Quase todos os surtos especulativos com ações começam com algum fundamento sólido. Pode ser o crescimento da economia, o aumento dos lucros das empresas, a descoberta de alguma rica jazida de petróleo ou mesmo uma mudança de governo. No início da década de 1920, não faltavam motivos para que os americanos se tornassem otimistas com o mercado.
Quando 1927 deu lugar a 1928, o boom da Bolsa de Valores de Nova York já se calcava muito mais na fantasia e na ganância do que na realidade. O mercado entrara em um círculo vicioso: todos compravam ações porque elas subiam e elas subiam porque todos compravam. E o ritmo alucinante da alta se devia à alavancagem. Era cada vez mais fácil se obter crédito para a compra de ações.
As pessoas mais conservadoras, ou prudentes, acabavam se sentindo otárias ao ver seus vizinhos trocarem seus carros por outros muito mais luxuosos, viajarem para a Europa nos grandes transatlânticos e frequentarem os speakeasies mais caros. “Ganhei na Bolsa”, eles explicavam com candura, como se fosse a coisa mais natural do mundo comprar títulos de um consórcio de investimento que investia em outro consórcio e este em mais um outro.
Bolsa de Valores de Nova York no início do século XX
H.C. White Co. | New York Stock Exchange Bldg. Co.
Library of Congress Prints and Photographs Division Washington, D.C.
Confiante de que tinha discernimento e experiência suficientes para detectar, com a devida antecedência, o momento da virada do mercado, Amadeo Peter Giannini também investia em ações. Só que o fazia em papéis do exterior, em empresas de alta reputação como o Banco da Inglaterra, o Banco da Irlanda, o Banco da França, o Reichsbank — com o marco estabilizado, a economia alemã voltara a crescer — e o Canal de Suez.
No plano interno, Giannini já detinha o controle acionário de nada menos do que 289 bancos, inclusive o relativamente pequeno, mas tradicional e reputado, Bank of America, com 116 anos de funcionamento. E via com grande preocupação as ações de seus bancos subirem mais do que ele considerava razoável.
Num único dia, Amadeo Giannini acompanhou, sem poder fazer nada a respeito, as ações de seu Bancitaly subindo dez pontos — ou dez dólares — nas bolsas de valores de Nova York e de São Francisco. Nessa época, o prestígio de Amadeo já era tão grande que jornalistas viajavam da Europa para os Estados Unidos apenas para entrevistá-lo.
Finalmente, em fevereiro de 1928, Amadeo Peter Giannini emitiu um comunicado oficial ao público exortando as pessoas a não comprarem ações de suas instituições financeiras por estarem sobrevalorizadas. Seguiu-se uma pequena queda nas cotações, que não durou mais do que poucos dias.
“O italiano espertalhão só pode estar blefando, para poder comprar barato”, comentaram alguns especuladores desconfiados, antes de mergulharem de volta nos papéis de A. P. Giannini.
No primeiro trimestre de 1928, o volume de empréstimos concedidos pelos bancos às corretoras para financiar operações com margens caiu um pouco. Mas, com a chegada da primavera, os valores dispararam. Dinheiro era o que não faltava no mercado.
Só em março, o índice Dow Jones subiu quase 25 pontos. Nos jornais, as cotações da Bolsa foram promovidas das seções de economia para as primeiras páginas. E não sem motivo. Em certos dias, alguns papéis subiam dez, quinze e vinte dólares. Na segunda-feira, 12 de março, as ações da Radio (RCA), as mais negociadas da época, ganharam dezoito pontos. No dia seguinte, para espanto dos especuladores, a Radio abriu 22 pontos (dólares) acima do fechamento da véspera.
Essa nova realidade do mercado provocava cada vez mais aflição naqueles que haviam pulado fora. Ninguém calculava o que havia ganhado na venda, mas sim o que estaria ganhando se ainda possuísse os papéis.
“Você não deveria ter vendido”, dizia a mulher ao marido, profetizando o passado. Era o pretexto que faltava para ele voltar ao carrossel da especulação.
Clarence Mackay, o magnata dos telégrafos e sogro de Irving Berlin, já não se sentia confortável com sua Postal Telegraph Company. Enquanto a Postal ganhava os lucros normais de qualquer empresa rentável, Mackay via alguns de seus amigos multiplicarem suas fortunas em alguns meses negociando papéis na Bolsa.
Por fim, Mackay não resistiu. Vendeu o controle acionário da Postal Telegraph para a International Telephone and Telegraph (IT&T), num negócio de 300 milhões de dólares. Não quis um centavo em dinheiro. Preferiu receber tudo em ações.
Tal como Amadeo Peter Giannini, Charles Merrill, da Merrill Lynch, acreditava que o preço das ações subira demais. Só que Charles era mais pessimista do que Amadeo. Ele achava que um colapso das bolsas era iminente e que sua opinião deveria ser tornada pública.
No dia 31 de março de 1928, a Merrill Lynch enviou um comunicado aos seus clientes no qual advertia, entre outras coisas, e sem usar uma linguagem muito direta, “que se deve aproveitar a atual alta dos preços para pôr a casa em ordem”. A recomendação foi solenemente ignorada.
Hipnotizados pela força descomunal do bull-market, os especuladores não queriam nem saber dos fundamentos da economia. E, no entanto, 14 milhões de americanos estavam desempregados no final da primavera. Esse dado estatístico, divulgado pelo Departamento do Trabalho (US Department of Labor), passou despercebido pelos investidores. Mas não por todos. O número impressionou o ator Charles Chaplin, que, excetuando-se sua participação na United Artists, tinha todo seu dinheiro disponível aplicado na Bolsa. Chaplin, que não era dado a hesitações, não pensou duas vezes. Liquidou sua carteira de ações, no valor de 5 milhões de dólares.
John Jakob Raskob, 48 anos, era diretor da General Motors, além de participar do conselho de diversas outras grandes empresas, inclusive a gigantesca DuPont. Raskob também atuava na Bolsa. Mais do que isso, era especialista em manipular cotações, usando para isso seu prestígio pessoal, seu amplo crédito e suas conexões em Wall Street.
Além de diretor da General Motors e integrante do Conselho da DuPont, John Jakob Raskob era um atuante especulador no mercado de ações
S. l., ca. 1928
Latinstock/© Hulton-Deutsch Collection/corbis/Corbis (DC)
No dia 12 de março de 1928, ao embarcar para a Europa, Raskob deu uma entrevista aos jornais na qual disse que as ações da GM deveriam estar sendo negociadas a um preço no mínimo equivalente a doze vezes o lucro anual da empresa dividido pelo número de ações. Isso significava um valor unitário de 225 dólares.
Como a cotação naquele momento era de 187 dólares, se o que John J. Raskob afirmava fazia sentido havia ali um lucro potencial de 20%, isso para quem não alavancasse sua compra em operações com chamada de margem, caso em que o lucro seria muito maior.
Vaticínios pessimistas, como os de Amadeo Giannini e Charles Merrill, não eram muito populares naqueles tempos do touro. Já as declarações de Jakob não só mereceram grande destaque nos jornais como caíram no gosto do público.
“Foi o próprio cara da General Motors que disse”, comentava excitado um especulador para outro. “Não um borra-botas qualquer. Se ele diz que as ações estão baratas, ainda é hora de comprar.”
Não deu outra. As ações da GM pularam de 187 para 199 dólares, uma alta de quase 7% em poucos dias, puxando outros papéis em sua esteira, como é comum nas bolsas. E se as ações subiram, o prestígio de Jakob subiu com elas.
“Eu não disse?”, comentou o especulador com seu amigo. “Esses caras sabem das coisas. É só seguir o que eles dizem.”
No mesmo dia em que Jakob deu a entrevista, a Bolsa de Valores de Nova York bateu um novo recorde de negociações: 3.875.910 ações trocaram de dono, volume esse que passou a ser normal. Duas semanas depois, em 27 de março de 1928, 4.790.270 ações foram negociadas no pregão.
Para grande desalento de Amadeo Peter Giannini, os títulos de suas empresas subiam no mesmo ritmo.
“Isso é uma insensatez”, Giannini dizia para seu motorista e confidente, Joe Garcia.
Entre os manipuladores, gente que “fazia” o mercado, distribuindo dicas e subornando jornalistas para que publicassem notícias falsas e fizessem comentários favoráveis a determinados papéis, continuavam se destacando Billy Durant, ex-General Motors, os sete irmãos Fisher e o canadense Arthur Cutten. Só que agora eles eram mais organizados. Formavam pools.
Em cada pool havia um estrategista que comandava a ação dos parceiros e definia a hora de comprar e de vender, assim como o tamanho dos lotes. Ao final, o lucro era dividido entre os sócios, considerando-se o capital investido por cada um. O gerenciador da operação recebia um bônus especial.
Em 1o de junho de 1928, o total de empréstimos bancários às corretoras bateu um novo recorde: 4 bilhões de dólares. Onze dias mais tarde, o recorde coube ao volume de negociação na Bolsa de Nova York: 5.052.790 ações. Os papéis da Radio, cotados a dez dólares no início da década de 1920, valiam agora mais de duzentos dólares, uma alta de 1.900% para quem não alavancou e o céu para quem o fez.
Nessa época, tornou-se comum a ticker-tape — esteira de cotações da Bolsa semelhante a uma tira picotada de telex com dois centímetros de largura, transmitida pelas linhas telegráficas para todo o país — atrasar-se em uma ou duas horas. Só tinham conhecimento do mercado em tempo real os profissionais que estavam no recinto do pregão ou em contato com ele por telefone. Aos demais investidores e especuladores não restava outra alternativa a não ser observar a Bolsa pelo retrovisor.
Foi então que o mercado virou.
Amadeo Peter Giannini estava em Milão, a quase 10 mil quilômetros de distância de Nova York, quando recebeu um cabograma. As ações do Bank of Italy haviam caído 120 pontos; a Bancitaly Corporation perdera 86. A United Securities, oitenta.
Giannini fazia as malas para voltar para casa quando foi derrubado por uma polineurite. Não teve alternativa a não ser acompanhar a distância a tragédia que acontecia no outro lado do Atlântico, tragédia essa que ele previra, mas que poderia atingi-lo também se não administrasse seus negócios com cuidado.
Num único pregão, a Radio perdeu 23 pontos, mais de 10% de seu valor. No dia seguinte, um jornal de Nova York exibiu a seguinte manchete:
O mercado de Wall Street ruiu ontem,
provocando um estrondo ouvido no mundo inteiro
Tudo indicava que o bull-market, o ciclo do touro, chegara ao fim.