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— Willy, nós temos de pensar bem — afirmou Alvirah, com firmeza, quando se agarrou ao braço do marido para se equilibrar no navio que baloiçava fortemente.

— Segura-te, querida. Eu agarro-te — disse Willy calmamente, enquanto segurava no braço de Alvirah com uma mão e o corrimão com a outra.

— Vamos para uma sala das mais sossegadas — sugeriu Alvirah. — Precisamos de conversar.

— Eu pensei que querias caminhar.

— Não, não quero. Nunca se sabe se alguém pode estar a ouvir-nos.

— Acho que somos os únicos aqui fora, mas está bem.

Acomodaram-se no Salão de Chá Inglês e pediram café. Quando tinha a certeza de que o empregado de mesa estava na cozinha com a porta fechada, Alvirah sussurrou. — Willy, nós temos de perceber isto tudo agora.

Willy bebeu um gole satisfatório de café.

— Querida, aquilo que mais me preocupa é o que vou fazer com o raio deste colar.

— Não te preocupes. Nós havemos de descobrir — disse Alvirah, confiante. — Mas vamos pensar no que sabemos até agora. Alguém matou a pobre Lady Em e tentou roubá-la. Sabemos que o assassino não conseguiu ficar com o colar da Cleópatra porque ela tinha-o dado à Celia. E sabemos que, imediatamente antes de morrer, Lady Em disse à Celia que o Roger Pearson, que Deus o tenha em descanso, e a Brenda Martin andavam a roubá-la.

Willy anuiu.

— Eu acreditei em tudo o que a Celia nos disse. E tu?

— Também, claro. Se a Celia fosse culpada, porque nos entregaria o colar? — Alvirah fez uma pausa. — Mas a questão não é essa.

— Então qual é?

— Willy, é óbvio. Quem matou Lady Em queria o colar. E como não o conseguiu encontrar, o assassino ou assassina pensou que era a Brenda que o tinha e foi atrás dela.

— Ele ou ela? — perguntou Willy.

— Claro, pode ser homem ou mulher. E sabes em quem eu aposto? — Tratava-se de uma pergunta de retórica. — Eu apostava na Yvonne.

— A Yvonne?

— Willy, vamos pôr de parte para já o Homem das Mil Caras. Ninguém tem a certeza se ele estará mesmo no navio. Vamos centrar-nos na Yvonne. Repara na maneira como ela se tem passeado pelo navio desde que o marido caiu ou foi empurrado.

Willy franziu o sobrolho.

— Tu estás a dizer que achas que a Yvonne empurrou o Roger borda fora?

— Não digo que ache isso, mas é perfeitamente possível. Quer dizer, olha para ela. Ela não faltou a um único pequeno-almoço. Até tem andado por aí com as duas amigas dos Hamptons. Tenho andado a observá-las e devo dizer-te: a Yvonne não é uma viúva desgostosa. Como te sentirias se eu tivesse caído ao mar?

— Isso nunca iria acontecer. Em primeiro lugar, eu não te deixava sentares-te no corrimão. E em segundo, agarrava-te se estivesses a cair. E se não conseguisse evitar que caísses, também me atirava à água para te ajudar.

Os olhos de Alvirah amoleceram.

— Eu sei que o farias e é por isso que te amo tanto — respondeu ela. — Mas tenho de te dizer que a Yvonne não é a única que eu tenho debaixo de olho. Quem mais? A Anna DeMille…

Willy interrompeu:

— Aquela que conta aquela piada idiota acerca de não ser da família do Cecil B. DeMille?

— Exatamente. Acho que é inofensiva.

— Concordo — disse Willy, enquanto terminava o café. — Está demasiado ocupada a tentar conquistar o Devon Michaelson para se pôr a matar alguém por causa de um colar.

— De acordo. Risca-a da lista. Agora, vamos falar das outras pessoas das duas mesas. Há o professor Longworth.

— O estudioso de Shakespeare — disse Willy, abanando a cabeça. — Quanto a ele, não sei. Parece-me estranho, mas não do tipo de matar. E o Ted Cavanaugh? Ele andava a tentar aproximar-se de Lady Em.

— Pois andava — concordou Alvirah. — Mas não consigo imaginá-lo a matar Lady Em. E porque o faria? A Celia disse que Lady Em tencionava entregar o colar de Cleópatra ao Museu do Cairo.

— Isso era o que o Cavanaugh queria, mas ele sabia disso quando Lady Em foi morta?

Alvirah abanou a cabeça, com desdém.

— A Celia provavelmente não lhe disse porque isso seria admitir que viu Lady Em na noite antes de ela morrer. Tenho quase a certeza de que a Celia só nos confiou essa informação a nós os dois. Mas eu não acredito que o Cavanaugh matasse alguém. Ele vem de uma família tão boa. O pai dele foi duas vezes embaixador.

— Muitas pessoas de boas famílias tornam-se assassinos — comentou Willy.

Alvirah ignorou aquela possibilidade.

— Vamos pensar nisso. Quem mais esteve nas nossas mesas?

— O Devon Michaelson?

— Ah, claro, podia ser ele, mas de alguma maneira, não me parece. Quer dizer, ele veio neste navio para espalhar as cinzas da mulher, pobrezinho. Provavelmente passa a maior parte do tempo a esconder-se da Anna DeMille. Voltemos ao professor Longworth. Ele viaja muito. É um conferencista regular nestes navios, tal como a Celia.

— Só que o Longworth é reformado. A Celia trabalha a tempo inteiro na Carruthers.

— Ela espera ter esse emprego a tempo inteiro. Não sabe o que vai acontecer, graças àquele desgraçado do ex-noivo dela, que anda a tentar retratá-la como uma ladra.

— Bom, tenho a certeza de que ele não vai ter sorte nenhuma.

— Ele pode não ter sorte a relacioná-la com a fraude, mas isso não o impediu de fazer a vida dela num inferno.

— Querida, começo a ficar preocupado. O que vamos fazer com este colar quando chegarmos a Southampton ou quando voltarmos para casa? — Enquanto falava, Willy remexeu no bolso e ficou mais descansado quando os seus dedos tocaram no colar de esmeraldas.

— Chegamos a casa, telefonamos ao Ted Cavanaugh e entregamos-lhe o colar.

— E como explicamos que o temos?

— Estou a pensar nisso — respondeu Alvirah. — Entregar o colar a Ted era o que Lady Em queria. O Ted tem razão. O colar pertence ao povo do Egito. Cleópatra era sua rainha.

— Que grande sorte que ele lhe deu — disse Willy. Fitou a chávena de café vazia, mas sabia que Alvirah não ia querer que ele chamasse o empregado de mesa.

— Eu ainda tenho dúvidas em relação à Yvonne — refletiu Alvirah. — Mas penso nas coisas desta maneira: alguém seria capaz de tudo, incluindo matar, para obter o colar, de acordo?

— De acordo — ecoou Willy.

— Esse alguém matou Lady Em e tentou matar a Brenda, mas ainda não conseguiu o colar.

— Faz sentido, pelo menos pelo que sabemos até agora.

— O comandante podia ter anunciado que o colar estava seguro no seu cofre, mas não o fez. O que diz isso ao assassino?

— Que é outra pessoa, um dos passageiros, que o tem.

— Então, se fosses o assassino, quer fosse alguém que nós conhecemos do navio ou o Homem das Mil Caras, e estivesses a tentar perceber quem tinha o colar, e soubesses que não era Lady Em, o Roger ou a Brenda, quem acharias que o teria?

— A Celia Kilbride — respondeu Willy, prontamente.

— É para aí que o meu pensamento está a ir — confirmou Alvirah. — Não há dúvida de que, enquanto o assassino ainda está à solta, a Celia corre grande perigo.

Olhou para baixo e percebeu que só tinha bebido alguns goles do seu café. Resistindo à tentação de pegar na chávena, empurrou-a para Willy.

— Tenho estado a ver-te a olhar para a tua chávena vazia. Precisas de mais um bocadinho.

— Obrigada — disse Willy, pegando avidamente na chávena.

— Willy, cabe-nos a nós os dois garantirmos que não acontece nada à Celia antes de chegarmos a Southampton.

Se chegarmos a Southampton — disse Willy, ao sentir um balanço pronunciado do navio.