Stella
Chega da rua um barulho distante e ondulante. Fecho as cortinas e sento-me à secretária. Tenho os músculos das costas e do pescoço contraídos e não adianta massajá-los. É como massajar uma pedra. A dor por detrás dos olhos é tão intensa que sinto náuseas. Procuro na bolsa os analgésicos que a mamã me deu. Engulo um e fecho os olhos.
A inexpressividade do seu olhar quando eu disse o nome dela.
Alice. O seu verdadeiro nome.
Não lhe diz nada. Ela não sabe quem eu sou. Para ela posso ser qualquer pessoa. Uma desconhecida.
Ela não me procurou. Ela não fez nada para me encontrar. Ela não pensou em mim. Ela não tem esperado nem ansiado por mim. Ela não sente a minha falta. Ela não sabe que a senti a crescer dentro de mim. Que é minha filha e que a carreguei no ventre durante nove meses. Que passei uma interminável noite a suportar a pior dor da minha vida por ela. Não sabe que a amamentei, que me perdi nos seus olhos, que adormeceu nos meus braços.
Eu não existo para a minha própria filha. O que foi que a Eva disse no parque Kronoberg? Posso esquecer isto.
Posso continuar como se nada fosse. Talvez não deva encontrar-me mais com a Isabelle. Talvez deva deixá-la ir.
Nunca.
Isso é impossível.
Como é que eu poderia viver como antes sabendo que a Alice está viva? Nada poderá voltar a afastar-me dela.
Tenho de continuar. Tenho de descobrir o que lhe aconteceu, tenho de a conhecer. Será uma reviravolta nas nossas vidas, já o foi, mas estou preparada para tudo.
Seja qual for o caminho que eu escolher, haverá graves consequências. É inevitável.
Conseguirá a Isabelle suportar a verdade? Ela já ficou a saber que o seu pai não era o pai biológico. E agora também não o é a sua alegada mãe. Vou criar ainda mais problemas para ela. Toda a sua vida será destruída.
Eu perdi a sua infância. Perdi o seu crescimento. E não tenho a certeza de que a vida dela tenha sido fácil.
A Alice merece conhecer a verdade. Ambas merecemos.
O que é que a Kerstin saberá? Que explicação terá para ter criado a minha filha?
O meu telemóvel vibra em cima da secretária. Não reconheço o número. Atendo. Uma das assistentes do Henrik informa-me de que o Henrik irá buscar o Milo ao ténis hoje, pelo que eu não preciso de ir. Agradeço e desligo.
O Milo. Qual será a reação dele? Como é que lhe vou dizer que a irmã dele está viva?
Alguém bate à porta. A Renate mete a cabeça pela frincha.
– Stella, o teu doente está à espera.
– O meu doente?
– Sentes-te bem?
– Perfeitamente, obrigada – respondo, sorrindo.
– O Kent está na sala de espera. Diz que a consulta dele deveria ter começado há 15 minutos.
Esqueci-me completamente dele.
Arranjo o cabelo, agarro no casaco e na carteira e vou até à área da receção. Estendo a mão e cumprimento o Kent com um rápido aperto de mão, depois digo-lhe que tenho de cancelar a nossa consulta de hoje. Não recebeu a minha mensagem? Que pena não a ter recebido. Peço-lhe para marcar outra consulta com a Renate.
Deveria ter vergonha da mentira, mas tudo o que sinto quando saio do consultório é alívio.