Amadeo Peter Giannini não teve outra opção a não ser ficar na Itália. Levado para um hospital em Roma, permaneceu internado durante julho e parte de agosto de 1928. Mesmo atormentado por dores excruciantes, tinha de tomar decisões para manter sua cadeia bancária protegida da queda do mercado de ações nos Estados Unidos.
Finalmente, no início de setembro, Giannini, já restabelecido, mas ainda muito fraco, chegou a São Francisco. Mandou seu motorista, Joe Garcia, levá-lo diretamente da estação para o escritório, onde o banqueiro, mais do que depressa, mergulhou no trabalho. Nas semanas que se seguiram, em vez de ir todas as noites para casa, em San Mateo, 26 quilômetros ao sul, A. P. Giannini dormiu no Mark Hopkins Hotel.
Após pouco mais de um mês de cálculos e estudos cuidadosos, Giannini concluiu que tinha meios e recursos para constituir uma das maiores empresas holding dos Estados Unidos. Assim nasceu a Transamerica Corporation, com um capital de 217,5 milhões de dólares. A Transamerica deteria o controle acionário do Bank of Italy, da Bancitaly Corporation, da National Bancitaly Company, do California Joint Stock Land Bank, da Bancitaly Agricultural Credit Corporation, da Bancitaly Mortgage Company, da America Commercial Corporation, da Pacific National Fire Insurance Company e da Capital Company.
As ações da Transamerica foram registradas na Bolsa de São Francisco e se constituíram em sucesso imediato, apesar de o mercado ainda estar em baixa. Nessa época, Giannini usara de um estratagema para dormir em casa todos os dias sem enfrentar problemas de tráfego nas estradas. Conseguira ser designado chefe honorário do Corpo de Bombeiros e, graças a isso, pudera instalar sirenes e luzes vermelhas giratórias no capô de seu Rolls-Royce negro, modelo 1926. Além de agora poder trafegar acima do limite de quarenta quilômetros por hora, o Rolls, com seus alarmes ligados, obrigava os carros à frente a ceder passagem.
Joe Kennedy achava que a queda da Bolsa era coisa passageira e voltou a se interessar por ações. Ele chegara à conclusão de que os touros aproveitariam o pessimismo do mercado para fazer operações muito lucrativas e não queria estar de fora quando as oportunidades surgissem. Joe agora se dividia entre a Califórnia, onde se concentravam seus negócios cinematográficos, e Nova York, onde perscrutava Wall Street com lupa.
No início de 1928 nascera mais uma menina no clã: Jean Ann. Joe e Rose Kennedy tinham agora oito filhos.
A queda da Bolsa de Valores de Nova York foi tão aguda quanto efêmera. Pouco antes do início do outono, as ações, tal como Kennedy previra, reverteram a tendência e voltaram a subir. O banqueiro Andrew W. Mellon, que no momento era secretário do Tesouro dos Estados Unidos, excitou os ânimos ao declarar, convicto: “A maré alta da prosperidade continuará.”
No dia 1o de novembro de 1928, os empréstimos dos bancos às sociedades corretoras atingiram um novo recorde: 5 bilhões de dólares. Na sexta-feira, 16 de novembro, logo após a eleição de Herbert Hoover, por maioria esmagadora, para suceder Calvin Coolidge na Casa Branca, o volume de negócios na Bolsa de Nova York também fez nova máxima, com 6.641.250 ações transacionadas. Voltou a ser comum a ticker-tape se atrasar uma ou duas horas.
A essa altura dos acontecimentos, empresas tradicionais da Rua, como a Goldman Sachs, com quase sessenta anos de existência, puseram seu conservadorismo de lado, se juntaram ao trem da alegria e passaram a operar com consórcios. A Goldman criou um deles, emitiu um milhão de ações a cem dólares cada uma e repassou os papéis a 104 dólares para o público investidor.
Pronto. Num passe de mágica, 4 milhões de dólares — equivalentes a 54 milhões em números de 2013 — foram criados do nada, engordando os cofres da Goldman e os bônus de fim de ano de seus diretores.
Para os médios e pequenos investidores que aceitaram correr riscos, deu tudo certo em 1928, ano em que o índice Dow Jones subiu 35%. A Radio, que jamais pagara dividendos, subiu espantosos 394%, saindo de 85 dólares para 420. A DuPont foi de 210 para 524; a Montgomery Ward, de 117 para 440; e a Wright Aeronautic de 69 para 289.
Os que operaram com financiamento, garantidos por margens, ganharam além desses percentuais. Muito além. Já os profissionais tarimbados de Wall Street, que, atentos aos gráficos e às oscilações do dia a dia, foram touros no início do ano, ursos na queda, e touros novamente na reviravolta, esses… bem… esses se tornaram os homens mais bem-sucedidos dos Roaring Twenties até então.
Jamais, em nenhum momento da história, tantos ganhavam tanto. Simplesmente jogando com papéis, se valendo de recursos dos bancos. Milionários surgiam às dúzias.
Nadando contra a corrente especulativa, a Merrill Lynch continuava advertindo seus clientes a repeito dos riscos do mercado. “Agourento” era o mínimo que se dizia de Charles Merrill.
No dia 1o de dezembro nasceu Irving Berlin Jr., segundo filho de Irving e Ellin. O bebê morreu com 25 dias de vida, na noite de Natal. O avô, Clarence Mackay, não foi visitar o neto nem compareceu ao enterro.
Nova York, segunda-feira, 31 de dezembro de 1928. Três horas da tarde. No recinto de negociações da Bolsa de Valores o soar do gongo decretou o encerramento das operações naquele ano. Nos diversos postos do saguão, novecentos traders, todos donos de assentos e os únicos que tinham poderes para fechar negócios ali, substituíram seus gritos de apregoação por abraços de fim de ano nos companheiros.
O gongo significava também o término da jornada de trabalho de 1.145 telefonistas e quinhentos auxiliares de pregão, ou corredores (runners), cuja função era essa mesmo: correr. Correr de um lado para o outro com as ordens dos clientes e com os resultados das execuções dessas ordens. Nessa hora pararam também de trabalhar os operadores dos tubos pneumáticos — nos quais cilindros contendo boletos de negociações eram expelidos por ar comprimido para outros setores da Bolsa e para os escritórios das corretoras.
Todas as atividades daquela segunda-feira, assim como dos demais dias do ano, haviam sido supervisionadas e fiscalizadas pelo superintendente William R. Crawford, o homem que batera o martelo do gongo, responsável pelo funcionamento do que havia de mais representativo na máquina capitalista da América.
A cada compra feita teria de haver uma venda correspondente. Todas as operações tinham de aparecer na ticker-tape e no boletim da Bolsa. Crawford, cuja fisionomia não escondia o alívio de ver mais um ano terminado, agora caminhava pelos 1,5 mil metros quadrados do pregão, parando aqui e ali para cumprimentar os profissionais mais antigos da Casa.
Como sempre, a maior aglomeração de operadores (floor traders) ficava nas imediações do Posto 12, o “Posto da Radio”, onde um dos prodígios de Wall Street, Michael Meehan — nascido no País de Gales de pais irlandeses pobres, mas criado em Manhattan, para onde a família emigrara, e que começara sua carreira profissional como cambista de ingressos de teatros da Broadway —, costumava liderar a especulação desenfreada com ações da RCA, as de maior liquidez do mercado.
Outro astro do pregão chamava-se Frank Bliss, um veterano que costumava liderar puxadas rápidas e totalmente inesperadas em alguns papéis nos quais ninguém estava prestando atenção. Bliss era apelidado de “a raposa prateada de Wall Street” por causa de sua esperteza e de seus cabelos grisalhos.
Encerrados os negócios do dia, diversos operadores subiram para o sétimo andar do prédio, onde funcionava o restaurante da Bolsa, um dos mais requintados da cidade e restrito aos proprietários de assentos e seus convidados. Começava a tradicional festa de fim de ano. Logo uma fileira de garçons entrou no salão carregando travessas de prata contendo as iguarias que seriam servidas, acompanhadas de suco de mariscos, já que não ficava bem para a instituição descumprir acintosamente a Lei Seca.
Muitas mulheres e amantes dos traders já aguardavam seus maridos e parceiros no local. Mas quase ninguém ficou na festa por muito tempo, preferindo seguir para seus speakeasies favoritos, boa parte deles localizada por ali mesmo, na Baixa Manhattan, quase sempre em subsolos enfumarados.
Comemoração de fim de ano, ainda mais um ano exitoso como aquele, não tinha muita graça sem champanhe, vinho, uísque, absinto e cerveja. Sem contar que os desacompanhados estavam loucos para capturar uma garota para virar o ano com uma bela companhia. E nenhum lugar era melhor para esse tipo de caçada do que um speakeasy. O mais chique e exclusivo desses bares supostamente clandestinos — todo mundo sabia onde eles ficavam, inclusive a polícia — era a Casa Morgan, de Helen Morgan, que não tinha nenhum parentesco nem relacionamento com os Morgan banqueiros.
Entre os traders que operavam no saguão da Bolsa e os que dirigiam as operações de seus escritórios, alguns tinham se destacado em 1928: Mike Meehan, o especialista em ações da Radio; Frank Bliss, “a raposa prateada”; John J. Raskob, que se dividia entre as diretorias da General Motors e da DuPont e o mercado de ações; além do canadense Arthur Cutten, de Charles Topping e dos irmãos Fisher, todos hábeis formadores de pools. Ah, e o incomparável Jesse Livermore, o “garoto de Boston”, o “urso da Nova Inglaterra”, o “demolidor de ações”, trader magistral que conseguia ganhar na baixa mesmo quando o conjunto do mercado estava subindo.
Quando o circunspecto e fumante inveterado Livermore começava a vender um papel a descoberto com a intenção de derrubá-lo para comprar mais barato, os touros de Wall Street tremiam.
Jesse Livermore tinha planos grandiosos para 1929.