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O comandante Ronald Fairfax navegava com a Castle Line há vinte anos. Todos os navios que conduzira eram topo de gama, mas o Queen Charlotte ultrapassava-os a todos. Em vez de seguir a linha de outras companhias de cruzeiros, como a Carnival, que construíam vários navios enormes que comportavam mais de três mil passageiros, no Charlotte o número máximo de ocupantes fora limitado a cem, muito menos do que levavam os antigos navios de primeira classe.

Era obviamente essa a razão para haver tantas celebridades a bordo, ansiosas por constarem entre os convidados de prestígio da viagem inaugural.

O comandante Fairfax fizera-se ao mar um dia depois de terminar a faculdade em Londres. Alto, de ombros largos, com uma farta cabeleira branca e um rosto de alguma maneira envelhecido pelo tempo, era um homem impressionante. Era visto como um comandante soberbo e um anfitrião maravilhoso que se movia com facilidade entre os convidados mais aclamados.

Toda a gente aguardava com expectativa um convite para se sentar à sua mesa de jantar ou para participar numa das suas festas privadas na sua suíte bela e espaçosa. Esses convites eram reservados à nata dos convidados. Eram escritos à mão pelo comissário e enfiados debaixo da porta dos destinatários que tinham a sorte de ser escolhidos.

Não era segredo que o custo da construção e decoração daquele navio extraordinário tinha acabado por custar quase o dobro do orçamento original. Por esse mesmo motivo, Gregory Morrison, proprietário da Castle Line, deixara bem claro que não podia haver a mínima confusão. Os jornais sensacionalistas e as redes sociais estariam famintos por histórias acerca de alguma coisa que pudesse correr mal naquela viagem inaugural tão importante. Já se tinham deleitado com as comparações em relação às comodidades do Titanic. Em retrospetiva, publicitar o navio daquela maneira não fora aconselhável.

O comandante franziu o sobrolho. Já havia uma indicação de que podiam ser apanhados numa tempestade um dia e meio depois de zarparem de Southampton.

Olhou para o relógio. Tinha uma reunião altamente confidencial nos seus aposentos. O agente da Interpol, que os restantes passageiros conheciam como Devon Michaelson, solicitara-lhe uma reunião secreta.

Do que poderia Michaelson querer falar com ele? Ele já lhe dissera que era muito possível que o homem conhecido como «Homem das Mil Caras» estivesse a bordo.

Percorreu a ponte e dirigiu-se à sua suíte. Pouco depois, alguém bateu à porta. Ele abriu. Identificara Devon Michaelson por saber que ele se encontrava à mesa do filho do embaixador, Ted Cavanaugh.

Fairfax estendeu-lhe a mão.

— Senhor Michaelson, não consigo dizer-lhe como estou satisfeito por tê-lo a bordo connosco.

— Também estou satisfeito por aqui estar — respondeu Michaelson, com cortesia. — Como decerto saberá, o dito «Homem das Mil Caras» tem deixado vários indícios nas redes sociais a sugerir que estaria nesta viagem. Há uma hora, enviou uma mensagem em que dizia que estava a bordo, a apreciar o ambiente de luxo e que mal podia esperar para aumentar a sua coleção de joias.

Fairfax sentiu o corpo ficar hirto.

— Há alguma hipótese de alguém estar a enviar essas mensagens em jeito de gozo? — perguntou.

— Penso que não, comandante. Parecem verdadeiras. E são consistentes com o comportamento anterior dele. Ele não se satisfaz meramente em roubar aquilo que quer ter. Tem prazer adicional em deixar indícios acerca do que planeia fazer e enfiar o dedo nos olhos das autoridades enquanto leva a cabo o seu plano.

Fairfax declarou:

— É pior do que eu imaginava, senhor Michaelson. Eu creio que o senhor percebe que é extraordinariamente importante que nesta viagem não haja o mínimo escândalo. Há alguma coisa que eu ou a minha tripulação possamos fazer para evitar uma calamidade?

— Eu diria apenas para estarem alertas, assim como eu também estarei — respondeu Michaelson.

— É um excelente conselho. Obrigado, senhor Michaelson — disse o comandante, quando o acompanhou à porta.

A sós com os seus pensamentos, Fairfax sentiu algum conforto por saber que viajava a bordo um agente. O chefe da segurança John Saunders e a sua equipa eram bons naquilo que faziam. Saunders tinha uma excelente reputação na sua área de trabalho e já trabalhara com ele em viagens anteriores da Castle Line. O chefe da segurança conseguia lidar discretamente com passageiros arruaceiros. Fairfax estava confiante de que todos os funcionários do navio, provenientes de mais de quinze países, tinham sido minuciosamente investigados antes de serem contratados. Mas o desafio imposto por um ladrão de joias internacional era diferente.

A tomada de consciência em relação àquilo que podia correr mal assumiu um enorme peso sobre ele no momento em que regressava à ponte.