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Ted e Celia tinham ambos regressado aos respetivos camarotes para fazer as malas. Às dez horas dessa noite, as suas malas encontravam-se à porta. Ted esperou até ouvir a segunda volta na fechadura dela antes de ir para o seu quarto.
Às sete da tarde, acompanhou Celia à sala de jantar, mas ela recusou o convite de ficar na mesa dele.
— Ted, sabes que eles não gostam de trocas de mesas nestes cruzeiros. Para continuar a ser oradora, tenho de seguir as regras. E nós vamos estar a menos de dois metros um do outro.
Ted concordou com relutância, mas quando se sentou percebeu que olhava os ocupantes das duas mesas como se os visse com olhos diferentes. Olhou calorosamente para Alvirah e Willy, sabendo que Celia confiava neles. Sabia agora que Willy tinha o colar de Cleópatra, possivelmente no bolso, e que a joia estava segura com ele. Willy era um homem grande e forte, com braços musculados. Quem tentasse roubar-lhe alguma coisa tinha uma luta pela frente.
Eliminou Anna DeMille da sua consideração. Ela parecia coerente no seu papel de quem estava no seu primeiro cruzeiro. Tinha ganho uma rifa da igreja. Era a sua primeira viagem ao estrangeiro. Se o Homem das Mil Caras fosse uma mulher, ela seria a última pessoa a bordo de quem ele suspeitaria.
Devon Michaelson? Pouco provável, pensou. Acredito na história de ele de ter vindo espalhar as cinzas da mulher. E a maneira como tem evitado as investidas de Anna é consistente com um viúvo sofredor.
Depois de ter olhado para os seus companheiros de mesa, olhou para a mesa ao lado. Soube de imediato que não gostava de Gregory Morrison. Ele pode ser o dono do navio, pensou, mas este devia ter custado uma fortuna a construir. O colar de Lady Em era um grande prémio para ele ganhar. Claro que ninguém podia arriscar tentar vendê-lo. Mas cada uma das esmeraldas valeria uma fortuna no mercado joalheiro.
Quanto mais pensava nisso, mais Ted se interrogava se para Morrison ter o colar de Cleópatra, tal como ter aquele navio, seria mais um troféu mais valioso do que a própria vida. Mesmo escondido, para Morrison o colar seria uma afirmação do seu sucesso no mundo. Ele podia realmente ter o que quisesse e tudo faria para o conseguir.
Morrison podia decididamente ser suspeito. E Ted também não gostou da maneira como o dono do navio aproximou a sua cadeira da de Celia.
Então e Yvonne? Se Lady Em ameaçara uma inspeção externa à forma como Roger Pearson conduzia os seus assuntos, era bem possível que também ela fosse considerada cúmplice no roubo dele.
Ela não é brilhante, decidiu Ted, mas é suficientemente esperta e talvez maldosa para se proteger de qualquer maneira ao seu alcance.
Brenda Martin? Não. Ela não se conseguia ter asfixiado e qual seria o objetivo? Era Celia quem tinha o colar de Cleópatra.
O professor Longworth? Claro, uma possibilidade, mas não era grande probabilidade. Ted sabia que ele tinha viajado muito, a dar palestras em universidades de elite e em navios por todo o mundo. Incluindo no Egito. Mas era definitivamente alguém a ter em mente.
Os olhos de Ted dirigiram-se para a mesa do comandante. E Fairfax? Ele viajava facilmente pelo mundo e tinha incitado Lady Em a entregar-lhe o colar. Teria ficado chateado quando ela o tinha recusado? A ponto de a matar. Por outro lado, se ela lho tivesse entregado, ele não tinha como recusar devolvê-lo ao património dela. Por isso, ele não era grande aposta como assassino e ladrão.
Insatisfeito com as suas conclusões, Ted voltou-se de novo para a sua mesa. Reparou que, como de costume, Anna DeMille roçava o braço contra Michaelson. Santo Deus, que chata, pensou Ted. Pobre Michaelson. Se a Anna DeMille cair ao mar, ele está na lista principal de suspeitos
Numa tentativa de encetar conversa, Ted perguntou:
— Tenho a certeza de que todos já fizeram as malas?
— Nós já — anunciou Alvirah.
— E eu também — respondeu Anna. — Apesar de ter de dizer que me vieram as lágrimas aos olhos quando fechei a mala e pensei que podia não voltar a ver nenhum de vocês — disse, num comentário obviamente dirigido a Devon Michaelson que ficou vermelho de raiva.
Alvirah tentou quebrar a tensão.
— Nós adorávamos manter o contacto consigo, Anna — disse, e ignorou o olhar desapontado de Willy quando ela tirou um papel da mala e escreveu o endereço de email de ambos. Hesitou por um momento, mas decidiu não acrescentar a morada de casa e o número de telefone. Willy já perdeu a paciência comigo, pensou.
A última refeição foi divinal. Todos concordaram. Mais uma vez, havia um aperitivo de caviar; filete de solha ou rosbife; salada; cheesecake e gelado com frutos silvestres e um molho licoroso; café, expresso, cappuccino e chá.
O vinho acompanhava os vários pratos. Ted deu por si a recordar com carinho a tosta de queijo, bacon e tomate do almoço. Não quero mais comida gourmet pelo menos durante um ano, pensou.
O comentário de Willy acompanhou o pensamento dele.
— Volto para o ginásio mal cheguemos a Nova Iorque — disse, decidido.
— E eu também — suspirou Alvirah. Duvido que caiba na minha roupa chique durante uns tempos. E eu que estava a ir tão bem com a minha dieta.
Anna DeMille suspirou.
— Eu não tenho comida desta no Kansas — declarou, e olhou ternamente para Devon. — Como é a comida em Montreal?
Devon parecia cada vez mais frustrado por, uma vez mais, ser posto numa situação em que ou tinha de ser mal-educado ou tinha de participar numa conversa que não lhe interessava.
— Montreal é uma cidade muito cosmopolita. Pode encontrar-se lá praticamente todo o tipo de comida.
— Tenho a certeza que sim. Eu sempre quis ir lá. Esta manhã vi no meu computador, com agradável surpresa, que há voos diretos de Kansas City para Montreal.
Na mesa ao lado, o jantar estava a chegar ao fim. Morrison não tinha intenção de ficar a noite toda, mas estava cada vez mais intrigado com Celia. Já tinha percebido quem ela lhe fazia lembrar. Jackie Kennedy, claro. Uma das mulheres mais bonitas e mais inteligentes que alguma vez pusera os pés na Casa Branca.
Quando terminaram o café, ele disse:
— Celia, eu regresso constantemente ao meu escritório de Nova Iorque. Como pode compreender, não posso ficar no navio durante os três meses da viagem à volta do mundo. Espero que me dê o prazer de jantar comigo muito em breve em Manhattan ou que me acompanhe nas minhas férias no meu barco.
Ted ouviu aquilo e de repente estava atrás da cadeira de Celia. Para que Morrison e todos à sua volta ouvissem, perguntou:
— Estás pronta para ir, querida?
O sorriso dela respondeu à pergunta. Como se tivesse havido um sinal silencioso, todos se levantaram e deram as boas-noites. Uma vez que iam madrugar, ninguém sugeriu uma bebida antes de deitar.