78

Quando estava a passar pelo quarto, Raymond Broad ouviu a voz de Brenda a falar ao telefone. Encostou o ouvido à porta quando ela estava a dizer:

— Adeus, meu querido Ralphie. Beijinhos.

E fez vários barulhos a imitar beijos com os lábios.

Ela tem um namorado, pensou ele. Nunca pensei.

Antes de bater à porta, levantou a tampa para se certificar de que a cozinha tinha enviado a tarte do sabor correto. Brenda já o tinha admoestado uma vez por lhe ter trazido tarte de noz-pecã, alegando ser alérgica a frutos secos.

Raios, disse para si mesmo, quando viu que a cozinha tinha cometido o mesmo erro. Foi rapidamente trocar as tartes.

No seu quarto, Brenda teve uma estranha sensação de que algo não estava bem. E foi então que sentiu uma espécie de tecido a ser-lhe enfiado pela cabeça abaixo e alguma coisa a apertar-lhe a garganta. Um instante mais tarde, sentiu que era atirada para o que lhe parecia ser o roupeiro.

Não entres em pânico, advertiu-se. Não o deixes perceber que ainda estás a respirar. Com a sua máxima força de vontade, susteve a respiração até ouvir a porta do roupeiro fechar-se e a seguir começou a inspirar e a expirar o mais silenciosamente que conseguiu. Apesar de ter alguma coisa muito apertada à volta do pescoço, tinha conseguido introduzir um dedo no interior, deixando a garganta suficientemente liberta para conseguir respirar.

O Homem das Mil Caras tinha a certeza de que ninguém o vira percorrer o corredor e entrar no quarto. Trabalhando com rapidez, esvaziou a mala de Brenda no chão e correu para o cofre. O colar também não estava ali, reparou. A seguir, remexeu as malas e a cómoda.

— Eu ia jurar que era ela que o tinha — resmungou, ao abrir a porta do camarote uns centímetros e verificar que o caminho estava livre.

Caminhando rapidamente, mas tentando ao mesmo tempo parecer descontraído, percorreu rapidamente a distância de volta ao seu quarto.

Dali a menos de dois minutos, Raymond voltou ao quarto de Brenda e bateu à porta. Como não ouviu nada, abriu a porta e entrou. Ficou surpreendido por ver que não estava ali ninguém. Pousou o café e a sobremesa na mesa de apoio. Mas foi então que ouviu um ruído de alguém a gemer e a dar pontapés dentro do roupeiro. Sem ter a certeza se estava a ouvir bem, dirigiu-se lentamente à porta e abriu-a. Foi presenteado com a imagem de Brenda estendida no chão, com uma mão por cima da cabeça coberta por uma fronha de almofada e a outra na garganta.

Raymond foi rapidamente à cómoda buscar uma tesoura. Correu de volta, ajoelhou-se e disse-lhe:

— Eu já a tenho. Largue a corda.

Enfiou o dedo onde Brenda anteriormente tinha o dela e com cuidado fez deslizar a lâmina da tesoura entre a corda e a garganta. Um momento depois de ter feito força, a corda partiu-se. Usou a tesoura para rasgar a fronha e retirar-lha da cara.

Ela respirou o ar da vida. Ele esperou uns minutos até ela começar a afagar a garganta com as mãos. Ajudou-a a sentar-se e depois puxou-a até ela ficar de pé.

— Porque demorou tanto? — arfou ela. — Eu podia ter morrido asfixiada.

— Senhora Brenda — disse ele —, vamos sentá-la numa cadeira. Um café vai ajudá-la a acalmar.

Debruçada sobre ele, Brenda caiu numa cadeira e pegou no café.

Raymond pegou no telefone e ligou para o chefe da segurança, para lhe comunicar um «incidente» que tinha ocorrido no quarto de Brenda. Saunders garantiu-lhe que ia já para lá e que levaria o doutor Blake consigo.

Voltou-se para Brenda e perguntou-lhe:

— Posso fazer alguma coisa para…

Ela interrompeu-o.

— Vá-me buscar uma toalha com umas pedras de gelo. Quero enrolá-la à volta do pescoço.

— Minha senhora, acho que era boa ideia eu ficar consigo até…

EU DISSE PARA ME TRAZER UMA TOALHA FRIA!

— É para já, minha senhora — respondeu Raymond, encantado por ter um motivo para sair da suíte.

Antes de Raymond sair, Brenda gritou-lhe:

— Diga ao comandante que alguém tentou estrangular-me e eu insisto em ter mais proteção até chegarmos a Southampton.

Que pena para ela o querido Ralphie não estar por aqui, pensou Raymond, enquanto saía em bicos de pés. Foi direito a um armário de arrumos e fechou a porta atrás de si. Assim que a ligação se estabeleceu, sussurrou:

— Mais uma tentativa de homicídio. Desta feita, a potencial vítima foi a assistente pessoal de Lady Haywood, Brenda Martin. Ele tentou estrangulá-la, mas ela conseguiu enfiar um dedo por baixo da corda e continuar a respirar. Ela não comentou que faltasse nada no quarto dela, por isso, o motivo não é claro.

Raymond voltou a guardar o telemóvel no bolso e saiu do armário.

Um minuto depois, o telemóvel anunciava que tinha recebido uma mensagem escrita. Era de John Saunders, o chefe da segurança. Estava a convocá-lo para se dirigir novamente à suíte de Brenda, onde o comandante e o proprietário do navio o aguardavam. Com uma toalha e um balde de gelo na mão, Raymond dirigiu-se rapidamente para o camarote dela.

Brenda ainda estava no cadeirão onde ele a tinha deixado. Numa primeira olhadela, Raymond verificou que ela tinha terminado o gelado de baunilha, a tarte de maçã e o café nos poucos minutos em que estivera sozinha. Mas o que não tinha desaparecido era a mancha vermelha feia à volta do seu pescoço. Ela podia ter asfixiado, pensou ele. Mas a primeira coisa que a ouviu dizer ao doutor Blake foi que não estaria viva se Raymond não a tivesse salvo. Acrescentou que tencionava processar a companhia de navegação porque, apesar de saberem que havia um assassino a bordo, não se tinham dado ao trabalho de reforçar a segurança nos corredores contra um assassino em série.

O comandante Fairfax começou a desculpar-se extensivamente, mas foi interrompido por Gregory Morrison. O proprietário do navio assegurou-lhe que ia tomar bem conta dela, se ela concordasse em não contar aos restantes passageiros o que se tinha passado.

— Se eu digo ou não digo alguma coisa não vai importar para o que vocês me vão pagar — disse Brenda, arfando, enquanto passava os dedos pelo pescoço dorido. — Eu podia estar morta — gemeu ela. — Não tarda nada estamos todos no convés a cantar o «Mais perto de ti, meu Deus, mais perto de ti».