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Devon Michaelson tinha pouco interesse por aquilo que o rodeava. A sua bagagem continha apenas a roupa indispensável para aquele tipo de viagem. Para lá da sua expressão neutra, os seus olhos esverdeados eram atentos e penetrantes. Ouvia tudo e nada lhe escapava.
Ficara desapontado quando descobrira que o comandante do navio e o chefe da segurança tinham de tomar conhecimento da sua presença a bordo. Quanto menos pessoas soubessem, melhor, pensou. Mas, se queria cumprir a sua missão, precisava da colaboração da Castle Line para ser sentado a uma mesa junto de Lady Haywood, para poder observá-la e àqueles que a rodeavam.
O Homem das Mil Caras era bem conhecido da Interpol. Os seus roubos descarados, que tinham ocorrido em sete países, eram uma vergonha. O seu golpe mais recente, o roubo de dois quadros do início da carreira de Henri Matisse ao Musée d’Art de la Ville de Paris, fora apenas há dez meses.
O ladrão gostava de provocar a Interpol com os seus feitos, publicando frequentemente pormenores acerca do crime nas semanas que se lhe seguiam. Desta vez, o assaltante tinha aparentemente optado por uma tática diferente. A partir de uma conta de email não identificável, alguém que alegava ser o Homem das Mil Caras publicitara o seu desejo de possuir o colar de Cleópatra. A publicação aparecera pouco depois de Lady Haywood ter cometido a tontice de se gabar à imprensa de que iria usar a joia nesta viagem.
A Castle Line já estava a par da ameaça quando Devon contactou a companhia. Concordaram rapidamente em colaborar.
Não sendo um homem sociável, Devon estava apavorado com a possibilidade de ser destacado para uma mesa onde tivesse de fazer conversa com estranhos, todos pessoas que ele estava certo de vir a achar extraordinariamente entediantes. Mas, uma vez que Lady Haywood só iria viajar até Southampton, esse seria também o seu destino final.
Ouvi falar tanto do colar de Cleópatra, como as deslumbrantes esmeraldas se coadunam na perfeição e como são de cortar a respiração quando contempladas. Seria interessante vê-las de perto, pensou ele.
O pretexto que ia partilhar com os restantes passageiros para justificar aquela viagem seria ir lançar as cinzas da suposta mulher ao oceano. Era uma boa fachada, pensou ele, que também serviria para justificar querer passar alguns períodos de tempo sozinho.
Eram quase sete horas, altura em que iriam ser servidos cocktails no exclusivo Salão da Rainha, que estava reservado aos passageiros que viajavam no convés privativo.