Stella

O céu está encoberto quando passo por Avesta e atravesso do rio Dal. Não me lembro da última vez que vim a Dalarna.

Precisamente antes de chegar a Borlänge, a paisagem abre-se. Vastos prados e campos. Na lonjura, as montanhas repletas de árvores são azúis. Esquecera como esta zona da Suécia é linda, mesmo num dia cinzento como o de hoje.

Viro à direita e transponho outra vez o rio Dal. Passo pela metalurgia. Um fumo plúmbeo mistura-se no céu enevoado.

Barkargärdet fica a noroeste de Borlänge e demoro algum tempo a encontrar a morada que procuro na Faluvägen. Vêem-se árvores frondosas e abetos altos e grossos. A zona é escura, sombria, e fico a pensar se o sol alguma vez aqui chega.

A maioria das casas de Barkargärdet estão bem cuidadas e têm jardins bem tratados. Porém, algumas casas mais parecem casebres: apodrecidas e abandonadas, os jardins cobertos de vegetação, lixo e carros velhos nos relvados. A casa do Hans e da Kerstin Karlsson é uma dessas. Estaciono junto à berma, mas não saio do carro. Contemplo a casa onde a minha filha cresceu.

A tinta está a descascar e precisa de uma pintura nova. O mais certo é ter sido uma boa casa, mas agora dá a sensação de desleixo. Junto à entrada há um monte de lixo e debaixo da janela da cozinha vê-se uma velha máquina de lavar louça. O jardim está coberto de vegetação, a relva é alta e os canteiros há muito que não são cuidados. A caixa de correio parece saída de um conto de fadas, amarelo-clara com detalhes intrincados. Não se enquadra no ambiente circundante.

Quero saber quem é a Kerstin. O que faz, que tipo de passado tem, o que é que sabe. Quero saber porque procurou o Henrik em vez de falar diretamente comigo. Quero saber porque dedicou tempo a procurar a empresa dele, a morada do seu escritório, e depois arranjou tempo para se encontrar com ele, tendo o Henrik a agenda cheia de reuniões. Quanto mais penso nisso, mais estranho me parece.

A entrada está vazia e não se vê luz no interior; parece que não está ninguém em casa. Aproxima-se um carro. Agacho-me, o carro passa e eu expiro. Tenho as axilas transpiradas, o coração a bater com força. Sinto-me ridícula, mas se é a casa da Kerstin, ela não pode ver-me de maneira alguma.

Arranco com o carro e sigo pela Faluvägen até chegar a uma saída, mas, em vez de seguir para a E16 de volta para Borlänge, faço inversão de marcha.

Passo outra vez pela casa. Paro, desligo o motor e saio do carro. Tenho de tentar entrar. Pode ser que esteja alguma porta aberta ou haja alguma janela da cave que eu consiga forçar.

Quando estou quase a chegar ao portão, a porta da casa vizinha abre-se. Saem de lá um homem e uma mulher, usando roupas de exercício a condizer. Descem as escadas e o homem olha na minha direção. Parece desconfiado, como se achasse que eu estou aqui para forçar a entrada. Por cima do portão deles vejo um letreiro: «Patrulha de Bairro». Um triângulo vermelho com um pé-de-cabra partido ao centro e, por baixo, o emblema da polícia.

Dou meia volta e começo a caminhar depressa.

– Olá? Posso ajudá-la em alguma coisa? – diz o homem nas minhas costas. Desato a correr até ao carro, meto-me lá dentro e pisgo-me dali.

Olho pelo retrovisor e vejo-o a olhar para o meu carro a afastar-se.

Estaciono mais adiante e espero. Depois, dou meia volta e arranco rumo à casa da Kerstin outra vez. Os vizinhos ainda estão cá fora. Pegaram em ferramentas de jardinagem. Estão a vigiar a zona. Não tenho hipótese de entrar em casa sem ser vista.

Percorri todo este caminho. Vi a casa, sei onde a Alice viveu. Onde a Kerstin Karlsson viveu com a minha filha. É frustrante não poder fazer mais. Simultaneamente, sinto-me aliviada. Agora não posso cometer erros. Se se soubesse que andei a bisbilhotar desta maneira, seria o fim da minha carreira.

Olho para a casa uma última vez. A Alice cresceu aqui. Não consigo assimilar. É inconcebível. Ela esteve naquelas janelas a olhar para fora? Andou pelo jardim a correr e a brincar? Foi amada ou foi maltratada? Nada sei sobre a vida da minha filha desaparecida.