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Yvonne recusou a oferta do comandante Fairfax de que um dos seus homens a acompanhasse de volta ao camarote.

— Vai correr tudo bem — dissera ela. — Só preciso de estar um pouco sozinha para rezar pelo meu querido Roger.

Quando ela saiu, o comandante perguntou a Saunders.

— O que acha?

— Ela admitiu que não o viu cair. Também admitiu que eles os dois já tinham bebido demais. E isso antes de irem a um cocktail. Não estou nada convencido de que ele tenha caído.

— Nem eu — concordou Fairfax. — A última vez que tivemos um episódio deste género num navio que eu comandava, a mulher insistia que tinha visto o marido a ser levado quando o barco embateu numa vaga. Se o tipo tiver caído borda fora, ele teve muita sorte. Porque foi cair ileso na cama de uma flausina vários andares abaixo.

— Nesse caso, o que vamos fazer? — perguntou Saunders.

Antes de o comandante ter a oportunidade de responder, o telefone tocou. Ele atendeu. Ainda que o telefone não estivesse em alta-voz, Saunders conseguia ouvir tudo o que Gregory Morrison, o tempestuoso proprietário do navio, dizia.

— Que raio se está a passar? — perguntou a voz do outro lado da linha.

— Uma passageira relatou-nos a possibilidade de o marido ter…

— Isso sei eu, porra — berrou Morrison. — O que eu quero saber é que raio estão vocês a fazer a esse respeito.

— Eu e o senhor Saunders interrogámos a vi… — O comandante ia dizer «viúva», mas deteve-se. — A esposa do homem que pode ter caído borda fora. Tanto ela como o marido tinham bebido bastante e ela admite que não o viu efetivamente a cair. O que eu recomendo…

— Eu digo-lhe o que você não vai fazer, Fairfax. Você não vai dar a volta ao navio em circunstância alguma. Eu não quero ouvir falar de manobras de Williamson.

O comandante esfregou as têmporas enquanto segurava no telefone. Uma manobra ou volta de Williamson é quando um navio muda de direção a alta velocidade. Como todos os comandantes, fora treinado para fazer isso. Se estivesse convencido de que Pearson caíra mesmo ao mar, ordenaria que se fizesse a manobra de Williamson e instruiria os tripulantes a fazerem incidir focos de alta potência na superfície da água. Seriam largados no mar os barcos de salvamento especiais, com motor externo. Também ficaria à sua consideração enviar barcos salva-vidas para ajudar nas buscas. O seu MSQ, Manual de Segurança e Qualidade, descrevia os procedimentos que devia seguir.

Mas ele só era obrigado a agir no caso de uma ou, de preferência, duas testemunhas verem o passageiro cair à água. Neste caso, ele tinha uma testemunha alcoolizada que, perante um pouco de insistência, admitira que não vira o marido cair borda fora. E tinha um proprietário que iria lutar com ele com todas as suas forças se ele tomasse medidas mais agressivas para procurar Pearson na água.

— Vou ordenar uma busca minuciosa ao navio. Temos as fotografias dos passaportes de todos os passageiros. Vou dar instruções para que sejam feitas cópias da fotografia de Pearson e que sejam distribuídas entre os membros da minha tripulação que vão conduzir as buscas.

Okay — respondeu Morrison, soando apaziguado. — Mas não quero que obriguem os passageiros a recolher aos quartos. Os tripulantes que batam às portas dos camarotes à procura do Pearson. Se ele estiver num dos quartos, há de responder.

A chamada terminou antes de Fairfax ter oportunidade de responder.

Foi Saunders quem falou primeiro.

— Pela segunda vez, pergunto, o que vamos fazer?

— Você ouviu o homem — respondeu o comandante. — Vamos fazer buscas no navio.