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Celia fechou a porta da suíte com um sorriso nos lábios e pousou a bolsa em cima da mesa de centro. Parecia que fora há tanto tempo que almoçara com Alvirah e Willy e tinha sido reconfortada pelo otimismo alegre de Alvirah de que tudo iria correr bem. Sabia que alguns dos passageiros a tinham identificado como a ex-noiva e possível coconspiradora de Steven Thorne. Acontecera-lhe várias vezes olhar à volta e captar a expressão de embaraço de alguém que estava a olhar diretamente para ela.

Durante vários minutos, permaneceu sentada na beira da cama, tentando dizer a si mesma que não podia desistir. Pensava agora se teria sido um erro usar aquele vestido nessa noite. Recebera muitos elogios em relação a ele, mas talvez as pessoas que os tinham feito se tivessem questionado se ele lhe teria sido comprado por Steven com dinheiro de outras pessoas. Até era possível que alguns dos seus investidores se encontrassem a bordo naquele momento.

Ele enganara descaradamente as pessoas que tinham caído na sua promessa enfeitiçante de lucros espetaculares.

Não faço bem nenhum a mim mesma estar para aqui com estes pensamentos, disse para si própria, enquanto levava as mãos às orelhas para tirar os brincos. Foi nesse momento que o telefone tocou.

A pessoa que lhe estava a ligar não perdeu tempo com cumprimentos.

— Celia, isto é um pedido abusivo, mas será que podia vir à minha suíte? É muito, mas mesmo muito importante. E sei que isto pode parecer ridículo, mas pode trazer a sua lupa consigo?

Celia não conseguiu disfarçar o tom de surpresa na voz quando respondeu:

— Se assim o desejar — disse, e estava prestes a perguntar a Lady Em se estava a sentir-se mal. Mas, em vez disso, disse: — Vou já para aí.

A porta da suíte de Lady Em estava ligeiramente entreaberta. Com um toque suave, a porta abriu-se e Celia entrou no quarto. Lady Em encontrava-se sentada num cadeirão estofado a veludo vermelho. Celia teve a impressão de estar a contemplar uma rainha no seu trono. Há algo de majestoso em Lady Em, pensou. Mas a voz da idosa era de exaustão quando lhe disse:

— Obrigada, Celia. Eu não podia imaginar que iria pedir-lhe para vir até aqui a esta hora.

Celia sorriu. Atravessou a sala em passadas largas e sentou-se na cadeira que se encontrava mais próxima da de Lady Em. Vendo a fadiga óbvia no rosto da anciã, não perdeu tempo.

— Lady Em, no que posso ajudá-la?

— Celia, antes de lhe dizer porque lhe pedi para vir até aqui, quero que saiba duas coisas. Eu tenho conhecimento da situação vergonhosa que envolve o seu noivo. E quero assegurar-lhe que estou cem por cento segura de que não teve nada que ver com o assunto.

— Obrigada, Lady Em. Ouvi-la dizer isso é muito importante para mim.

— Celia, é tão bom poder falar francamente com alguém em quem confio. Deus sabe que há poucas pessoas no mundo em quem possa confiar por estes dias. E, por causa disso, tenho um sentimento de culpa avassalador. Tenho quase a certeza de que a morte do Roger não foi um acidente, mas sim um suicídio, e de que foi por minha causa.

— Por sua causa! — exclamou Celia. — Mas que motivos pode ter para pensar…?

Lady Em ergueu a mão.

— Celia, escute-me. Eu posso explicar-lhe tudo de forma muito simples. Eu estive numa festa na véspera de embarcarmos. Há várias décadas, eu e Richard contratámos os serviços da empresa de contabilidade e gestão que foi fundada pelo avô do Roger e mantivemos essa relação profissional quando o pai dele tomou conta da firma. Quando ele morreu num acidente, há sete anos, eu continuei com o Roger. Nessa festa, encontrei um velho amigo que me advertiu para ter cuidado. Ele disse-me que o Roger não tinha a mesma integridade do pai e do avô. Havia boatos de que alguns clientes dele acreditavam que ele lhes andava a desviar dinheiro das contas. Esse meu amigo sugeriu-me que contratasse uma empresa independente para verificar as minhas contas e certificar-me de que estava tudo em ordem. Eu fiquei tão perturbada com aquele aviso que comuniquei ao Roger a minha decisão de avançar com uma auditoria. — Numa voz subitamente triste, prosseguiu: — Eu conheço o Roger desde que ele era uma criança. Quando eu tinha o meu iate, convidava frequentemente a mãe e o pai dele para fazerem férias comigo. Eles traziam obviamente o Roger. Eu dizia a brincar que ele era o meu filho substituto. Que belo filho me saiu.

— O que teria feito se uma auditoria às suas finanças provasse que estava certa?

— Tê-lo-ia processado — afirmou Lady Em, com firmeza. — E ele sabia disso. Há uns anos, o meu chef, que trabalhava comigo há vinte anos, e cujos estudos universitários dos filhos eu custeei, começou a manipular as minhas contas de alimentação e de bebidas. Eu recebo pessoas com frequência, pelo que demorei meses a apanhá-lo. Ele foi condenado a dois anos de prisão.

— Ele mereceu — disse Celia, veementemente. — Quem engana os outros, sobretudo pessoas que são boas para eles, devia ser preso.

Lady Em fez uma pausa e a seguir perguntou:

— Celia, trouxe o seu microscópio?

— Trouxe, sim. Chama-se lupa.

Pela primeira vez, Celia apercebeu-se de que Lady Em tinha uma pulseira na mão.

— Por favor, analise esta peça e diga-me o que pensa dela — disse, ao entregar a joia a Celia.

Celia enfiou a mão na sua mala e tirou de lá a lupa. Segurou-a junto ao olho e rodou a pulseira lentamente à sua frente.

— Infelizmente, não tenho boas notícias. Os diamantes são de qualidade inferior, do tipo usada nas chamadas joalharias barateiras.

— Era precisamente o que eu esperava que me dissesse.

Celia reparou no tremor no lábio de Lady Em. Após um momento, ela disse-lhe:

— E infelizmente isso significa que a Brenda, a minha empregada de confiança e minha acompanhante há vinte anos, também me anda a roubar.

Pegou de novo na pulseira.

— Vou voltar a guardá-la no cofre e agir como se não se passasse nada. Receio já ter dado à Brenda uma indicação de que estou preocupada que algo não me parecia bem.

Ergueu a mão e abriu o fecho do colar de Cleópatra.

— Celia, estou desesperada com o receio de ter sido uma mulher muito tonta a ponto de ter trazido este tesouro nesta viagem. Mudei de ideias em relação a dá-lo ao Smithsonian. Quando regressar a Nova Iorque, vou entregá-lo aos meus advogados e indicar-lhes que tratem com a firma do senhor Cavanaugh para que seja devolvido ao Egito.

Celia desconfiava saber a resposta, mas perguntou, mesmo assim:

— O que a fez mudar de ideias?

— O senhor Cavanaugh é um jovem muito simpático. Ele fez-me admitir para comigo mesma que, independentemente de quanto o pai do Richard tenha pago pelo colar, ele provém de um túmulo saqueado. O correto é devolvê-lo ao Egito.

— A senhora não pediu a minha opinião, Lady Em, mas creio que está a tomar a decisão certa.

— Obrigada, Celia — disse Lady Em, passando os dedos pelo colar. — Esta noite, na receção, o comandante Fairfax implorou-me que lho entregasse para ele o guardar no seu cofre pessoal e ter um guarda à porta do camarote dele, a guardá-lo. Ele disse-me que a Interpol o informou de que acreditam que o Homem das Mil Caras, um ladrão internacional, esteja neste navio. O comandante incitou-me a entregar-lhe o colar esta noite depois do jantar. Eu disse que tencionava usá-lo amanhã à noite, mas acho que é capaz de ser um erro.

Quando o colar escorregou do seu pescoço, ela apanhou-o e entregou-o a Celia.

— Por favor, aqui tem. Guarde-o no cofre no seu quarto e entregue-o ao comandante de manhã. Eu não tenciono sair da minha suíte amanhã durante todo o dia. Vou pedir que me sirvam aqui as refeições e deixar a Brenda por sua conta. Para ser muito franca, preciso de algum tempo de silêncio para decidir o que fazer a respeito do roubo de Brenda e de Roger.

— Eu faço o que a senhora quiser — disse Celia, levantando-se. — Enrolou os dedos em torno do colar e, num impulso, abraçou Lady Em e beijou-lhe a testa. — Nenhuma de nós merecia o que nos aconteceu, mas vamos as duas ultrapassá-lo.

— Vamos, sim.

Celia dirigiu-se à porta e a seguir desapareceu no corredor.