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O comandante Fairfax e John Saunders responderam aos gritos de comando de Morrison para se dirigirem imediatamente à sua suíte.

— Como é que essa história saiu para o exterior? — inquiriu Morrison, apoplético. — Quem lhes contou o que aconteceu?

— Só posso presumir que a fonte tenha sido o Homem das Mil Caras — respondeu Saunders.

— E o doutor Blake? E o mordomo?

O comandante Fairfax endireitou-se, mas tentou não deixar a sua fúria transparecer.

— Ainda que a minha vida dependesse disso, eu garantiria que o doutor Blake nunca revelaria essa informação. Em relação ao Raymond Broad, tal como lhe disse, eu nem estou certo de que ele esteja ciente que Lady Haywood foi vítima de um crime. Se tivesse de adivinhar, concordaria com o que o senhor Saunders acaba de dizer. Parece-me mais provável que seja outro exemplo do Homem das Mil Caras a gabar-se à imprensa.

— Espere um bocado. E aquele tipo, o detetive da Interpol? Como é que ele se chama? — perguntou Morrison, com as rugas da testa acentuadas.

— Devon Michaelson, senhor Morrison — respondeu o comandante Fairfax.

— Diga-lhe que eu quero que ele venha aqui acima imediatamente. E é já — rugiu Morrison.

Sem responder, Fairfax pegou no telefone.

— Ligue-me para a suíte de Devon Michaelson — pediu. Ao fim de três toques, ele atendeu. — Senhor Michaelson, fala o comandante Fairfax. Estou na suíte do senhor Morrison. Ele deseja que suba de imediato para reunir com ele.

— Claro. Eu sei onde é. Vou já para aí.

Durante uns longos três minutos, fez-se um silêncio desconfortável. O mesmo foi quebrado quando Devon Michaelson bateu à porta e a abriu.

Morrison não perdeu tempo com boas maneiras.

— Ouvi dizer que trabalha para a Interpol — disse, bruscamente. — Tivemos um assassínio e uma joia de valor inestimável desapareceu. Não era para você evitar que isto acontecesse?

Michaelson não tentou disfarçar a fúria do seu rosto.

— Senhor Morrison — respondeu, num tom gelado. — Presumo que irá fornecer-me as gravações de segurança da zona de refeições e dos corredores que dão acesso à zona onde a suíte de Lady Haywood está situada.

O comandante Fairfax respondeu:

— Senhor Michaelson, provavelmente não está a par do que se passa na maioria dos navios de cruzeiro. Mas, uma vez que prezamos a privacidade dos nossos passageiros, não temos câmaras de videovigilância nos corredores.

— Bom, isso significa que também estão a proteger a privacidade de um ladrão e assassino. Já lhe ocorreu que, em virtude dos valores que os seus passageiros guardam nas suas dispendiosas suítes, seria adequado ter um segurança em permanência?

— Não me diga como devo gerir o meu navio — ripostou Morrison. — Guardas por todo o lado! Eu dirijo um navio de luxo, não uma prisão. Bom, tenho a certeza de que o senhor é um excelente detetive e a esta altura já resolveu o caso. Porque não nos diz a todos o que aconteceu?

O tom de Michaelson era igualmente frio.

— Posso dizer-lhe que estou a observar várias pessoas com a máxima atenção.

— Eu quero saber de quem se trata — exigiu Morrison.

— A experiência ensinou-me a começar por me concentrar no indivíduo que encontrou o corpo. Grande parte das vezes essa pessoa não está a dizer tudo o que sabe. Estou a fazer uma pesquisa mais detalhada sobre o passado do vosso mordomo, Raymond Broad.

— Asseguro-lhe que todos os empregados a bordo foram minuciosamente investigados antes de terem sido contratados — insistiu Saunders.

— Tenho a certeza de que sim — disse Michaelson. — Mas eu asseguro-lhe que os recursos de investigação da Interpol suplantam os seus por uma larga margem.

— Quem mais? — perguntou Morrison.

— Há vários passageiros cujos passados me interessam. Por agora, vou apenas partilhar o nome de um deles. O senhor Edward Cavanaugh.

— O filho do embaixador? — perguntou Fairfax, desapontado.

— Ted, como é conhecido. Cavanaugh viaja extensivamente pela Europa e Médio Oriente. Eu revi os registos de voos dele, assim como os carimbos do passaporte e os registos de hotéis. Seja coincidência ou não, tem andado muito próximo dos locais onde ocorreram os roubos do Homem das Mil Caras nos últimos sete anos. E demonstrou um interesse inequívoco no chamado colar de Cleópatra. E agora que respondi às vossas perguntas, estou de saída.

Quando a porta se fechou atrás de Michaelson, o comandante Fairfax disse:

— Senhor Morrison, um outro assunto. Eu tenho sido inundado por telefonemas e emails da imprensa a tentarem obter comentários acerca da causa de morte de Lady Em e se o colar de Cleópatra desapareceu. Como pretende que eu responda?

— Mantemos a nossa história de que Lady Em morreu de causas naturais e ponto final — ripostou Morrison.

Fairfax perguntou:

— Nós sabemos que o colar efetivamente desapareceu. Devemos avisar os nossos passageiros para terem cuidado com os seus objetos de valor?

— Nem uma palavra acerca de joias desaparecidas ou roubadas — ripostou Morrison. — É simples.

Os dois homens tomaram aquelas palavras como uma dispensa e deixaram a suíte. Apesar de serem apenas dez da manhã, Gregory Morrison foi até ao bar da suíte e serviu a si mesmo um generoso copo de vodca. Não era dado a rezar, mas pensou: meu Deus, não permitas que tenha sido um empregado que a matou.

Dali a dez minutos, Morrison recebeu um telefonema do gabinete de relações públicas da sua empresa. Disseram-lhe que, além do rumor de que Lady Em tinha sido assassinada e o colar fora roubado, também havia notícias que diziam que, por causa da entrevista que saíra na revista People, Celia Kilbride ia ser novamente interrogada pelo FBI em relação ao seu envolvimento na fraude do fundo de risco. Uma vez que ela era oradora convidada no Queen Charlotte, ele e o comandante deviam estar preparados para terem de responder a perguntas dos passageiros.

— Eu já devia saber — rosnou Morrison. Desligou o telefone e ligou ao seu chefe da segurança para ele voltar à sua suíte.

Quando Saunders chegou, ele perguntou-lhe, num tom de voz tremendamente calmo.

— Estava informado de que uma das nossas conferencistas, Celia Kilbride, está sob suspeita por estar envolvida numa fraude?

— Não, não estava. Os conferencistas são contratados pelo diretor de entretenimento. O meu foco incide especialmente sobre os passageiros e os empregados da Castle Line.

— Quando é que a Kilbride tem a próxima palestra?

Saunders pegou no seu iPhone, digitou várias vezes e respondeu:

— Esta tarde, na sala de cinema. Mas não é uma palestra. É uma conversa com o senhor Breidenbach, o diretor de entretenimento, e ela também vai responder a perguntas do público.

— Bom, diga-lhe que esqueça isso. Só me faltava as pessoas saberem que eu contratei uma ladra para dar uma palestra no meu navio!

Saunders respondeu com cuidado:

— Senhor Morrison, julgo ser do nosso interesse manter as coisas o mais próximas possível da normalidade, pelo equilíbrio da viagem. Tem a noção de que, se cancelarmos a conferência da menina Kilbride, além de desapontar os passageiros, seria como se anunciássemos que desconfiamos que ela é culpada pelo roubo e pelo homicídio que ocorreram na suíte de Lady Haywood. É isso que pretendemos fazer?

— Ela é gemóloga, não é?

— É.

— Então isso significa que a conversa é sobre joias, certo? Já lhe ocorreu que a maioria dos passageiros que vão assistir sabe que a Kilbride está a ser investigada por participar numa fraude?

— Eu diria que sim, que sabem. Contudo, na essência, uma vez que nós sabemos que houve um homicídio a bordo e o agente da Interpol não mencionou o nome dela, também estaria, por defeito, a dizer que acha que ela esteve envolvida. Podia haver repercussões desagradáveis. Se se vier a provar que ela não é culpada, ela pode acusá-lo de difamação de caráter. Eu aconselho-o vivamente a não cancelar a apresentação que ela tem agendada.

Morrison refletiu.

— Muito bem, se ela estiver em palco uma hora, pelo menos sei que não vai estar na suíte de outra velhinha a matá-la e a roubar mais joias. Mantenha a programação. Eu vou certificar-me de que vou lá estar a ouvi-la.