Em Londres, o magnata Clarence Charles Hatry encarava 1929 como o ano decisivo de sua carreira empresarial, pois, nos meses seguintes, pretendia adicionar aos seus negócios uma participação de grande porte na indústria do aço, promovendo a fusão de diversas companhias do setor, obtendo recursos para isso através do lançamento de ações e obrigações ao público e contraindo empréstimos bancários.
Levantar dinheiro, embora não para seu uso pessoal, era tarefa relativamente fácil para Winston Churchill, agora com 55 anos, pois como chanceler do Erário bastava-lhe aumentar os impostos e diminuir os gastos sociais do governo. Churchill jamais hesitava em adotar as medidas de austeridade que julgava necessárias. Isso, como seria de se esperar, enfurecia boa parte do eleitorado britânico, principalmente os operários.
Tanto em Londres como em quase toda a Europa, as pessoas não se interessavam pelo boom no mercado de ações que ocorria nos Estados Unidos. Cada país europeu lidava com seus próprios cenários econômicos e políticos.
Na Alemanha, o governo democrático da República de Weimar eliminara, com grande sucesso, os últimos resquícios da crise financeira, causada pelas reparações da Grande Guerra fixadas pelo Tratado de Versalhes, e da hiperinflação de 1923. O país voltara a ser uma das grandes potências industriais do mundo. Com o salário dos operários subindo, Hitler e os nazistas viviam um tanto no ostracismo. O partido encontrava dificuldades para recrutar novos militantes.
A União Soviética, em seu quinto ano da nova política econômica de Stálin, enfrentava severa escassez de alimentos. Na Espanha, incertezas políticas paralisavam o país, governado pelo ditador Primo de Rivera, mais interessado em mulheres e bebedeiras do que no bem-estar dos espanhóis.
Na Europa Central e nos países balcânicos só um tema despertava suas populações da letargia: o ódio que nutriam uns pelos outros. Austríacos, eslavos, croatas, eslovenos e magiares eram povos que a guerra unira ou separara em fronteiras que pouco ou nada tinham a ver com suas identidades culturais e tradições históricas.
A Itália de Mussolini encontrava-se em recessão, provocada pelo desempenho pífio da indústria e da agricultura. Isso se refletia na Bolsa de Valores de Milão, onde os preços das ações simplesmente não se moviam devido à ausência quase total de negócios.
Nesse quadro de penúria, a França e a Suíça, assim como a nova Alemanha, eram exceções.
Os suíços, ao contrário de seus vizinhos, acompanhavam com vivo interesse os eventos em Nova York e investiam enormes somas nos bancos americanos para que estes, por sua vez, concedessem empréstimos a taxas que não raro chegavam a 10% ao ano e até mais, com os quais financiavam a especulação alavancada de Wall Street.
Já a França, onde as cotações da Bolsa de Nova York quase não apareciam nos jornais, experimentava seu próprio boom. Com orçamento equilibrado, balança comercial superavitária, pleno emprego, franco valorizado e alto padrão de vida da população, além de enorme reserva em ouro, os franceses viviam em uma fortaleza econômica.
Em Nova York, Charlton MacVeagh, de 26 anos, jantava na casa da família de sua namorada, Adele, 19, filha de Edwin Merrill, presidente do pequeno mas reputado Bank of New York. Ele já fizera isso outras vezes, mas agora se tratava de um evento formal. Os homens vestiam smokings; as mulheres, longos. Charlton MacVeagh e Adele anunciariam seu noivado.
O casal de jovens se conhecia havia dois anos, pois ele e o irmão dela, Edwin Jr., tinham sido colegas de classe em Harvard. Depois, Charlton estudara no Balliol College, em Oxford, na Inglaterra. Como se não bastassem seus dotes acadêmicos, era simpático, bonito, elegante, culto, inteligente e trabalhava na Casa Morgan, além de ser filho de Charles MacVeagh, sócio de um dos mais importantes escritórios de advocacia de Nova York e então embaixador dos Estados Unidos no Japão. Enfim, Charlton era um marido que qualquer pai, por mais exigente que fosse, desejaria para sua filha.
Só havia um defeito em Charlton MacVeagh, pelo menos na visão de seu futuro sogro. Tratava-se de um rapaz liberal, tendo apoiado causas de trabalhadores, coisa que, aliás, não escondia de ninguém.
“Se Morgan o contratou”, concluíra o pai de Adele, “é porque considerou essas ideias perigosas arroubos normais da juventude, que o tempo se encarrega de apagar”. Mas ficou uma pontinha de preocupação.
Durante o jantar, Charlton comentou os últimos acontecimentos de Wall Street.
“Jack Morgan fechou a conta de Amadeo Peter Giannini no banco. Morgan e Giannini discordaram a respeito da política monetária do FED. Jack era a favor e Giannini, contra.” Embora trabalhasse na Casa Morgan, os olhos do jovem brilhavam de admiração pela atitude do audacioso banqueiro de São Francisco.
“Ah, aquele italiano”, o olhar de Edwin Merrill foi de puro desdém.
Novecentos quilômetros a oeste dali, na cidade de Flint, Michigan, outro casamento estava sendo discutido. Desta vez sem consulta à noiva, Jolan Slezsak, de 15 anos, e mesmo sem ninguém saber ainda quem seria o noivo. Barbara, mãe de Jolan, e seu marido, Andrew Arway, padrasto da menina, chegaram à conclusão de que estava na hora de ela se casar.
Sentados à mesa da cozinha, Barbara e Andrew, ambos imigrantes húngaros, conversavam sobre quem poderia ser o “pretendente”.
“O senhor Goldberger prometeu ajudar”, disse Andrew.
O advogado Ephraim Goldberger tratava dos interesses da comunidade húngara de Flint. Fora ele que cuidara do divórcio de Andrew, cuja primeira mulher se recusara a emigrar para a América, permanecendo em Budapeste. Fora também Goldberger que movera seus pauzinhos para que Barbara, então viúva do pai de Jolan, e o divorciado Andrew pudessem se casar.
Apesar de sua pouca idade, Jolan trabalhava duro, assim como seus irmãos, Julius, 17, e Michael, 16. Nos dias de semana ela servia como criada de uma senhora judia. E nas sextas-feiras, sábados e domingos à noite vendia bebidas alcoólicas que sua mãe e seu padrasto destilavam clandestinamente em casa. Jolan fazia as vendas e as entregas levando sua irmãzinha Margaret, de 6 anos, num carrinho de criança em cujo fundo falso ela transportava as bebidas. Que agente da Lei Seca, por mais vigilante que fosse, iria suspeitar de uma adolescente passeando com uma garotinha?
Pouco antes de morrer, em consequência de um acidente na mina de carvão onde trabalhava, o pai de Jolan deixara para ela quatrocentos dólares em uma caderneta de poupança no Union Industrial Bank, o maior da cidade e um dos mais importantes da região dos Grandes Lagos, com mais de 32 milhões de dólares em depósitos distribuídos por dez agências. Jolan Slezsak só poderia sacar o dinheiro ao completar 18 anos ou então ao se casar, prevalecendo o que acontecesse primeiro. Daí o interesse de sua mãe e de seu padrasto no casamento.
Apesar da renda da destilaria e do trabalho dos filhos, a família era muito pobre. As refeições não variavam: goulash feito de carne de terceira e vegetais cultivados no quintal da casa. As roupas de baixo de Jolan, Julius, Michael e da menorzinha Margaret eram feitas por Barbara com sacos de farinha de trigo.
Homer Dowdy, carteiro de 34 anos, também morador de Flint, sentia-se seguro por ter posto suas economias no Union Industrial Bank. Pelo menos seu dinheiro estava a salvo de incertezas e crescendo. Com sua mulher, Gladys, muito doente, Homer sabia que de uma hora para outra poderia ficar sozinho com três crianças pequenas para criar.
As consultas do médico eram caras e os remédios que ele prescrevia também, embora ainda não tivesse descoberto o mal que aos poucos consumia sua paciente. Os medicamentos eram principalmente opiáceos, para aliviar as dores.
Mesmo com seu salário de 2,1 mil dólares anuais, Dowdy temia ter de sacar dinheiro da poupança para pagar o tratamento. O que mais doía no carteiro era ver seus filhos, as meninas Ferne e Doris e o caçula, Homer, de apenas 7 anos, cuidando da casa e da mãe durante o dia em vez de brincar com as crianças da vizinhança.
No seu trajeto diário de trabalho, Homer Dowdy entregava envelopes com cheques remetidos por bancos e pelas sociedades corretoras de Chicago e de Nova York. Muitos destinatários, afobados e ansiosos, abriam os envelopes na frente do carteiro.
“Ganhei jogando na Bolsa”, os felizardos comentavam, exibindo os cheques. Uma mulher chegou a dançar na frente de Dowdy. “Foi uma tacada (killing) nas ações da General Motors”, disse ela, manifestando sua alegria ensaiando passos desengonçados do charleston.
Dowdy era um homem antiquado e conservador. Tinha uma mulher doente e três filhos para sustentar. Simplesmente não se encorajava a trocar sua poupança por ações, mesmo sendo testemunha do que as pessoas estavam ganhando, aparentemente sem nenhum esforço.
Reduzindo a velocidade, que pouco antes fora de quase cem quilômetros por hora, o expresso Wolverine, procedente de Nova York, se aproximava de Detroit. Iniciava-se a terceira semana de janeiro de 1929 e a paisagem estava coberta de neve. Dos vagões, os passageiros já podiam ver o enorme prédio cinzento, todo feito em blocos de pedra, da sede da General Motors. Mas, devido a distância, ninguém podia distinguir a letra “D” esculpida em vários pontos da fachada.
O “D” se referia a William Crapo Durant, ou Billy Durant, um dos passageiros do trem. Nas últimas quatorze horas ele permanecera em total isolamento, em sua suíte privativa na composição da New York Central. Durante esse tempo, garçons haviam servido o jantar e o café da manhã na sala de estar da suíte e um camareiro armara e desarmara a cama, com colchão de crina de cavalo e travesseiro estofado com penas de ganso.
Durant, um homem elegante, de fala macia e hábitos requintados, já ganhara 100 milhões de dólares especulando com ações em Wall Street. Numa das duas vezes em que detivera o controle acionário da General Motors, quase conseguira comprar a Ford Motor Company, de Henry Ford, por 8 milhões de dólares. O negócio só não se concretizou porque o banco que iria financiar a operação roeu a corda no último minuto, após Ford ter aceitado a oferta.
Billy Durant era um homem tão importante que se permitia ir a Washington visitar o escritório de transição de Herbert Hoover, presidente eleito dos Estados Unidos e que ainda não tomara posse, sem ter uma entrevista previamente agendada. E Hoover sempre o recebia.
William (Billy) Crapo Durant, fundador da General Motors e um dos maiores especuladores de Wall Street
Década de 1920
Latinstock/© Bettmann/corbis/Corbis (DC)
Pouco antes de deixar Nova York, Durant fora convidado por John Jakob Raskob, seu ex-companheiro de General Motors, para ser um dos sócios na construção do Empire State Building. Essa proposta martelou em sua mente ao longo de toda a viagem. Seu hemisfério cerebral aventureiro lhe induzia a aceitar o convite. O outro lado, o da prudência, mostrava o risco de fracasso de um empreendimento tão colossal.
Com certeza a banda da aventura prevaleceria. Pois uma das máximas de Billy Durant era: “O dinheiro é apenas emprestado a um homem; ele chega ao mundo sem nada e vai embora sem nada.”
Após desembarcar na Michigan Central Station, a principal de Detroit, Durant dirigiu-se para a limusine que o esperava junto à entrada. Seguiu nela para Flint, cem quilômetros a sudeste, cidade onde passara a infância — embora tivesse nascido em Boston — e para onde sempre retornava para se recuperar das tensões do mercado.
A notícia de que Billy Durant se dirigia a Flint chegou a Charles Stewart Mott, segundo homem em hierarquia da General Motors, trazendo-lhe grande desconforto. Mott devia ao outro muitos favores, inclusive o de o ter levado, durante a gestão de Durant na GM, para trabalhar na empresa, onde Mott fez carreira meteórica e se tornou milionário graças às gratificações e ao direito de comprar ações da companhia por seu valor contábil, muito abaixo dos preços de mercado. Foi também Billy Durant que financiou a campanha eleitoral que fez de Mott prefeito de Flint entre 1912 e 1914.
O pavor de Charles Mott era que, algum dia, Durant lhe pedisse um favor em retribuição aos seus, quem sabe o de ajudá-lo a armar um complô que levasse Billy Durant a obter, pela terceira vez, o controle da GM, coisa que Mott não faria de modo algum, pois jamais trairia o então presidente da empresa, Alfred Sloan, com quem se relacionava magnificamente. Seus medos nunca se concretizaram, mas, mesmo assim, Mott se assustava toda vez que Durant surgia no estado de Michigan.
Mott enviuvara duas vezes. Sua primeira mulher, Ethel, com quem tivera três filhos, morrera em 1924, ao despencar — pelo menos foi essa a conclusão da polícia — da janela do quarto do casal. O segundo casamento foi com Mitties, uma divorciada, e durou apenas sete meses. Ela morreu em consequência de uma infecção de garganta, no remoto rancho de Charles Mott no Arizona.
Agora Mott mantinha um romance quase secreto com a jornalista Dee Van Balkom Furey, editora da revista Bridle and Golfer, de 29 anos, 24 a menos do que Charles. Ela o cobria de agrados e atenções, tendo acendido nele a chama de uma paixão mais condizente com a de um adolescente. Só os amigos mais íntimos do casal sabiam do caso e desconfiavam de que Dee estivesse interessada apenas na fortuna do industrial.
Além de suas posições na General Motors, Charles Mott era o maior acionista e presidente do Conselho (chairman of the board) do Union Industrial Bank, de Flint, o mesmo no qual a jovem Jolan Slezsak e o carteiro Homer Dowdy tinham suas poupanças guardadas. Mas Mott pouco interferia nas atividades do banco, confiando-as a diretores profissionais e a pessoas de seu círculo de amizades, entre os quais distribuíra os assentos do Conselho.
Raríssimas vezes Charles Mott comparecia às reuniões do banco. Se fizesse isso mais amiúde, talvez, graças à sua experiência em negócios, descobriria uma fraude que lá se iniciara, comandada de dentro da própria instituição. Os desfalques no Union, que no início foram pequenos, agora cresciam como uma planta bem-regada e adubada.