Isabelle

É de noite. Estou sentada numa velha cadeira de jardim a contemplar as estrelas. Aqui, em Barkargärdet, são tão nítidas. Em Estocolmo, raramente se veem. Está uma noite fria. O ar parece mais fresco e mais limpo, mas o melhor de estar em casa é o silêncio. Ouvir o sussurro do vento entre as árvores. Aqui, é mais fácil pensar. Em Estocolmo, há sempre ruídos vindos de algum sítio.

Não me arrependo de ter vindo para casa. E a mamã ficou tão contente… é uma sensação boa darmo-nos assim tão bem. A mamã mudou verdadeiramente. Não é uma pessoa tão difícil como antes, mas não consigo parar de pensar na Stella e no nosso encontro desta manhã. Não me parece que seja normal procurar os doentes nas horas livres. A mamã diz que os terapeutas não o podem fazer. Todas aquelas perguntas sobre a minha infância, sobre a mamã. Não me parecem bem.

Ainda assim, não consigo deixar de pensar nas palavras dela.

Poderei ser eu a sua filha desaparecida?

Serei a Alice?

Não.

Nem pensar.

A Stella é que gostava que isso fosse verdade. Ela está doente. É assustador pensar como uma pessoa pode acabar assim. Tenho pena dela, a sério que sim. E continuo a gostar dela. Gostava que as coisas não tivessem acontecido assim, mas talvez haja uma boa explicação.

O meu telemóvel emite um aviso sonoro. É outro Snapchat do Fredrik. Fico sempre com aquela sensação. É uma selfie com um filtro que lhe põe umas patéticas orelhas e nariz de cão. Tem um ar intencionalmente deprimido e escreveu na fotografia as seguintes palavras: «Tens de ficar fora o fim de semana todo?!»

Rio. Ele faz-me sentir algo que nunca senti antes. Como se fosse igual a todas as outras pessoas e não uma pessoa rígida e estranha com a vida mais esquisita do mundo. Pego no telemóvel e tiro uma fotografia a mim mesma. Imito o ar triste dele e escolho um filtro com uma grinalda à volta da cabeça. Penso no que escrever. «Dois dias inteiros!»

Cinco segundos mais tarde recebo uma mensagem de texto.

«Que pena. Gostava que viesses cá amanhã. Que passasses cá a noite.»

Porque vim para casa? Foi impulsivo. Estar aqui não muda nada. Se tivesse ficado em Estocolmo, estaria em casa do Fredrik. Passaria lá a noite. Agora vou dar em doida com saudades.

Penso na resposta a escrever, mas decido telefonar e ele atende logo. Ouvir a sua voz faz-me sentir ainda mais saudades e digo-lhe isso.

Pergunto-lhe se ele se lembra daquela vez em que eu pensei que alguém estava a espiar-me no KTH. Digo-lhe que a minha terapeuta acabou por se revelar um pouco esquisita. Que ela me seguiu outra vez e que foi por isso que vim passar o fim de semana a casa.

Ele é compreensivo, atencioso, pergunta como me sinto. Estou à beira das lágrimas. Espero que ele não perceba. Digo que estou bem, que é bom estar em casa, mas que já estou ansiosa por voltar para junto dele. E tenho saudades dele.

Ele também tem saudades minhas. Diz que mal pode esperar para me beijar outra vez. Comer mais gelado e ficarmos abraçados na cama. E diz mais algumas coisas que me fazem aquecer, que me deixam o corpo com formigueiros. Sei que se sente frustrado como eu. Consigo percebê-lo na sua voz. E vou pensar nele quando me deitar. Imaginar as coisas que faríamos se estivéssemos juntos.

Se eu voltasse para lá amanhã.

Terminamos o telefonema ao fim de 48 minutos.

Assim que desligo, recebo outro Snapchat. Um Fredrik alegre com o polegar levantado.

Tem vestida uma camisola de manga cava preta, o cabelo a tapar-lhe um olho. Está recostado num sofá e tem um ar muito sexy. Apesar do frio, dispo o blusão e desaperto os botões de cima da blusa. Encosto-me para trás e vejo o meu cabelo dispersado à minha volta como raios de sol. Envio-lhe um Snapchat em que estou a sorrir com a cabeça inclinada.

Tenho o queixo levantado e as covinhas bem profundas na cara. Tenho a pele pálida e o meu cabelo é volumoso e negro. Os meus olhos são grandes e verdes. Fiquei muito bem, acho. E sinto-me imediatamente envergonhada com esse pensamento. Como diz a mamã: a altivez do espírito precede a queda. Não obstante, recebo uma mensagem de texto a dizer que estou muito sexy.

Gostaria de continuar assim a trocar mensagens, mas está a ficar um gelo cá fora e eu vou para dentro.

A casa está uma miséria. Todas as divisões parecem deploráveis, menos o meu quarto, que está exatamente igual à última vez em que estive em casa.

Um cano da casa de banho do andar de cima tem uma fuga e já se vê uma mancha no teto da cozinha. A mamã limitou-se a pôr um balde por baixo. Diz que, desde que o papá morreu, não consegue fazer frente às despesas.

Sinto-me culpada. Desde que cheguei a casa que me sinto assim. Deveria ter vindo antes, como ela pediu. Não posso ir embora amanhã. Ela ficaria desiludida. Depois de tudo o que fez por mim e pela Johanna. Eu deveria ser mais agradecida.