Stella

É final de tarde de quarta-feira e eu estou sentada no sofá a observar o Henrik. Ele está encostado à bancada da cozinha a conversar com o Sebastian, o novo namorado da Pernilla. Ri e gesticula. Ao fim de 15 anos, os seus modos são-me extremamente familiares. Porém, hoje vejo-o com outros olhos. Estou à espera de que se descaia, que revele alguma coisa. Deveria confrontá-lo, mas estou muito receosa. Nem parece meu. Mas, se ele negar, sentir-me-ei ainda mais doida e paranoica do que já sinto. E se ele confessar, ficarei destroçada.

O Sebastian e a Pernilla foram buscar o Milo ao ténis. Eu mandei vir piza e abri uma garrafa de vinho. Quando o Henrik chegou a casa, cumprimentou-me e foi mudar de roupa ao andar de cima. Segui-o com o copo de vinho na mão.

Perguntei-lhe como foi o seu dia. Ele disse que foi bom. Despiu a camisa e enfiou uma t-shirt. Fiquei a observá-lo enquanto vestia as suas velhas calças de ganga pré-lavadas, as abotoou e meteu o telemóvel no bolso da frente.

Pensei que iria dizer algo sobre a mensagem de texto. Falar-me sobre a Jennie. Dar uma explicação. Alguma coisa, fosse o que fosse. Nada disse. Só perguntou o que estávamos a comemorar olhando de relance para o meu copo de vinho.

Acho que o amor. Foi a minha resposta.

Antes, teríamos rido. Agora, ele pôs o seu sorriso formal e perguntou se não deveríamos descer antes que a piza arrefecesse.

Parece relaxado ali de pé na cozinha. Satisfeito, feliz e relaxado. Quem diabos é a Jennie? Ele rirá daquela maneira quando está com ela? Como será ela? Será mais nova, mais jeitosa? Há quanto tempo é que isto dura? Quantas vezes dormiram juntos?

A Pernilla atira-me uma almofada e eu desperto. Está recostada na outra ponta do sofá, observando-me. Bate com o pé na minha perna.

– No que estás a pensar? – pergunta.

– Foi um longo dia, só isso – respondo, e bebo um grande trago de vinho. A Pernilla pega na minha mão e arregaça a manga da minha camisa. Tenho nódoas negras à volta do pulso.

– O que foi que fizeste?

Contra a minha vontade, o meu olhar incide outra vez no Henrik. Ele está a rir alto por causa de alguma coisa que o Sebastian está a dizer. Vira-se para mim, fita-me diretamente nos olhos. Fica sério. Desvia o olhar e vira-me as costas.

– Ele maltratou-te? – pergunta a Pernilla.

Sinto-me a arder por dentro só de pensar na noite de sábado, na maneira como o Henrik me beijou, me prendeu os pulsos, e me possuiu no chão.

– Marcas de amor? – a Pernilla solta uma risadinha. – Eu consigo perceber que se passa alguma coisa. Mais vale dizeres-me.

– Não se passa nada – digo e sorrio. – Não aconteceu nada no tapete do quarto. Absolutamente nada.

A Pernilla ri. Não percebe que o meu sorriso não é real. Não faz ideia de que há outra mulher na vida do Henrik e que eu sei. Ele olha outra vez para nós.

– Estão a divertir-se? – Senta-se no braço do sofá por detrás de mim.

– Começaste a praticar ioga, Henrik? – diz a Pernilla.

Ele ri.

– Ioga?

– Ouvi dizer que pode ser maravilhoso. – A Pernilla olha-o inocentemente. – Os tapetes de quarto macios são ótimos para praticar.

– Pernilla! – Protesto e olho de relance para o Henrik por cima do ombro. Ele olha para mim e depois para ela. Parece não estar com vontade de falar sobre o assunto. Porquê? Será que agora só pensa na Jennie? Será que ela o satisfaz mais do que eu?

– Hei de experimentar – diz, e leva o meu copo de vinho. Eu vou buscá-lo e volto a enchê-lo. Tenho direito a relaxar depois de tudo o que aconteceu. Tenho direito a sentir-me bem, nem que seja por pouco tempo. E eu sou feliz, não sou? Converso. Sou simpática e equilibrada. A mesma Stella de sempre, segura. Tão sensata e compreensiva, sempre tão harmoniosa.

Mais tarde, inclino-me para o Henrik, passo a mão nas coxas dele e murmuro-lhe ao ouvido que o desejo. Juro-lhe que o posso satisfazer melhor do que qualquer outra pessoa.

Ele franze o cenho e pergunta se eu tenho mesmo de beber mais. Olha para a Pernilla, que lhe faz uma careta. Basta. Finjo não reparar nas trocas de olhares. Mas o que é que se passa com eles? O que é que se passa com toda a gente?

O Henrik afasta a minha mão e leva a garrafa de vinho para a cozinha. A Pernilla diz que está a fazer-se tarde. Eu esvazio o copo de uma golada.

Ouço o Milo e o Hampus a falar sobre um torneio de basquetebol na Estónia.

– Mamã – diz o Milo. – Posso ir sozinho?

– Sozinho? – digo.

– Tu vais sempre comigo – continua. – Sabes quantos acompanhantes vão. Por favor.

– Acho que não é boa ideia – digo.

Demora um segundo. Menos de um segundo. O medo deixa-me paralisada como se tivesse tomado uma substância química, torna-me difícil, obstinada e furiosa.

– Oh, mamã, não te zangues. Vai correr bem, vais ver.

– O Hampus vai, por isso talvez… – diz a Pernilla.

– Não vais para o estrangeiro sozinho – interrompo. – Tens apenas 13 anos. – Bebo do copo de vinho da Pernilla. Ela olha para mim, depois para a cozinha. Depois, tenta pegar no seu copo, mas eu afasto-o.

– É só na Estónia – diz o Milo.

– Falaremos sobre isso mais tarde.

– Mamã.

– Milo. Já disse que falaremos sobre isso mais tarde. Deixa-te de lamúrias, que raios.

O Henrik chega à sala de estar. Olha inquisitivamente para mim e depois para o Milo.

– Papá, eu quero ir a um torneio de basquetebol sozinho, mas a mamã só fica zangada.

O Henrik pousa uma mão no ombro do Milo.

– Tudo se resolve – diz.

– Por cima do meu cadáver – digo, derramando vinho em cima do sofá. – Nunca. – Tento limpar o vinho com a mão, mas a mancha alastra-se ainda mais.

O Henrik quer pegar no copo. Eu afasto-o com um movimento brusco e derramo mais vinho.

– O que estás a fazer? – digo e percebo que estou a arrastar a voz.

A Pernilla afaga-me o braço, mas eu afasto-a. Ela e o Henrik entreolham-se outra vez.

– Stella, acalma-te – diz o Henrik. – Não tens de gritar. Falaremos sobre isto noutra ocasião, pode ser?

– Não estou a gritar. Não estou a gritar. E não há nada para falar.

– Tu não percebes nada, mamã – uiva o Milo. – Não vai a mãe de mais ninguém. Tu estás sempre lá. Detesto isso.

Sai da sala de estar a correr.

– A merda daquelas mães não sabem que nunca devemos deixar os filhos sozinhos? – grito nas suas costas.

Estou sentada no sofá. Sozinha.

O Milo trancou-se no quarto.

O Sebastian, a Pernilla e o Hampus foram para casa. Ouvi a Pernilla perguntar num murmúrio ao Henrik se havia alguma coisa que pudesse fazer. Ele agradeceu, sussurrou-lhe qualquer coisa, mas não consegui ouvir. Depois, bateu à porta do Milo, que o deixou entrar, e fecharam a porta.

Estou sentada sozinha. Sinto-me a afundar.

Não consigo controlar o medo.

Não me consigo controlar.

Não consigo controlar nada.

Estou doente.