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A suíte de Brenda ficava no andar por baixo da de Lady Em. Era mais pequena, mas tinha serviço de camareiro. Quando Lady Em decidiu pedir que lhe servissem o almoço na sua suíte e descansar durante uma hora, Brenda foi até ao buffet. Apesar de estar à beira do desespero com a preocupação, continuava a ter um apetite saudável. Dirigiu-se à secção de comida chinesa e serviu-se de sopa de wonton, arroz frito com porco e um dumpling. A seguir, num impulso, pegou num bolinho da sorte. Enquanto o empregado de mesa transportava o seu tabuleiro até uma pequena mesa junto da janela, ela olhou à volta da sala de refeições. A cerca de seis mesas de distância daquela a que se dirigia, viu Celia com Alvirah e o marido. Pareciam estar absortos na conversa. Para aqueles não há conversa de circunstância, pensou com sarcasmo.
Os seus olhos encheram-se de ódio quando olhou para Celia. É ela que me pode pôr na prisão, pensou com amargura.
— Aqui tem, minha senhora — disse o empregado de mesa, um asiático atraente, enquanto retirava os pratos do tabuleiro e os colocava em cima da mesa.
Brenda não lhe agradeceu. Ele perguntou-lhe se desejava alguma bebida.
— Café com natas e açúcar — respondeu, num tom de desprezo.
O que ia ela fazer?, pensou. E porque ficou Lady Em de repente com a ideia de que as joias dela não parecem estar bem? Durante anos, ignorou todas as peças da sua coleção, com exceção das melhores. E ao longo de anos ela tinha aumentado essa coleção, comprando anéis a dez mil dólares ou pulseiras a quarenta mil, que via em montras de lojas, tal como acontecera em São Tomé. Ela usa as joias novas algumas vezes e depois põe-nas de parte, guardando-as no cofre principal do apartamento.
Brenda começou a sua sopa de wonton e pensou em Ralphie. Tinham-se conhecido há cinco anos e estavam juntos desde então. Claro que não falara dele a Lady Em. Ralph era um corretor de seguros de sessenta e sete anos que ela sustentava no apartamento de três assoalhadas que Lady Em tinha comprado para uso dela e onde Brenda passava os fins de semana de folga. Não é que tivesse muitos, pensou, ressentida. Mas quando ela está na cama e com a empregada interna no apartamento, eu posso escapar-me para lá.
Quando ela tinha falado a Ralph da impressionante coleção de joias de Lady Em, ele perguntara-lhe com que frequência ela usava as peças todas. Ela contara-lhe que Lady Em comprava muitas vezes um colar, uns brincos, um anel ou uma pulseira que lhe saltavam à vista, usava-os meia dúzia de vezes e que depois os esquecia ou simplesmente deixava de os usar.
A próxima pergunta de Ralph tinha sido:
— Ela tem isso tudo segurado?
A resposta dela tinha sido que Lady Em segurava as peças que valiam mais de cem mil dólares.
E foi assim que tudo começou. Ralph tinha um amigo joelheiro que trabalhava com eles para substituir as joias que Lady Em guardava no cofre por falsificações. Era muito fácil. Brenda sabia a combinação. Tirava uma peça e entregava-a a Ralphie. Ele levava-a ao joalheiro, que criava uma peça parecida. Quando estava pronta, ela guardava-a no cofre. A única joia que não se encontrava no cofre e que ela nunca tinha visto era o colar de Cleópatra.
Agora, enquanto afastava a tigela de sopa vazia e começava a comer o arroz de porco frito, amaldiçoou-se por ter sido estúpida a ponto de mexer na «pulseira de piqueniques» que Sir Richard tinha comprado a Lady Em quando passeavam na Quinta Avenida. Lady Em estimava aquela pulseira. Deus sabe que eu já ouvi aquela história vezes suficientes para perceber que não lhe devia tocar, pensou Brenda com amargura.
Ela e Ralphie já tinham mais de dois milhões de dólares graças à venda das joias de Lady Em, mas de que lhes valeria isso se ela pedisse a Celia Kilbride para verificar a pulseira, já para não falar de todas as outras peças que tinham sido substituídas? Ela ia processá-los, isso era certo. Já uma vez processara um chef que tinha adulterado as contas da alimentação.
— Eu pago-lhe muito bem — dissera-lhe ela. — Agora você vai pagar pela sua ganância.
Brenda comeu tudo o que tinha no prato e dirigiu-se à secção de sobremesas. Escolheu uma fatia generosa de bolo de chocolate em camadas e voltou para a mesa. A mesa já tinha sido levantada, com exceção da chávena de café, que fora reabastecida.
Eu gosto de viajar assim, ou pelo menos gostava antes de ter conhecido o Ralphie e nos termos apaixonado. Tenho de admitir que estes vinte anos com Lady Em foram interessantes, as viagens à volta do mundo, as peças na Broadway, as pessoas que conheci.
Quando ela regressasse a Nova Iorque, na quinta-feira seguinte, seria o princípio do fim e seria rápido. Mas se alguma coisa acontecesse a Lady Em antes disso, não havia motivo para preocupações e os trezentos mil dólares que Lady Em planeava deixar-lhe em testamento seriam seus.
Brenda abriu o bolinho da sorte. Grandes mudanças aproximam-se na sua vida. Esteja preparado. Bom, isso pode ser ou muito bom ou muito mau, pensou ela, enquanto amachucava o pedaço de papel e o deixava cair.
Olhou de soslaio para a mesa onde Celia Kilbride e os Meehan estavam a levantar-se das cadeiras. Um pensamento súbito atingiu-a. Estaria Lady Em suficientemente incomodada a ponto de entregar a pulseira a Celia para a examinar antes mesmo de regressarem a Nova Iorque? Se ela o fizesse, conseguiria Celia dizer que aquela peça nunca poderia ter estado exposta na montra da Harry Winston? Claro que sim.
Essa era outra possibilidade assustadora.