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Consórcios de investimento

O puritanismo, que havia tempos regia os costumes de boa parcela do povo americano, na segunda metade dos anos 20 ia dando lugar a um comportamento licencioso, principalmente nas grandes cidades. Nos speakeasies de Greenwich Village, em Nova York; da Towertown, em Chicago; e do French Quarter, em Nova Orleans, os casais sacudiam os esqueletos ao ritmo frenético do charleston, que substituíra o foxtrote na preferência popular.

O mulherio desinibido saía à noite usando roupas decotadas, diáfanas e coloridas, cujas barras em franjas haviam subido a meio palmo acima do joelho. Cabelos cortados rentes, copo de uísque numa das mãos, piteira longa na outra, colares que desciam até o umbigo, as mulheres extravazavam sua alegria na coreografia delirante da nova dança.

Os negócios cinematográficos de Joe Kennedy estavam indo tão bem que mais uma vez ele resolveu se mudar, desta vez de Nova York para Los Angeles, embora sem levar a família. Negociando com uma série de grupos importantes do cinema, Kennedy coordenou diversas fusões e aquisições de empresas, resultando na criação da Radio-Keith-Orpheum Pictures, que se tornou mais conhecida por suas iniciais, RKO, uma empresa de 80 milhões de dólares. Com pouco tempo de atividade no novo ramo, Joe era agora o mandachuva de um grande estúdio.

Dinheiro não era o único atrativo que Hollywood oferecia a Kennedy. Havia também as mulheres. E que mulheres: estrelas, starlets, candidatas a um teste num estúdio, cada uma mais estonteante do que a outra. Boa parte delas se dispunha a deitar-se no sofá de um produtor importante, as mais jovens não raro levadas pelas próprias mães.

Após envolver-se com diversas atrizes, Joe Kennedy se deteve em ninguém menos do que a diva Gloria Swanson. Os dois se conheceram em 1927, ano em que Hollywood começou a produzir filmes falados. Gloria era então casada com seu terceiro marido, Henri, o marquês de la Falaise de la Coudraye, um aristocrata francês, homem muito conveniente por não ser dado a ciumeiras.

Além de maridos, miss Swanson, como gostava de ser chamada, já colecionara diversos amantes, entre eles o diretor Cecil B. de Mille e o galã Rudolph Valentino. Como o currículo de Kennedy não ficava atrás, o caso dos dois foi a fusão da fome com a vontade de comer.

Rose Kennedy, que continuava morando em Nova York com as crianças, não tinha como desconhecer as estripulias sexuais do marido, que não saíam das colunas de mexericos dos jornais.

A prosperidade de David Sarnoff, agora com 36 anos, e das empresas que ele dirigia — RCA e NBC — parecia não conhecer limites. “Ele [Sarnoff] era consultado constantemente pelos grandes líderes, não apenas no mundo dos negócios e das indústrias, mas também no mundo da ciência”, publicou a revista Forbes em 1927.

Nessa época, uma criação de David começou a ser posta em prática com estrondosa aceitação, principalmente entre as donas de casa. Eram os “teatros do ar”, precursores das radionovelas (soap operas). Os anunciantes e agências de publicidade disputavam aos tapas os segundos de intervalo entre um bloco e outro.

Sem se deixar embriagar pelo sucesso, Sarnoff já trabalhava com sua equipe de engenheiros no projeto de um dia transmitir imagens pelo ar.

No mercado financeiro a novidade eram os consórcios de investimento. No início de 1927 já existiam nos Estados Unidos cerca de 160 dessas instituições. Em vez de comprar ações diretamente na Bolsa, através das sociedades corretoras, os investidores podiam adquirir cotas dos consórcios, deixando para profissionais especializados a escolha dos papéis a serem adquiridos.

A empresa administradora do consórcio cobrava uma taxa fixa pelo serviço, além de outra taxa, essa de sucesso (success fee), que era um percentual sobre o lucro alcançado pelo fundo. E, lógico, tratavam logo de alavancar, tomando dinheiro emprestado dos bancos.

Se o mercado caísse, haveria as chamadas de margem. Caso não fossem prontamente atendidas, os papéis seriam liquidados. O consórcio poderia então falir e os investidores perderiam seu dinheiro. Acontece que em 1927, assim como nos anos imediatamente anteriores, as bolsas de valores dos Estados Unidos viviam sob o signo do touro. As quedas, quando ocorriam, eram rápidas e de pouca expressão, não mais do que “saudáveis realizações de lucros”, que era como os analistas e traders definiam esses pequenos espasmos de recuperação dos ursos.

Logo um financista mais esperto — e financista esperto era o que não faltava naquela época — surgiu com uma ideia brilhante. Em vez de o consórcio comprar ações na Bolsa, por que não adquirir cotas de outros consórcios, que por sua vez comprariam as de outros? Assim seria possível alavancar a alavancagem e a alavancagem da alavancagem. Dez dólares aplicados na ponta inicial significavam cem, mil, 10 mil dólares lá no fim. Como o mercado só subia, o efeito dessas reaplicações em cascata dava lucros fenomenais, assim como fenomenais taxas de sucesso.

Evidentemente os investidores não faziam a menor ideia de onde o seu dinheiro fora parar. Muito menos se interessavam por esse detalhe. O que os deixava felizes era abrir o jornal todas as manhãs e ver que as cotas de seus consórcios de investimento haviam subido mais uma vez. Aqueles que resgatavam seus papéis, seja para garantir o lucro, seja por causa de uma necessidade inesperada, logo se arrependiam ao ver, nos dias e semanas seguintes, o quanto estavam deixando de ganhar.

“Puxa vida”, um deles comentava com sua mulher, “aqueles duzentos dólares que jogamos na Bolsa e que a gente liquidou por quatrocentos, já estão valendo seiscentos. Na vida a gente tem de ser ambicioso, tem de acreditar. Isso aqui é a América. Se eu pudesse, dava um chute no meu próprio traseiro”.

Nada entusiasmava tanto os americanos quanto o mercado de ações. A Bolsa de Valores de Nova York batia recordes atrás de recordes. As façanhas dos principais traders eram comparadas, em termos de heroísmo, às do aviador Charles Lindbergh, de 25 anos, que em maio de 1927 cruzara o Atlântico, entre Nova York e Paris, num voo solitário de 33 horas e meia, pilotando um monomotor Ryan NYP, ao qual dera o nome de Spirit of St. Louis.

Entre esses heróis do mercado estava o canadense Arthur W. Cutten, os sete irmãos Fisher, ex-fabricantes de carrocerias, e Billy Durant, que por duas vezes tivera e perdera o controle acionário da General Motors e que agora atuava como especulador em Wall Street, obtendo resultados excepcionais em seus lances alavancados.

Como se não bastasse o entusiasmo dos investidores e especuladores, o FED — Banco da Reserva Federal — vinha jogando gasolina na fogueira. Na primavera de 1927, o FED baixou a taxa básica de juros de 4% para 3,5% ao ano. Ao mesmo tempo, a Reserva adquiriu grande quantidade de títulos do Tesouro americano, injetando fundos na economia. Boa parte desse dinheiro foi diretamente para o mercado de ações. Os touros agradeceram.

Ao longo de 1927, na Bolsa de Valores de Nova York só em dois meses as cotações não tiveram variação positiva. No restante do tempo, foi alta após alta. Encerrado o ano, o mercado subira 40%. Para os especuladores que operaram com margens, multiplicando seus valores investidos, e para os consórcios de investimentos, esses 40% significaram ganhos de 100%, 200%, 300%, 500% e até mais.

O volume de empréstimos repassados no ano de 1927 pelos bancos às corretoras — para que estas financiassem operações alavancadas garantidas por margens — subira o mesmo que os índices da Bolsa: 40%. O valor total agora era de 3.480.780.000 dólares, um montante sem precedentes. Mas que logo seria suplantado, em muito, no auge da maior febre especulativa que o mundo jamais conheceu.

Nenhuma dessas jogadas atraía o interesse — embora elas despertassem a preocupação — do banqueiro Amadeo Peter Giannini. Seu único objetivo era fazer seus bancos, Bank of Italy e Bancitaly, crescerem e democratizarem o crédito. Em outubro de 1927, Giannini perpetrou a maior fusão bancária da história dos Estados Unidos até aquela época, quando, de uma tacada só — numa típica aquisição hostil (hostile bid) — ele absorveu, através de compras na Bolsa, o Liberty Bank of America — com 174 agências — e o enorme Italian American of San Francisco. Com esse lance, o Bank of Italy tornou-se um dos maiores bancos do país. O The New York Times não deixou por menos:

Filho de imigrantes se destaca entre os banqueiros

Sucesso de A. P. Giannini, que fundou o Bank of Italy, uma maravilha internacional. Usando recursos próprios e ignorando precedentes, o homem de São Francisco desenvolveu uma instituição de 500 milhões de dólares.

Giannini estava convicto de que um crash ocorreria na Bolsa e uma depressão econômica se seguiria à debacle. Preparava suas instituições financeiras para esse momento.

Com exceção de A. P. Giannini e de mais uma dúzia de financistas sensatos, pouca gente acreditava nos prognósticos pessimistas. Esses poucos eram inclusive considerados derrotistas impatrióticos.

Ao final de 1927 os consórcios de investimento dos Estados Unidos haviam vendido ao público cotas no montante de 400 milhões de dólares.