95

Algumas horas mais tarde, Alvirah acordou sobressaltada. Sentiu o coração acelerado e tentou acalmar-se depois de ter sonhado com Celia. Não há maneira de conseguir voltar a dormir, pensou enquanto vestia o robe e saía para o quarto exterior da suíte.

Sem saber bem porquê, abriu a porta que dava para o corredor. A luz suave fê-la pestanejar. Devia ir ao quarto da Celia, bater-lhe à porta e certificar-me de que ela está bem, pensou. Uma olhadela para o relógio fê-la sentir-se tonta. A Celia não precisa que eu a assuste ao ir bater-lhe à porta às três e meia da manhã. Devia meter-me na minha vida e voltar para a cama.

Ia fechar a porta quando o ouviu. Um barulho de metal a arrastar-se pelo corredor vindo da direção do quarto de Celia. Os seus ouvidos estariam a pregar-lhe partidas? Pouco depois, ouviu um grito abafado. Acabou pouco depois de começar, mas ela estava certa de saber de onde tinha vindo.

Ia acordar Willy, mas mudou de ideias. O Ted consegue chegar aqui mais depressa, pensou, e correu pelo corredor e começou a bater à porta dele.

— Ted, acorde. A Celia está em apuros.

Ted saltou de imediato, foi à porta de pijama e abriu-a. Alvirah estava no corredor, com um ar aterrado.

— Ouvi um ruído vindo do quarto da Celia.

Ted não esperou que ela terminasse a explicação. Correu pelo corredor na direção da suíte de Celia.

O primeiro instinto de Alvirah foi segui-lo. Mas parou, correu para o seu quarto, foi até à cama e sacudiu Willy.

— Willy, acorda, Willy. A Celia precisa de nós. Vá lá, Willy, levanta-te.

Enquanto Willy, assarapantado, vestia as calças que ali deixara para a manhã seguinte, ela explicava-lhe o que tinha ouvido. A seguir, ligou para a segurança e pediu que enviassem ajuda.

Num sono pesado, Celia mal se apercebeu de um ruído vindo do corredor. O estampido metálico de um alicate a cortar a corrente da porta integrou-se no sonho que estava a ter em que era criança e estava com o pai no parque. Quando ouviu o som de passos que se aproximavam, o intruso já estava em cima dela. Ela conseguiu dar um grito breve antes de uma mão forte lhe pôr um pano por cima da boca. Esforçando-se para respirar, olhou para cima e viu o rosto de um estranho por cima dela. Na outra mão do estranho estava uma pistola apontada à testa dela.

— Faz mais um som e vais ter com a tua amiga Lady Em. Percebeste?

Apesar de estar aterrada, Celia anuiu. Sentiu a pressão do pano na sua boca a aliviar e sentiu-o ser substituído por algo pegajoso e frio por cima dos seus lábios e do queixo. Era uma espécie de fita adesiva. Ao contrário de quando tinha o pano em cima do nariz, agora conseguia respirar livremente. Não fazia ideia de quem era o seu atacante, mas achou que havia na voz dele algo de familiar.

Ele começou a falar de novo enquanto lhe atava as mãos à frente dela e a seguir os pés. Quando falou, fê-lo numa voz surpreendentemente calma e ponderada.

— Celia, tu decides se morres ou não esta noite. Dá-me o que eu quero e os teus amigos encontram-te aqui em segurança de manhã. Se queres viver, diz-me onde está o colar de Cleópatra. Estou a avisar-te. Não me mintas. Eu sei que o tens.

Celia anuiu. Estava desesperada para fazer tempo para… para quê? Ninguém sabia que ela estava em apuros. Eu não lhe posso dizer que é o Willy que o tem. Ele mata-o e à Alvirah.

Gritou de dor e ele arrancou-lhe a fita.

— Muito bem, Celia. Onde está o colar?

— Eu não sei. Não o tenho. Lamento. Não sei.

— Isso é uma pena, Celia. Sabes que se costuma dizer que nada como o medo para fazer a mente focar-se.

A fita voltou a tapar-lhe a boca. Uns braços fortes arrancaram-na da cama e arrastaram-na até à porta da varanda. Estava frio e vento. Ela começou a tremer. Ele içou-a até ficar sentada no corrimão e debruçou-se sobre o oceano escuro a uns duzentos metros abaixo. Apenas a força que exercia sobre a corda que atava as mãos dela a impedia de cair.

— Muito bem, Celia. Vou perguntar-te uma vez mais quem tem o colar — disse ele, e arrancou-lhe a fita da boca. — Se continuares a não saber, eu acredito. Mas deixa de fazer sentido eu segurar esta corda. — Ele aliviou a força e deixou-a descair um pouco antes de a puxar para trás. Celia sentiu ondas de náusea e terror invadirem-na.

— Então como vai ser, Celia. Quem tem o colar?

— Ela não o tem — gritou Ted, entrando no quarto de rompante e correndo para a varanda. — Desça-a do corrimão já!

O intruso e Ted entreolharam-se, a menos de cinco passos um do outro. Uma mão segurava a corda que impedia Celia de cair, a outra a pistola apontada agora ao peito de Ted.

— Muito bem, queres ser herói. Onde está o colar?

— Eu não o tenho, mas posso ir buscá-lo — disse Ted.

— Não vais a lado nenhum. Ajoelha-te. Põe as mãos atrás da cabeça. !

Ted obedeceu, sem tirar os olhos de Celia. Apesar de Celia ter os pés atados, ele apercebeu-se de que ela tinha conseguido prender um deles ao poste por baixo dela.

— Muito bem, senhor Cavanaugh, diga-me onde está o colar, ou aqui a menina vai dar um mergulho.

— Espere — gritou Alvirah quando abriu a porta e ela e Willy correram para a varanda. — Ele não o tem. Está no nosso quarto — declarou Alvirah. — Liberte a Celia e nós levamo-lo até ele.

Enquanto Alvirah falava, Willy enfiou a mão no bolso. Sentiu o colar de Cleópatra que tinha escondido na noite anterior e tirou-o de lá.

— É disto que anda à procura? — gritou Willy, baloiçando o colar à frente do intruso, que focou o olhar no tesouro. Willy cruzou brevemente o olhar com Ted, que anuiu. Era uma oportunidade que tinham de aproveitar. — Deve mesmo querer muito isto, para estar disposto a matar por ele. Tome, aqui o tem.

Willy atirou o colar na direção do intruso, bem alto, e a única hipótese que ele tinha de o apanhar antes de ele cair ao mar era usando a mão em que tinha a pistola. Quando se estendeu para o colar, soltou a corda que segurava Celia em cima do corrimão. Ela começou a descair para trás, com o pé agarrado ao poste, travando momentaneamente a queda.

Ted, Alvirah e Willy entraram em ação. Ted saltou, estendeu a mão para o corrimão e agarrou os braços de Celia. Quando ela estava a cair, começou a arrastá-lo por cima do corrimão. Alvirah segurou a perna de Ted e agarrou-a com toda a força.

Willy mexeu-se imediatamente quando a atenção do intruso se prendeu em apanhar o colar. Enquanto Willy atravessou a varanda, o intruso apanhou o colar e dirigiu o braço onde tinha a pistola para Willy. Com uma palmada poderosa, Willy empurrou a mão do intruso. A pistola disparou perto da cabeça de Willy. Pistola e colar caíram ao chão da varanda. Willy agarrou o intruso pelos braços.

Ted fazia força em todos os músculos do seu corpo para segurar Celia. Tinha a cintura apoiada no corrimão da varanda desde que amparara a queda dela. Impedira-a de cair, mas não tinha força para puxá-la para trás, por cima do corrimão. Dali a um momento, sentiu o aperto forte de Alvirah nas suas pernas, impedindo-o de cair.

— Ted, larga-me. Tu cais. Tu cais.

Ela tentou desesperadamente libertar-se das mãos dele.

Willy e o intruso fitavam-se. Sem a sua pistola, o criminoso não estava à altura do corpulento ex-canalizador. Quando viu Alvirah e Ted a lutarem para segurar Celia, Willy soltou o intruso e correu para a varanda.

Ted sentia a parte de cima do seu corpo a deslizar sobre o corrimão. Willy correu para lá, estendeu os braços compridos e agarrou os cotovelos de Ted.

— Puxe-a e eu puxo-o a si.

Num desesperado e derradeiro esforço, conseguiu puxar Ted para dentro. Um momento mais tarde, os dois homens içaram Celia por cima do corrimão. Os três caíram com Alvirah no chão da varanda, exaustos e ofegantes.

O intruso sabia que se percorresse a curta distância até ao seu quarto ficava a salvo. Estava confiante de que ninguém o conseguiria identificar. A peruca, a barba e o casaco que tinha usado podiam ser atirados ao oceano.

Abriu a porta que dava para o corredor e congelou. O chefe da segurança Saunders tinha na mão uma pistola apontada à sua testa. Arrastou-o para o corredor, onde o comandante Fairfax e Gregory Morrison, ambos de roupões de banho do Queen Charlotte, lhe puserem os braços atrás das costas enquanto Saunders lhe prendia os pulsos com algemas e o levava de volta para o quarto.

Ted, com o braço por cima de Celia e Willy, abraçado a Alvirah, cambalearam para o interior do quarto.

— Alguém se magoou? — perguntou Saunders.

Foi Ted quem respondeu:

— Não, acho que estamos todos bem.

— Peço desculpa por termos demorado mais alguns minutos a chegar cá — disse Saunders. Virou-se para Alvirah e acrescentou: — Quando ligou para a segurança, erradamente presumimos que o roubo estava a decorrer no seu quarto. Fomos lá primeiro.

— Lamento — disse Alvirah. — É um velho hábito meu, começar por dar o número do meu quarto quando ligo.

Willy ajudou Alvirah a sentar-se numa cadeira e dirigiu-se com um ar ameaçador ao intruso.

— Eu não aceito bem que alguém aponte uma arma à minha mulher — disse ele, lançando a mão para a frente.

O intruso defendeu-se, esperando um murro de Willy. Mas este deteve-se, agarrou-lhe na barba e puxou-a com força. Um grito de dor acompanhou a barba a ser arrancada da pele.

Depois de ter deitado a barba ao chão, Willy agarrou um punhado de cabelo do intruso e puxou-o. A peruca saiu. Toda a gente na sala viu a cara desmascarada do atacante.

Willy foi o primeiro a falar.

— Ora, se não é o pobre viúvo que veio espalhar as cinzas da mulher. Tem muita sorte por eu não o atirar a si ao oceano Atlântico.

A seguir, foi a vez de Morrison falar, num tom transbordante de sarcasmo.

— Ora, é o inspetor Clouseau da Interpol. Eu sabia que você não valia nada. O meu Queen Charlotte tem uma bela sala-prisão. Você vai ser o primeiro hóspede.