José Carlos Bomtempo — director criativo mccann erikson

 

 

Querido deus,

 

Antes de mais gostava que me deixasses tratar-te em caixa-baixa.

Escrevo-te por causa daquela nossa velha conversa. A mesma de sempre que vem depois das notícias das oito. Aquela conversa em que tu no final me dás sempre a volta com aquelas explicações lógicas e absolutamente racionais. Sabes perfeitamente. A história dos contrastes e das diferenças que criaste para o mundo. Estás a ver qual é? Aquela sobre os teus contrastes que geram as diferenças e as diferenças que geram desigualdades. Por favor, não vale a pena voltares a explicar-me. Já sei o que me vais dizer. És mesmo meu pai.

 

Por favor, mantém as tuas diferenças mas acaba com a dor. Se continuas a insistir nessa história de termos que sofrer todos muito, olha que ainda acabo por mudar de Deus (já sei que és único, e sim, sou um chantagista). Mas também qual é o pai que gosta de ver os seus filhos sofrer?

Mas por favor, insisto. Melhora a vida destes teus filhos e destes teus enteados. Mantém todas as diferenças do mundo, mas elimina a dor. Já Chega. Já sei. Já me explicaste que por exemplo “… se não chorarmos não se desencadeia aquele processo no metabolismo dos seres humanos e que por sua vez… nanana, nanana”. Não quero saber. Afinal não és tu o criador? Como poderemos evoluir para ter um mundo melhor se tu não te reinventas? Promete-me que não voltas a aparecer com uma solução fácil. Promete-me que não nos tornarás a todos mais insensíveis para não sentirmos tanto a dor.

Termino com um pedido. Dá para deixares de me apareceres todos os dias sempre nessa contra-luz?

 

Beijo,

teu filho.