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A quinhentas milhas náuticas dali, o médico do navio examinava ansiosamente o seu novo paciente. Nem sequer sabia o nome dele. Não havia nenhuma identificação na pouca roupa que ele ainda tinha vestida quando o retiraram da água.
O homem sofria de hipotermia e tinha uma infeção respiratória. As poucas palavras que proferira eram praticamente incompreensíveis. «Empurrou-me, apanhem-na», repetiu ele várias vezes. Mas, com quarenta graus de febre, o médico atribuiu as verbalizações a um surto delirante.
Olhou para cima quando a porta se abriu e o comandante do navio entrou na sala. O comandante não perdeu tempo com boas maneiras.
— Como é que ele está? — perguntou bruscamente, ao mesmo tempo que observava o passageiro inesperado que fora trazido para bordo dez horas antes.
— Não sei, comandante — respondeu o médico, num tom, como sempre, deferente para com ele. — Está estabilizado, mas tem a respiração muito ofegante. Ainda não está livre de perigo, mas acho que se vai safar.
— Tendo em conta as temperaturas baixas destas águas, estou surpreendido que tenha conseguido sobreviver. Se bem que não sabemos quanto tempo esteve dentro de água — comentou o comandante.
— Pois não. Mas ele tinha duas coisas a favor dele. Na comunidade médica brincamos muito com o facto de as pessoas mais aptas para resistir ao frio serem as gordas e em forma. A camada adiposa considerável provavelmente isolou os órgãos internos dele, tornando-o menos vulnerável à hipotermia. Mas ele tem ombros musculados e pernas de nadador. Quando estava a debater-se na água, esses músculos terão gerado calor, oferecendo proteção adicional contra o frio.
O comandante ficou um minuto em silêncio e a seguir ripostou:
— Bom, dê o seu melhor e mantenha-me a par. Ele já disse o nome?
— Não, comandante, não disse. O médico não referiu que o paciente estava a balbuciar que tinha sido «empurrado». Ele sabia que o comandante preferia factos concretos em lugar de especulações. Tinha a certeza de que aquelas verbalizações iam acabar por se revelar como fruto de delírio induzido pela hipotermia, quando e se o paciente recuperasse.
— Espera que ele sobreviva? — perguntou o comandante.
— Espero sim, comandante. E não vou sair de ao pé dele até ter a certeza de que ele está fora de perigo.
— Quanto tempo pensa que isso irá demorar?
— Saberemos mais alguma coisa durante as próximas sete horas, senhor.
— Notifiquem-me imediatamente se ele recuperar a consciência — disse o comandante, ao sair da sala.
Imediatamente, o médico do navio puxou uma cadeira reclinável para o lado da cama, recostou-se e puxou um cobertor até ao pescoço.
Bons sonhos, Senhor Passageiro Mistério, pensou ele, enquanto fechava os olhos e mergulhava num sono profundo.