30

Celia ficou surpreendida por acordar às sete e meia. Do que estavas à espera? Ontem à noite enfiaste-te na cama às oito e meia, por isso, dormiste onze horas. Mesmo assim, sentia que tinha o peso do mundo em cima dos ombros. Ora, decidiu, vamos embora. Vai dar uma volta. Arejar a cabeça.

Tomada aquela decisão, vestiu-se rapidamente, com um conjunto de desporto Lululemon e ténis, e dirigiu-se ao convés de caminhada. Ficou surpreendida quando ali encontrou Alvirah e Willy.

Ia passar por eles limitando-se a acenar-lhes, mas Alvirah não aceitava isso.

— Celia — disse-lhe. — Gostava de a conhecer melhor. Já sei que ajudou o Willy a escolher aquele lindo anel de safiras para mim. Eu nunca tinha tido uma joia tão bonita.

— Ainda bem que gostou — disse Celia, com sinceridade. — O seu marido tinha muita esperança de que gostasse.

— Eu sei o que está a dizer — disse Alvirah. — Ele devia estar certo de que eu ia achar que tinha sido demasiado caro. Sabia que o Devon Michaelson vai lançar as cinzas da mulher ao oceano? Ele convidou as pessoas que estão na mesa dele para o acompanharem numa pequena cerimónia.

— Nesse caso, eu vou andando — disse Celia.

Mas era tarde demais. Antes de ela ter oportunidade de retomar o passo, Michaelson já chegara junto deles.

— Eu disse à Celia porque estamos aqui — explicou Alvirah.

Michaelson segurava a urna de prata com as duas mãos.

— Tenho andado para lhe dizer o quanto apreciei a sua palestra, menina Kilbride.

— Chame-me Celia. E obrigada. Este deve ser um momento difícil para si. Quando o meu pai morreu, há dois anos, eu levei as cinzas dele até Cape Cod e também as deitei ao mar.

— Estava sozinha?

— Não, tinha alguns amigos próximos comigo.

— Nesse caso, talvez queira juntar-se a mim e aos meus amigos de mesa.

Devon Michaelson ostentava a expressão de um homem devastado. Celia sentiu uma pontada de dor.

— Claro que si, se quiser que eu fique.

Dali a um minuto, Ted Cavanaugh e Anna DeMille juntaram-se a eles.

— Ui, está frio — disse DeMille. — Devia ter vestido um casaco mais quente. Mas não faz mal — acrescentou ela, rapidamente. — Todos nós queremos estar aqui consigo, Devon — disse e deu-lhe uma palmadinha no ombro, com lágrimas nos olhos.

Ela está a tentar ser a carpideira-mor, pensou Alvirah. Olhou de relance para Willy, que assentiu com a cabeça, confirmando que sabia o que ela estava a pensar.

— Agradeço a todos por estarem aqui comigo hoje — começou Devon. — Quero passar alguns minutos a falar-lhes da Monica. Conhecemo-nos na faculdade, em Londres, há trinta e cinco anos. Alguns de vocês talvez compreendam o significado de amor à primeira vista.

Alvirah olhou para Willy para confirmar «nós compreendemos».

A expressão de Anna DeMille estava focada em Devon Michaelson com um ar de adoração. Ele dizia:

— Eu não sou cantor, mas se fosse, escolheria a música preferida da Monica, «Nearer my God to Thee», da banda sonora do Titanic.

— Eu ia a passar e não pude deixar de ouvir — disse o capelão Baker, que parou junto do grupo. Olhou para Devon. — Posso abençoar a urna com as cinzas da sua mulher?

Alvirah percebeu que Devon Michaelson fez uma expressão de perplexidade, ficou vermelho como um tomate e a sua voz hesitou antes de responder:

— Claro que sim, padre. Obrigado.

Em voz baixa, o padre Baker proferiu as palavras dos ritos funerários cristãos, terminando com:

— Que os anjos a recebam. Ámen.

Antes de Devon poder voltar-se e elevar a urna bem alto para espalhar as cinzas no mar, Alvirah viu a expressão do rosto dele. Ele não está triste, pensou. Está envergonhado porque o padre Baker pediu para abençoar a urna. Mas a grande questão é: porquê?

Ficaram a ver Devon abrir a urna e virá-la. As cinzas dançaram na brisa para depois descerem e desaparecerem no rasto de espuma deixado pelo barco, que se movia rapidamente.