11
Às sete horas, Celia debateu-se consigo mesma sobre se iria ao Salão da Rainha, mas acabou por decidir ir. Apesar de querer ter bastante tempo para si, percebeu que a desvantagem seria ter tempo de mais para pensar. É claro que haveria pessoas da região de Nova Iorque a bordo. Mas de certeza que a maioria dos passageiros não sabiam ou não queriam saber da fraude do fundo de risco de Steven.
O restaurante que Steven escolhera para o seu primeiro encontro era encantador. O chefe de sala tinha-o cumprimentado pelo nome. Steven conseguira que lhes arranjassem uma mesa calma num recanto ao fundo da sala.
Ele elogiou os brincos que eu estava a usar. Quando lhe disse que eram da minha mãe, antes de me aperceber estava a contar-lhe a história de como tinha perdido os meus pais.
Steven foi tão compassivo. Disse-me que raramente falava da tragédia da sua vida. Também ele era filho único. Depois de os pais morrerem num acidente de viação, quando ele tinha dez anos, os seus adorados avós haviam-no criado numa pequena vila nos arredores de Dallas. Com lágrimas nos olhos, contou-me que a avó tinha morrido há uns anos. Era ela quem cuidava do avô dele, que na época se encontrava numa fase inicial da doença de Alzheimer. O avô já não o reconhecia e estava então num lar.
Steven partilhou comigo uma citação que gravara na memória: «Eu sou extraordinariamente independente, mas tenho medo de estar sozinho.» Eu tinha encontrado uma alma gémea. Senti que me estava a apaixonar por Steven, estava a apaixonar-me por uma mentira.
Ela não mudou de roupa e ficou com o casaco azul-claro e as calças cor de caqui que tinha usado a bordo. As únicas joias que trazia eram um colar fino de ouro, brincos de diamantes fechados atrás e um anel que tinha pertencido à mãe. Lembrou-se do que o pai lhe dissera quando lhe dera o anel, no dia do seu décimo sexto aniversário.
— Eu sei que não te lembras dela, mas este foi o primeiro presente de aniversário que eu ofereci à tua mãe, no ano em que nos casámos.
Ela apanhou o elevador até ao Salão da Rainha e, tal como esperara, este estava quase cheio. Mas havia uma mesa para duas pessoas que um empregado estava a levantar e ela dirigiu-se para lá. Quando ali chegou, a mesa estava pronta e o empregado aguardava para aceitar o pedido dela.
Ela optou por beber um copo de Chardonnay e a seguir começou a olhar em redor, reconhecendo os rostos de algumas celebridades. Uma voz perguntou-lhe educadamente:
— Está à espera de alguém? Caso não esteja, posso partilhar a mesa consigo? O salão está cheio e esta parece ser a única cadeira livre.
Celia olhou para cima. Um homem magro, meio careca, de estatura média estava de pé junto de si. O seu pedido educado tinha sido feito num tom de voz bem modulado, com um sotaque britânico indesmentível.
— Claro que pode — respondeu ela, forçando um sorriso.
Quando ele puxou a cadeira, disse-lhe:
— Eu sei que é Celia Kilbride e que vai dar uma palestra acerca de pedras preciosas famosas. E eu sou o seu colega orador Henry Longworth. O meu tema é o Bardo, Shakespeare e a psicologia das personagens das peças dele.
Desta feita, o sorriso de Celia era autêntico.
— Oh, mas que prazer é conhecê-lo. Eu adorei estudar Shakespeare na escola e até memorizei alguns sonetos.
Quando o empregado de mesa voltou com o Chardonnay, Longworth esperou, pediu um uísque Johnny Walker Blue com gelo e a seguir voltou toda a sua atenção para Celia.
— E qual é o seu soneto preferido?
— Vós sois o espelho de vossa mãe… — começou ela.
— E em vós recorda ela o encantador abril de sua juventude — concluiu Longworth.
— É óbvio que conhece — disse Celia.
— Posso perguntar-lhe por que razão é o seu preferido?
— A minha mãe morreu quando eu tinha dois anos. Quando eu tinha cerca de dezasseis anos, o meu pai recitou-me este soneto. E olhando para uma fotografia dela e outra minha, podiam ser de qualquer uma de nós.
— Nesse caso, a sua mãe devia ser uma mulher lindíssima — comentou Longworth, num tom casual. — O seu pai voltou a casar?
Celia sentiu o reluzir das lágrimas que se formavam nos seus olhos.
Como comecei esta conversa? — perguntou a si mesma.
— Não, nunca. — Para impedir mais perguntas pessoais, acrescentou: — O meu pai morreu há dois anos.
Aquelas palavras ainda lhe soavam irreais aos ouvidos.
O meu pai só tinha cinquenta e seis anos, pensou. Nunca na vida esteve doente, mas teve um enfarte fatal e partiu.
E se ele fosse vivo, tinha apanhado o Steven, pensou ela.
— Lamento imenso — disse Longworth. — Sei bem como essa perda deve ter sido dolorosa para si. Deixe-me dizer-lhe que estou muito satisfeito por não irmos falar ao mesmo tempo. Estou ansioso por assistir à sua palestra de amanhã. Uma vez que sou um estudioso da magnífica era isabelina, diga-me, vai falar de algumas joias desse período?
— Vou, sim.
— Sendo tão jovem, como se tornou uma perita deste calibre?
Estavam agora em terreno seguro.
— Eu adquiri conhecimentos sobre pedras preciosas através do meu pai — disse-me ela. — Desde que eu tinha três anos que o que mais queria pelo Natal e nos meus aniversários eram colares e pulseiras, para as minhas bonecas e para mim. O meu pai começou por achar engraçado, mas depois percebeu que eu tinha um fascínio por joias e começou a ensinar-me a avaliar pedras preciosas. Mais tarde, depois de ter frequentado algumas cadeiras de Geologia e Mineralogia, fui tirar a licenciatura em Gemologia e tornei-me membro da Associação de Gemologia da Grã Bretanha.
Quando o empregado de mesa chegou com a bebida de Longworth, Lady Em parou junto da mesa deles. Trazia um colar triplo de pérolas e brincos de pérolas. Celia sabia quão valiosos eram. Lady Em tinha-os levado à Carruthers no mês anterior para serem limpos e para substituírem o fio.
Ia levantar-se, mas Lady Em pousou-lhe uma mão no ombro.
— Por favor, não faça isso, Celia. Só queria dizer que solicitei que ambos ficassem na minha mesa na sala de jantar — disse, olhando de relance para Longworth. — Eu conheço esta jovem encantadora — disse — e sei da sua reputação como académico especialista em Shakespeare. Será bom ter a vossa companhia.
Sem esperar por uma resposta, deslizou para longe deles, com um homem e duas mulheres a reboque.
— E quem é aquela? — perguntou Longworth.
— É Lady Emily Haywood — explicou Celia. — Ela tem aquele ar altivo, mas asseguro-lhe que é uma companhia encantadora — disse, e ficou a vê-la ser escoltada até uma mesa vazia junto da janela. — Ela deve ter reservado aquela mesa — comentou.
— Quem são as pessoas que estão com ela? — perguntou Longworth.
— Os outros dois eu não conheço, mas aquela mulher mais forte é Brenda Martin, a assistente pessoal de Lady Em.
— Lady Em, como lhe chama, tem um ar bastante autoritário — comentou Longworth num tom seco. — Mas eu não me importo de ficar na mesa dela. Deve ser bastante interessante.
— Oh, de certeza que será — concordou Celia.
— Menina Kilbride — chamou um empregado de mesa, que se encontrava por trás dela. Trazia um telefone na mão. — Tem uma chamada — anunciou, entregando-lhe o aparelho.
— Uma chamada para mim — exclamou Celia, surpreendida. Que não seja outra vez o Steven, implorou.
Era Randolph Knowles, o advogado que ela tinha contratado quando o FBI a contactara para prestar depoimento. Porque estaria a telefonar-lhe?, pensou.
— Olá, Randolph. Há algum problema?
— Celia, tenho de a avisar. O Steven deu uma entrevista extensa à revista People. Vai sair depois de amanhã. Ele alega que a Celia sabia que ele estava a defraudar os seus amigos. Eles telefonaram-me a pedir um comentário. Eu neguei. O artigo afirma que vocês os dois se riram desse facto!
Celia sentiu o corpo arrefecer.
— Santo Deus, como pôde ele fazer isso? — suspirou.
— Tente não se aborrecer. Toda a gente sabe que ele é um mentiroso nato. A minha fonte no gabinete do procurador-geral disse-me que a Celia já não é suspeita, mas é possível que eles peçam ao FBI para a interrogar novamente, acerca de algumas das informações que saíram no artigo. Aconteça o que acontecer, receio que vá haver publicidade negativa. Um argumento forte a nosso favor é a Celia ter investido duzentos e cinquenta mil dólares no fundo de risco dele.
Um quarto de milhão de dólares, o dinheiro que o pai lhe deixara em testamento. Todo o dinheiro que ela tinha.
— Eu mantenho-a a par.
Ele parece preocupado, pensou ela. Acabou o curso há meia dúzia de anos. Será que fiz mal em contratá-lo? Isto é capaz de ser demais para ele.
— Obrigada, Randolph — disse ela e devolveu o telefone ao empregado de mesa.
— Celia, parece incomodada — disse Longworth. — Passa-se alguma coisa?
— Passa-se muita coisa — respondeu Celia, ao mesmo tempo que se ouvia a indicação de que o jantar ia ser servido.