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Em vez de se dirigir para o camarote, Celia Kilbride ficou junto ao corrimão do navio, a observar a passagem pela Estátua da Liberdade. O seu tempo de permanência no navio seria inferior a uma semana, mas era o suficiente para escapar da penetrante cobertura jornalística da detenção de Steven na noite do ensaio do casamento, vinte e quatro horas antes do evento. Só tinham mesmo passado quatro semanas?
Estavam a fazer um brinde quando os agentes do FBI tinham entrado na sala de refeições privada do 21 Club. O fotógrafo que estava a fazer a cobertura fotográfica da ocasião tirou uma fotografia do casal e outra em que focava o anel de noivado com um diamante de cinco quilates que ela tinha no dedo.
O atraente, perspicaz e encantador Steven Thorne tinha ludibriado os amigos da sua noiva, levando-os a investir num fundo de risco que se destinava somente a beneficiá-lo e ao seu estilo de vida extravagante. Graças a Deus que o prenderam antes de nos casarmos, pensou Celia, antes de o navio rumar para o Atlântico. Pelo menos, fui poupada a isso.
Tanta coisa na vida é fruto do acaso, pensou ela. Pouco depois da morte do pai, dois anos antes, ela tinha ido a Londres para um seminário de gemologia. Quando a Carruthers Jewelers lhe ofereceu um bilhete de avião para viajar em classe executiva, foi a primeira vez que ela viajou sem ser de camioneta.
Estava ela sentada no seu lugar, na viagem de regresso a Nova Iorque, a beber um copo de vinho oferecido pela companhia, quando um homem impecavelmente vestido guardou a sua pasta no compartimento por cima do banco e sentou-se ao seu lado.
— Chamo-me Steven Thorne — dissera ele, com um sorriso caloroso, ao mesmo tempo que lhe estendia a mão.
Explicou-lhe que estava a regressar de uma conferência financeira. Quando o avião aterrou, já ela tinha aceitado jantar com ele.
Celia abanou a cabeça. Como podia ela, uma gemóloga capaz de encontrar um defeito em qualquer pedra preciosa, ter-se enganado tanto a julgar um ser humano? Inalou profundamente e o maravilhoso aroma do oceano foi inspirado pelos seus pulmões. Vou deixar de pensar no Steven, prometeu a si mesma. Mas era difícil esquecer quantos amigos seus tinham investido dinheiro que não podiam dar-se ao luxo de perder porque ela os tinha apresentado a Steven. Fora sujeita a um interrogatório pelo FBI. Pensava se eles achariam que ela estava envolvida no roubo, apesar de ela própria ter investido o seu dinheiro no esquema.
Tivera a esperança de não conhecer nenhum dos restantes passageiros, mas tinha sido amplamente publicitado que Lady Emily Haywood estaria a bordo. Ela levava regularmente peças da sua vasta de coleção de joias à Carruthers da Quinta Avenida, para serem limpas ou reparadas e insistia que Celia verificasse todas elas para a possível existência de riscos ou lascas. Brenda Martin, a sua assistente pessoal, acompanhava-a sempre. E Willy Meehan, o homem que tinha ido à loja comprar uma prenda para a mulher, Alvirah, pelo seu quadragésimo quinto aniversário de casamento, contara-lhe que o casal tinha ganho quarenta milhões de dólares na lotaria. Ela gostara imediatamente dele.
Mas, com tanta gente a bordo, seria fácil ter muito tempo para si própria, à parte das duas palestras e da sessão de esclarecimento que iria oferecer. Tinha sido oradora convidada várias vezes em navios da companhia Castle Line. De todas as vezes, o responsável pelos eventos da área de entretenimento dissera-lhe que os passageiros tinham votado na palestra dela como a mais interessante. Ele ligara-lhe na semana anterior, a convidá-la para substituir um orador que tinha adoecido à última hora.
Poder afastar-se da compaixão de alguns amigos e do ressentimento de outros, que tinham perdido dinheiro, era um maná dos céus. Estou tão feliz por estar aqui, pensou, quando se virou e desceu até ao seu camarote.
À semelhança de cada recanto do Queen Charlotte, a suíte magnificamente mobilada tinha sido decorada com atenção a todos os pormenores. Era composta por uma sala de estar, um quarto e uma casa de banho. Dispunha de roupeiros espaçosos, ao contrário dos navios mais antigos onde viajara, nos quais as suítes concierge tinham metade do tamanho daquela. A porta abria sobre uma varanda onde ela podia sentar-se no exterior quando quisesse sentir a brisa do mar sem estar na companhia de outras pessoas.
Sentia-se tentada em ir já para lá, mas decidiu, em vez disso, desfazer as malas e acomodar-se. A sua primeira palestra era na tarde do dia seguinte e ela queria rever os apontamentos. O tema a apresentar era a história das pedras preciosas raras, começando nas civilizações antigas.
O telemóvel tocou. Atendeu e ouviu uma voz familiar do outro lado da linha. Era Steven. Tinha saído sob fiança antes do julgamento.
— Eu posso explicar, Celia — começou ele por dizer.
Ela pressionou a tecla de fim de chamada e pousou o telemóvel com força. Só ouvir a voz dele fê-la sentir uma onda de embaraço. Consigo detetar o mais ínfimo defeito em qualquer pedra preciosa, pensou de novo, com amargura.
Engoliu o nó que se formara na garganta e limpou com impaciência as lágrimas que tinha nos olhos.