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Devon Michaelson questionou-se se teria cometido um erro ao convidar os companheiros de mesa para a cerimónia dessa manhã. Sabia que a sua reação de perplexidade perante a oferta do capelão, o padre Baker, para rezar sobre a urna tinha sido detetada por Alvirah Meehan e talvez também por outros elementos do pequeno grupo. A sua esperança era que eles pudessem pensar que ele era ateu.
Na verdade, tinha sido criado no seio de uma família católica devota. Apesar de se ter afastado da prática religiosa, imaginou o horror que a mãe teria sentido ao saber que ele deixara um padre abençoar cinza de cigarro.
Não posso permitir que as pessoas comecem a interrogar-se a meu respeito. E eu já devia saber que nunca pude dar-me ao luxo de cometer erros.
Yvonne, Dana e Valerie estavam a terminar o segundo copo de vinho. Tinham passado o final da manhã e o início da tarde a apanhar banhos de sol junto da piscina. Enquanto caminhavam, Valerie percorreu a lista de atividades.
— Oiçam isto — interrompeu Yvonne. — Vai haver uma palestra acerca dos Hamptons, que inclui a história de uma bruxa da vida real, de East Hampton.
— Eu sei quem deve ser — sugeriu Dana. — É a Julie Winston, a antiga modelo que acaba de se casar com o presidente da Browning Brothers. Eu fiquei sentada ao lado dela num baile de beneficência e…
— Se estamos a falar de bruxas, só pode ser a Ethel Pruner. Estávamos mais sete pessoas com ela numa comissão para organizar arranjos florais e todas queríamos desistir depois da primeira reunião…
Valerie ergueu as duas mãos e riu-se.
— Eu acho que se estão a referir a uma bruxa que viveu no século dezassete. Começa daqui a quinze minutos. O que acham?
— Vamos — responderam Dana e Yvonne em uníssono, levantando-se.
O orador apresentou-se como Charles Dillingham Chadwick. Era um homem esguio, de quarenta e poucos anos, careca e de estatura média. Chadwick era detentor daquela imagem de marca dos Hamptons, que consistia em conseguir falar sem mexer a mandíbula. Mas, ao mesmo tempo, tinha um tique no olho e a capacidade de troçar de si mesmo.
— Muito obrigado a todos por terem vindo. Uma das primeiras recordações felizes da minha infância é o meu pai a explicar-me que as origens da nossa família podiam ser seguidas até ao Mayflower e que os nossos antepassados tinham possuído em tempos uma considerável extensão de terras no lugar que agora conhecemos como Hamptons. A minha recordação mais infeliz foi quando ele me contou que essas terras tinham sido vendidas há cem anos, por uma ninharia.
Seguiram-se fortes gargalhadas.
Chadwick aclarou a garganta e prosseguiu:
— Espero que considerem o facto de uma coletânea de aldeias rurais e de pescadores, no extremo leste de Long Island, se terem transformado num dos recreios de eleição de ricos e famosos tão interessante como eu considero. Mas comecemos com a história de uma disputa entre vizinhos, que quase resultou, digamos, no churrasco de um dos pioneiros dos Hamptons. Nos primeiros tempos, os puritanos exerciam grande influência naquela região. Trinta e cinco anos antes dos infames julgamentos em Salem, no Massachusetts, Easthampton teve a sua própria história de enfeitiçamento. Em fevereiro de 1658, pouco depois de ter dado à luz, Elizabeth Gardiner, de dezasseis anos, ficou muito doente e começou a queixar-se de que tinha sido vítima de bruxaria. A jovem Gardiner viria a falecer um dia depois, mas não sem antes ter identificado a sua vizinha, Goody Garlick, como origem da sua tormenta. A pobre Goody já tinha sido alvo de outras acusações maldosas. Era tida como culpada da morte misteriosa de gado. Uma revisão dos registos de tribunal dos Hamptons naquela época revela-nos que as pessoas estavam constantemente a acusar-se mutuamente, a discutir entre si e a processarem-se, pelas mínimas trivialidades. Sinto-me tentado a acrescentar que pouca coisa mudou até aos dias de hoje. Ao que parece, a pobre Goody estava destinada a uma experiência nefasta. Mas Garlick acabou por ter, podemos dizer, alguma sorte, quando o juiz de East Hampton, incapaz de tomar uma decisão, transferiu o caso para um tribunal superior em Hartford, a colónia que na época detinha os Hamptons. O caso chegou aos ouvidos do governador John Winthrop, Jr., um académico que acreditava que as forças mágicas da natureza exerciam mais influência nos acontecimentos do que nas pessoas. Era capaz de haver ali algum snobismo. Ele mostrava-se cético em relação à capacidade que a mulher de um agricultor, com pouca escolaridade, teria de fazer magia. Foi proferido um veredito de inocência, a par com alguns conselhos jurídicos para os residentes conflituosos dos Hamptons. Passo a citar: «É desejável e esperado por este tribunal que prossigam uma relação de boa vizinhança e pacifismo, sem ofensas ao senhor Garlick e à sua mulher e eles deverão proceder do mesmo modo em relação a vós.» Esta pequena história é importante? Julgo que sim. Após a decisão de Winthrop, Easthampton não teve mais acusações de bruxaria, apesar de esse mesmo assunto ter vindo a paralisar comunidades do Massachusetts ao longo de vários anos. Quanto a os residentes dos Hamptons exercerem boa vizinhança, isso ainda é um trabalho em progresso.