objetivo de proteger os interesses do povo e do Estado, transformando-o num Direito de guerra nacional-socialista.
Era na primeira linha da frente que o secretário de Estado Freisler sempre se encontrava, fazendo incansavelmente campanha a favor dos «valores alemães mais sagrados». No âmbito da luta defensiva contra os inimigos do povo, o Tribunal do Povo devia assumir a liderança no conjunto da justiça alemã e era nele que se deviam aplicar as ideias que serviriam de exemplo a todos os tribunais alemães que lhe estariam subordinados. Cada juiz-presidente, em cada vara criminal, devia ser o líder cujas ordens obedeceriam, sem hesitar, todos os juízes e todos os jurados (ou «juízes leigos»). Só deste modo seria possível um procedimento judicial «germânico» — opinião que desenvolveu no seu artigo de 1935, intitulado «Duas ou três coisas sobre o emergente tribunal alemão de sangue».
Ao juiz, e só a ele, ficaria cometida a responsabilidade da tarefa de levar ao fim o processo e da maneira mais rápida possível. Aos juízes leigos, Freisler atribuía, no entanto, um papel consultivo. Assim, num «procedimento judicial germânico», todos os participantes, do juiz com mais experiência ao advogado mais jovem, eram «soldados da lei».
As penas deste «procedimento judicial germânico» deviam ser consequentes e severas, e a pena de morte, naturalmente, não podia deixar de ser uma delas. E Freisler chegou a recordar o que seriam rituais de execução «germânicos». Num artigo publicado na revista Deutsche Justiz, com o título cínico de «Por uma administração de justiça ativa!», recomendou que fosse dado ao criminoso «um frasco com veneno» mortífero.
Freisler também se ocupou do ordenamento dos procedimentos, que achava não ser muito eficaz, defendendo a limitação da possibilidade de revisão dos processos em sede de recurso, não apenas por demorarem muito tempo, mas também por quebrar a confiança entre o povo e a justiça. Seria necessário renunciar à reapreciação das decisões do tribunal, se ela implicasse apenas uma modificação menor da sentença. Ou seja, Freisler nem questionava os erros de julgamento, já que os elementos realmente importantes eram a eficácia e a confiança da população no que seria a infalibilidade da justiça. Anos mais tarde, o Tribunal do Povo agiu exatamente em conformidade com esta opinião.
Quem, como Freisler, refletia tanto sobre o papel dos juízes não podia deixar de se sentir chamado a pronunciar-se sobre a formação de juízes. Nos seus artigos «A formação de juristas» e «Aptidão para o exercício profissional dos juízes alemães» — ambos publicados na Deutsche Justiz em 1941 —, manifestou-se a favor de que não fossem as instituições da justiça a selecionar a nova geração de juristas, mas sim entidades do nsdap. E com estes critérios: em primeiro lugar, os candidatos deviam ser saudáveis, atendendo ao peso das tarefas a que estavam sujeitos os juízes. Em segundo lugar, a sua origem racial não podia suscitar dúvidas nenhumas. E, em terceiro lugar, o candidato devia ter qualidades de liderança, obtidas, por exemplo, na Juventude Hitleriana ou nas organizações estudantis nacional-socialistas.
Finalmente, o candidato devia demonstrar que estaria plenamente satisfeito a trabalhar para a comunidade. A seu tempo, isto proporcionar-lhe-ia «a sensibilidade necessária para se aperceber das necessidades do povo e os fatores essenciais da sua existência».
No artigo «O Leste alemão», Freisler descreveu, depois da invasão da Polónia pela Wehrmacht, como imaginava um «Direito germânico» e como é que o juiz do futuro devia lidar com membros das raças inferiores, como judeus e polacos. A aplicação do Direito penal polaco, especialmente criado para o efeito, devia ser concretizada sem nenhum sentimentalismo. A única coisa que importava eram os interesses do povo alemão. «Todos os que mostraram a sua eficácia no Leste terão o seu rosto na administração da justiça em todo o Reich», escreveu no mesmo artigo, em 1941.
Foi neste tom característico da propaganda nacional-socialista que Freisler escreveu quase todos os seus artigos, principalmente depois do começo da guerra. O catálogo das suas exigências tornava-se crescentemente mais amplo, mais inumano e mais desmedido.
Não havia um decreto recente sobre o qual Freisler não se pronunciasse.
Depois do começo da guerra, e depois de publicadas onze novas leis e decretos pelos nacional-socialistas, Freisler interessou-se também pela Lei sobre as Medidas Extraordinárias de Radiodifusão, que proibia a escuta de emissões inimigas e neutras, bem como a difusão de notícias de emissoras estrangeiras. Na opinião do secretário de Estado, não se condenava a curiosidade, mas sim uma «automutilação mental voluntária que, juntamente com os prejuízos causados pela difusão de notícias do estrangeiro, até podia ter efeitos derrotistas».
O trauma de Freisler e o seu medo de se poder repetir a «punhalada» nas costas repercutiram-se em muitos dos seus escritos.
Não terá havido outra profissão tão sujeita ao fogo de barragem das opiniões publicadas e das exigências nacional-socialistas, mas também ao controlo do Estado e do Partido como a dos magistrados.
Freisler proclamou, em 1935, no seu artigo «A Unidade do Partido e do Estado na política de pessoal da justiça», que «a administração da justiça alemã pode estar orgulhosa por ser o primeiro setor soberano do Terceiro Reich que aplicou na política de pessoal o princípio da unidade do movimento, do povo e do Estado em todo o Reich e para todos os grupos de funcionários, sem exceção».
O próprio Freisler — como secretário de Estado e publicista — apoiara do início o processo e «na primeiríssima linha», tal como o propusera em 1933, depois da tomada do poder. Era avesso à independência da justiça que, na sua opinião, se tornara tão supérflua como outras tendências individualistas, porque o nacional-socialismo, na sua convicção de força e de legitimação, só recolhia inspiração na fonte inesgotável do povo. Era tarefa da justiça «manter pura esta água», afirmou, em 1936, no seu artigo «O Direito e o legislador». Ou seja: a tarefa da justiça era a de se subordinar completamente às exigências totalitárias do sistema nacional-socialista.
A máxima de Freisler — «A severidade contra o inimigo do povo é uma proteção para o povo» — foi gradualmente posta em prática a partir de 1933 e de uma forma cada vez mais consequente e brutal e com o maior desprezo pelo ser humano. E isso não aconteceu apenas no Tribunal do Povo, aconteceu noutros tribunais especiais em todo o Reich e, mais tarde, nos territórios ocupados e pelas ações cruéis dos esquadrões da morte da SS.
Foi um desenvolvimento que coincidiu com as ideias dominantes de Freisler, que não mudaram com o tempo. Em 1935, dissera, a este respeito:
É realmente possível que — nas letras, palavras e frases da legislação que não tenham sido modificadas — uma sentença assente na objetividade de uma época neutra possa ser diversa da que dita o juiz, exercendo a sua liberdade no espírito do nacional-socialismo. A questão da atitude que, no seu labor profissional, um juiz adota perante o Direito e a Lei pode tratar-se unicamente com base no mesmo ponto de vista que leva o soldado a quem foi cometida uma tarefa a cumprir o seu dever: o respeito pela vontade do Führer como algo natural, orgulho por ver que confiaram nele […] e a sensação de não poder senão estar à altura de todas as circunstâncias relativas ao mandato nacional-socialista.
Depois da morte do ministro da Justiça do Reich, Gürtner, em janeiro de 1941, o secretário de Estado Schlegelberger dirigiu interinamente o ministério. Freisler, devido ao aumento do trabalho na área administrativa, foi obrigado a reduzir bastante a sua atividade de escrita.
Mas um ano e meio depois da morte de Gürtner, o nacional-socialista Thierack — que presidia ao Tribunal do Povo — foi nomeado para o cargo de ministro da Justiça, e a presidência do Tribunal do Povo foi então entregue ao homem que, como nenhum outro, reunia todos os requisitos para o desempenho da função: Roland Freisler.
E foi assim que Freisler chegou, finalmente, ao cargo em que iria estar à altura do mandato recebido e, sem piedade, pôr em prática o que até então defendera.