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Incêndio e naufrágio

Em 1910, o bairro de Hollywood, em Los Angeles, Califórnia, até então uma bucólica comunidade de aposentados que fugiam dos invernos rigorosos dos estados do norte, começou a receber vizinhos estranhos. Eram os primeiros estúdios cinematográficos, os movies, como eram chamados, pois lidavam com imagens em movimento.

Justamente nessa época Charles Chaplin chegou pela primeira vez aos Estados Unidos, mas não para o cinema. Foi participar da turnê de uma companhia de vaudeville. O grande sucesso de Chaplin, na ocasião, era quando interpretava o papel de um bêbado, numa atuação impagável e irrepreensível que deu grande impulso à sua carreira.

Irving Berlin compôs mais de quarenta músicas em 1911 e contribuiu com quatro canções para a edição anual do Ziegfeld Follies, além de vender 2 milhões de cópias da música Alexander’s Ragtime Band. No ano seguinte, em fevereiro, Berlin se casou com a cantora Dorothy Goetz. Nessa ocasião, a renda do músico já era de 100 mil dólares anuais.

Dorothy e Izzy passaram a lua de mel em Cuba. Enquanto o casal estava lá, irrompeu um surto de tifo. Dorothy foi contaminada pela doença e morreu cinco meses depois, em julho de 1912, aos 27 anos. When I Lost You, composta por Berlin em homenagem à mulher, vendeu um milhão de cópias.

Embora a economia dos Estados Unidos não parasse de crescer, também crescia o abismo entre ricos e pobres. A concentração de renda era aviltante. Setenta famílias americanas controlavam 7% da riqueza nacional.

Numa época em que movimentos socialistas floresciam na Europa Ocidental e começavam a se organizar na Rússia czarista, o capitalismo selvagem era regra geral na América. Uma espécie de vale-tudo entre dinheiro e trabalho. Isso começou a mudar por ocasião de um incidente gravíssimo ocorrido em Nova York no sábado de 25 de março de 1911. Nesse dia, a fábrica de blusas Triangle, que ocupava o oitavo, o nono e o décimo e último andares do prédio Asch, em Washington Place, Greenwich Village, na baixa Manhattan, pegou fogo.

A Triangle empregava quinhentas pessoas, em sua maioria mulheres imigrantes italianas e judias do Leste Europeu. Elas trabalhavam nove horas por dia de segunda a sexta-feira e sete horas nos sábados, em troca de um salário de sete a doze dólares semanais.

O prédio tinha três escadarias. Para evitar o furto de peças de roupa e cortes de tecido, ou mesmo pausas para descanso não autorizadas, os gerentes da Triangle mantinham trancadas as portas que davam acesso a duas delas. A terceira não tinha capacidade para a evacuação de centenas de pessoas ao mesmo tempo e seus acessos nos três andares da indústria se davam por passagens estreitas nas quais as bolsas das operárias eram revistadas na saída. Havia também dois elevadores de carga e uma frágil escada de incêndio.

No sábado fatídico, às 16h40, o fogo teve início numa cesta de retalhos debaixo de uma das compridas mesas de corte no canto nordeste do oitavo andar, onde alguém jogou um cigarro ou um fósforo aceso. Embora fosse proibido fumar na fábrica, muitas garotas o faziam disfarçadamente, mantendo o cigarro sob a mesa e levando-o à boca quando o capataz não estava olhando.

A primeira pessoa a dar o alarme para os bombeiros foi um passante na calçada do lado oposto da Washington Place, que viu fumaça saindo do Asch. O que ele não sabia, nem tinha como saber, é que nos três andares da fábrica já reinava o caos. Pessoas se amontoavam em pânico na ânsia de escapar do fogo. O capataz que tinha as chaves das portas trancadas guardadas no bolso, em vez de abri-las, foi um dos primeiros a fugir. Os elevadores de carga se revelaram inúteis, pois seus trilhos se deformaram com o calor.

Logo boa parte das operárias, encurralada pelo fogo e sufocada pela fumaça, correu para as janelas do prédio. Com seus vestidos e cabelos em chamas, hesitavam um pouco antes de saltar para a rua, trinta metros abaixo, mas imediatamente eram empurradas pelas que vinham atrás.

Somando as pessoas que morreram queimadas, as que se espatifaram no pavimento de concreto lá embaixo e as que estavam na escada de incêndio, que acabou desmoronando, 146 funcionários da Triangle morreram, 125 mulheres e 21 homens. Entre elas, a mais velha tinha 48 anos; as mais novas, duas garotas de 14 anos.

Os bombeiros, que não demoraram a chegar ao local da tragédia, quase nada puderam fazer. As lonas que estenderam para aparar as pessoas que caíam não aguentaram o peso dos corpos vindos de tão alto. As escadas de salvamento só iam até o sexto andar. E o fogo era do oitavo para cima.

Victims of the Triangle Shirtwaist Company Fire

Reconhecimento das vítimas do incêndio da Triangle

Nova York, EUA, março de 1911

Latinstock/© Bettmann/corbis/Corbis (DC)

O episódio da Triangle foi um marco na história da luta sindical americana. Em todos os Estados Unidos a agitação social começou a ferver. Diversos ativistas se mobilizaram após o incêndio na fábrica e os direitos dos empregados no país melhoraram bastante, embora às vezes ao preço de muita luta e sangue.

Até então, os imigrantes se sujeitavam a praticamente tudo. Agora não. Reivindicações salariais foram aceitas pelos patrões e a renda tornou-se melhor distribuída. Isso acelerou ainda mais o crescimento do país, pois melhorou consideravelmente o consumo interno. A Women’s Trade Union League obteve diversas conquistas para as trabalhadoras. Leis foram aprovadas nos congressos federal e estaduais, melhorando as condições de segurança no trabalho.

Um ano depois do incêndio da Triangle, uma tragédia muito maior aconteceu em pleno oceano Atlântico. Na noite de domingo do dia 14 de abril para segunda-feira, dia 15 de abril de 1912, o Titanic, em rota de Southampton, Inglaterra, para Nova York, colidiu com um iceberg e naufragou. Os botes salva-vidas eram insuficientes para as mais de 2,2 mil pessoas a bordo e 1.517 morreram afogadas ou congeladas na água, entre elas milionários como John Jacob Astor IV, Benjamin Guggenheim e Isidor Strauss.

Não fosse a pronta atuação da Marconi Wireless Telegraph Co., que recebera pedidos de socorro do Titanic, mais gente teria morrido. Os telegrafistas da Marconi alertaram o RMS Carpathia, o primeiro navio a chegar ao local da tragédia e recolher os sobreviventes que estavam nos botes.

Se David Sarnoff — que deixara seu posto na ilha de Nantucket e fora promovido para um cargo de direção no continente — teve participação direta nas operações de socorro aos náufragos, isso não ficou plenamente esclarecido. Afinal de contas, era um domingo e ele fora elevado a executivo. Portanto, deveria estar em casa. O certo é que os jornais o noticiaram como herói e ele ficou famoso da noite para o dia. A atuação da Marconi no naufrágio despertou o mundo para a importância do telégrafo.

Independentemente de ser herói ou não, Sarnoff andava interessado em um novo sistema de comunicações: o rádio. Ele achava que o potencial de lucros da nova tecnologia era enorme.

 

Em 1912, Woodrow Wilson, nascido e criado na Virgínia, ex-governador de Nova Jersey e ex-reitor da Universidade de Princeton, que só se iniciara na política aos 54 anos, elegeu-se presidente dos Estados Unidos. Assim que se viu na Casa Branca, decidiu pela neutralidade na luta entre as grandes empresas e os sindicatos. “Não devemos acabar com os trustes”, dizia Wilson, “mas sim moralizá-los”.

Wilson não se preocupou em resolver os problemas sociais mais graves nem em coibir o trabalho infantil. Recusou-se a dar ajuda governamental aos desempregados e a discriminação racial agravou-se em seu governo. Em diversas repartições, os funcionários brancos foram separados dos negros.

Descontadas as injustiças, era uma época de muitas oportunidades em ambos os lados do Atlântico, principalmente para os europeus e seus descendentes na América. Em Londres, Clarence Charles Hatry, um agente de seguros inglês de 24 anos, revelava-se como gênio dos negócios. O mesmo acontecia com Charles Mitchell, de 35, americano de Chelsea, Massachusetts, que fundara uma empresa de investimentos, a C. E. Mitchell & Company, em Nova York. Hatry e Mitchell teriam papel preponderante nos acontecimentos que afetariam os mercados nas décadas de 1910 e 1920.

Nessa mesma ocasião, graduava-se em Harvard Joseph (Joe) Kennedy, 24 anos, filho de um político católico bostoniano de origem irlandesa, Patrick Joseph Kennedy, também conhecido como PJ. Por indicação do pai, Joe foi indicado inspetor estadual de bancos em Massachusetts, o que lhe permitiu conhecer como funcionava o sistema bancário, conhecimento esse do qual logo se valeu para iniciar sua bem-sucedida carreira no mercado financeiro.

Depois de evitar, usando 45 mil dólares emprestados pela comunidade irlandesa de Boston, que o controle acionário do Columbia Trust fosse comprado na Bolsa pelo First National Bank, operação conhecida como hostile bid, Joe Kennedy conseguiu, aos 25 anos de idade, ser nomeado presidente do Columbia. Logo se revelou um banqueiro inclemente, não hesitando em confiscar os imóveis dos clientes que atrasavam as mensalidades de suas hipotecas.

Enquanto em Detroit Henry Ford procurava democratizar a indústria automobilística fabricando e vendendo o Modelo T, um carro popular ao alcance do bolso do americano médio, em Nova York, na corretora de valores George H. Burr & Company, os jovens executivos Charles E. Merrill e Edmund Lynch, ambos então com 27 anos, procuravam fazer o mesmo no mercado de ações.

Merrill e Lynch estavam convictos de que investir na Bolsa não deveria ser um privilégio só dos ricos e que muito dinheiro poderia estar envolvido numa operação de varejo. George Burr, patrão dos dois jovens, endossou o plano.

Na terça-feira, 1o de abril de 1913, John Pierpont Morgan morreu aos 75 anos enquanto dormia no Grand Hotel, em Roma. Quando a notícia chegou a Wall Street, as bandeiras na rua foram descidas a meio pau. O corpo foi embalsamado e trasladado para Nova York, e o mercado de ações parou durante duas horas no dia da passagem do cortejo fúnebre.

Jack Morgan (John Pierpont Morgan Jr.), o único filho homem de J. P., então com 45 anos, sucedeu-o na direção do negócio. Tinha o mesmo comportamento discreto do pai, totalmente avesso a qualquer tipo de publicidade. Mas, ao contrário dele, extremamente centralizador, Jack deu autonomia aos demais dezenove sócios da Casa, limitando-se a passar-lhes as diretrizes básicas do banco.

No final de 1913, Hollywood descobriu Charles Chaplin. Mack Sennett, um diretor de comédias cinematográficas que vira Charlie interpretar o papel do bêbado no American Music Hall, em Nova York, o recomendou à Keystone Company. Chaplin foi para a Califórnia e começou no cinema com um contrato pelo qual ganharia 150 dólares semanais nos primeiros três meses e 175 dólares nos nove restantes.

Num dia de filmagens, meio que por acaso, Charles Chaplin inventou Carlitos (The TrampO vagabundo), seu personagem imortal. O próprio Chaplin conta como tudo aconteceu em sua autobiografia:

Eu estava em meus trajes normais e não tinha nada para fazer, de modo que me pus em um lugar de onde [Mack] Sennett poderia me ver. Ele estava de pé ao lado de Mabel [Normand], olhando para o set que representava o lobby de um hotel, mordendo a ponta de um charuto. “Precisamos de algumas cenas engraçadas aqui”, ele disse. Então virou-se para mim. “Se produza como um comediante. Qualquer coisa serve.”

Eu não tinha ideia de como me produzir. [...] Todavia, a caminho do guarda-roupa, pensei em vestir calças largas, sapatos grandes, uma bengala e um chapéu-coco. Eu queria que tudo fosse uma contradição: as calças frouxas, o paletó apertado, o chapéu pequeno e os sapatos grandes. Estava indeciso entre parecer velho ou moço, mas lembrando que Sennett havia suposto que eu fosse um homem muito mais velho, acrescentei um pequeno bigode, que, segundo imaginei, aumentaria minha idade escondendo minha fisionomia.

Eu não tinha ideia do personagem. Mas no momento em que terminei de me produzir, as roupas e a maquiagem me fizeram sentir a pessoa que o personagem deveria ser. Eu comecei a conhecê-lo, e no momento em que caminhei para o palco ele [Carlitos] estava totalmente pronto. Quando confrontei Sennett, assumi o personagem e comecei a fazê-lo caminhar, balançando minha bengala e andando à frente de Sennett. Piadas e ideias cômicas começaram a desfilar por minha mente.

[...]

Entrei [no cenário] e tropecei no pé de uma senhora. E me virei e tirei meu chapéu me desculpando, então me virei e tropecei numa escarradeira, então me virei e tirei meu chapéu para a escarradeira. Por trás das câmeras, as pessoas começaram a rir.

Enquanto Carlitos nascia, na Europa as músicas de Irving Berlin faziam sucesso em Londres, Paris, Viena e Madri.

No domingo de 28 de junho de 1914, a cidade de Sarajevo, na Bósnia, se engalanara para receber a visita do arquiduque Francisco Ferdinando, herdeiro do trono austro-húngaro e comandante em chefe do Exército austríaco. Era uma viagem de risco. A maioria dos habitantes de Sarajevo, simpatizantes da Sérvia, odiava a Áustria, que ocupava a Bósnia havia décadas.

Apesar do ambiente hostil, o arquiduque fez questão de desfilar em carro aberto, ao lado de sua mulher, Sofia, duquesa de Hohenberg. Disso se aproveitou Gavrilo Princip, um fanático nacionalista sérvio, que se aproximou do carro e, a menos de dois metros de distância, matou com dois tiros de pistola o arquiduque e a duquesa.

Em toda a história da humanidade, nenhum assassinato teve tantas consequências trágicas.