Olá. Tenho tanto para te dizer que... nada tenho para te dizer. Não sei por onde começar. Receio cair no exagero do louvor, na patetice do lambebotismo (e quem mais merecedor que tu, de facto?), na injustiça do rancor e da inerente imprecação. Nada a que não estejas habituado, suponho. Assim, falo contigo aos repelões. Não me lembro se já tivemos muitas conversas, mas isso já tu sabes: a memória dos povos é fraca. Por sorte, a nossa imaginação compensa.
Sei que és meu amigo. E sei-o pela melhor das razões: porque sim. Sei também que me perdoas por dizer que não acredito em ti. Afinal de contas (e isso é talvez o que mais temos em comum), tanto um como o outro sabemos que, com conta e medida, a bazófia ainda é capaz de ser o menor dos defeitos humanos.
Poderia chamar-te meu pai, meu amigo, meu inimigo, meu ADN, meu vizinho, meu rival, meu senhor, meu santo protector, meu algoz, meu mentor, meu mais lindo sonho, meu pior pesadelo. Poderia chamar-te meu filho, o que iria dar ao mesmo, com a pequena diferença de essas duas palavras estarem investidas do máximo de afecto de que eu sou capaz — e creio que, para o bem ou para o mal, de muitos mais como eu.
Quando dizem que estás em toda a parte, não sei — mas penso que estás em todos os lugares da palavra, que estás em todas as palavras de todos os dicionários (sim, pá, até nessas) e, sobretudo, em todas as pessoas do singular e do plural. Poderia chamar-te nomes, poderia chamar-te outros nomes, poderia até — por pudor ou tradição — não te nomear. Não directamente, pelo menos. Poderia dizer que sou feito à tua imagem e semelhança e isso quereria talvez dizer que estamos prisioneiros um do outro, que as nossas acções são reflexo — ou distorção — das acções do outro. Que eu faço aquilo que tu pensas ou penso aquilo que tu fazes. Que há um cordão umbilical a ligar-nos; outros dizem que foi desligado e que o nosso destino é, ao longo dos tempos, até ao fim dos tempos, tentar religá-lo.
Há quem diga que a eternidade é uma distância infinita, eu gosto de pensar que cada dia é uma eternidade — cada dia é um mundo total, finito por fora mas infinito por dentro. Dentro de cada momento há tudo, há um universo em perpétuo movimento. E, sim, acredito que é possível ser feliz mesmo no momento do máximo desespero. Acredito que te aborrecem os milagres, por não passarem de próteses, soundbytes (tipo Angelina Jolie a visitar hospitais), em comparação com a multitude de milagres quotidianos que acontecem sem darmos por isso. Não sei se as pessoas são naturalmente boas ou más, mas acredito que a maioria faz mais o bem do que o mal, só que o mal tem melhores gestores de imagem. E acredito — tradução, gostava de acreditar — na ideia bonita de que não há despedidas, apenas interrupções temporárias: o amor segue dentro de momentos.