Stella

Após mais de oito horas a conduzir, estou de regresso a casa. Adormeço num banho de água quente e acordo na água fria. Saio da banheira e seco-me. Penso no Henrik.

Ainda não sei como lhe dizer. Dizer-lhe que a Alice está viva e que estive com ela. Dizer-lhe que não fiquei em casa a descansar e que fui ao Strandgården. Que, desta vez, é a sério.

A t-shirt dele está estendida em cima da cadeira no quarto. Visto-a e deito-me na cama. Abro o diário.

Engravidei no verão de 1993 e foi o ano em que atingimos os 27 graus em finais de abril, e tivemos aquele que acabou por ser o dia mais quente do ano. Fora isso, o verão foi longo, frio e chuvoso. No ano seguinte, houve uma vaga de calor e a Alice andou a gatinhar por todo o lado só de fralda.

O apartamento em Jordbro. Conseguimos arrendá-lo porque o senhorio era amigo do pai do Daniel. O cheiro a madressilva do lado de fora da janela da cozinha. O papel de parede encardido com riscas cinzentas no quarto, cheio de buracos. No fim, forrei-o com jornais.

Daniel, o meu primeiro amor de verdade. Andava um ano à minha frente na secundária, e levava todo o tipo de raparigas no seu carro artilhado. Eu mostrei-lhe que estava interessada, mas não andei atrás dele. De algum modo, consegui chamar a sua atenção. Perdi a virgindade no banco de trás daquele carro.

O Daniel era impetuoso e irrequieto, intenso em relação a todas as coisas que lhe interessavam. Irritava a minha irmã mais velha por dá cá aquela palha. Ela achava que ele era uma má influência, ele não encaixava na visão ordenada do mundo da Helena. Ficávamos fora até tarde, a fazer corridas de rua, a divertir-nos, fazíamos imenso sexo no banco de trás do carro dele.

A Helena sempre foi a bem-comportada das duas. Eu sou uma sonhadora, sempre fui. Espontânea e impulsiva, fazia o que me dava na gana. A minha irmã era responsável, fazia o que era suposto. Ficou adulta precocemente por força da morte do nosso pai.

Quando a mamã ficou sozinha connosco, teve imensa dificuldade para fazer face às despesas. À noite, remendava roupas para ganhar um dinheiro extra, às vezes fazia dois turnos seguidos no emprego de dia como empregada de limpeza. Eu tinha apenas cinco anos e a Helena tinha de ficar em casa a tomar conta de mim.

Conforme crescemos, eu e a minha irmã afastámo-nos. O facto de eu ter engravidado aos 17 anos não ajudou nada.

O Daniel ficou radiante quando soube que ia ser pai. Cumpriu o desejo dos pais, que era terminar a secundária, obter o diploma. Depois, fomos viver juntos e ele arranjou emprego numa oficina. Vivíamos do ordenado mínimo e de teimosia. Só nós os dois e a Alice.

Eu adorava estar em casa com a nossa bebé. Olhar para os olhos dela enquanto a embalava, ver a sua boca procurar a minha mama, o suspiro de regozijo quando a encontrava. Eu adorava o cheiro dela, adorava ouvir os ruídos que fazia, a sua completa confiança e a ternura que incitava em mim.

O primeiro ano da Alice. Li apontamentos sobre como aprendeu a sentar-se, como começou a virar-se de barriga para cima, os dentes que acabaram por romper. O seu primeiro aniversário. Quando fiz o primeiro bolo dela, um balão rebentou e ela começou a chorar até que o Daniel a fez rir outra vez.

A visita da Pernilla imediatamente antes de irmos naquelas ansiadas férias.

Interrompo a leitura e pouso o diário na mesa de cabeceira. Não sei se consigo continuar. Levanto-me da cama e seco o cabelo. Visto umas leggings e uma sweatshirt. Vou outra vez buscar o diário. Sento-me na beira da cama e recordo-me de tudo.

A praia, infinita, branca. O mar, calmo. Flores de todas as cores, por todo o lado. Um calor opressivo. Árvores a balançar. Cabana número um.

O carrinho vermelho, virado na areia.

Alice, onde estás?