Amadeo Peter Giannini e sua mulher, Clorinda, estavam hospedados em uma suíte do Hotel Ritz de Nova York. À noite, Giannini costumava sentar-se ao piano de cauda da sala de estar da suíte e cantar árias de óperas, acompanhando-as ao instrumento. Claire, que ocupava um quarto adjacente, ficava feliz ao ouvir a voz de barítono do pai.
Naquela noite o recital foi rápido, pois A. P. Giannini tinha um importante compromisso de jantar. Após seu rompimento com Jack Morgan, Amadeo procurava novos parceiros na cidade e um dos visados era o banco comercial e de investimentos Blair and Company. Blair, o maior acionista da instituição, morava em sua propriedade nas Bermudas e deixava seus negócios nas mãos de Elisha Walker, um nova-iorquino de 49 anos, graduado de Yale e do MIT. Era justamente com Walker que Giannini iria se encontrar.
Essa foi apenas a primeira de diversas reuniões exploratórias de lado a lado. Nessas oportunidades, A. P. descobriu, para sua satisfação, que Elisha era um homem franco e de mente aberta a inovações, sem nenhum traço da arrogância e ar de superioridade tão comuns nos executivos de Wall Street.
Após vários dias de conversas, Elisha Walker viajou para as Bermudas para informar ao seu patrão, Blair, sobre as intenções de Giannini.
“Eu preciso da expertise de vocês. Eu quero a sua companhia”, dissera Amadeo a Elisha. “Diga isso a Blair.”
O resultado foi um convite formal de Walker a Giannini para um jantar na sede da Blair em Nova York, o Blair Building. Quando chegou lá, pontualmente às vinte horas, Amadeo Peter Giannini foi levado até a sala do Conselho, onde Walker e outros onze sócios do banco o saudaram calorosamente. A maioria era composta de jovens na casa dos 30 anos.
Não poderia passar desapercebido a Giannini que os futuros sócios em potencial queriam agradá-lo. Na mesa e nos aparadores havia garrafas de seu vinho preferido, assim como travessas de antepastos de sua predileção. De um cômodo anexo emanava o aroma inconfundível da cozinha italiana, da qual uma grande variedade de pratos começou a ser servida em seguida.
Os sócios da Blair participavam do conselho de quase duzentas companhias americanas e estrangeiras e a instituição fazia empréstimos regulares para governos de outros países. A Blair and Company administrava também um fundo de 55 milhões de dólares, o Petroleum Corporation of America. Com a cadeia de bancos de Giannini, e sua ampla atuação na Costa Oeste, os dois grupos se completavam.
Após o jantar, no qual os homens praticamente só conversaram sobre amenidades, todos se dirigiram a uma sala próxima. Então Elisha Walker disse a A. P. o que A. P. queria ouvir.
“Nós estamos prontos para sermos absorvidos pelo Império Giannini. É a única maneira de enfrentarmos os grandes conglomerados financeiros que estão se formando em Wall Street.”
O arquiteto William Lamb, escolhido pelo magnata John Jakob Raskob para projetar o Empire State Building, tinha pesadelos terríveis todas as noites. Nesses sonhos ele via o gigantesco arranha-céu desabando sobre vários quarteirões da ilha de Manhattan, deixando dezenas de milhares de pessoas soterradas sob toneladas de ferro, aço, vidro e blocos de pedra e de concreto. Tudo porque, ainda no campo dos sonhos, ele errara nos cálculos da estrutura.
Além do entusiasmo com seu prédio, Raskob era um dos especuladores mais otimistas de Wall Street. Ele endossava os slogans do boom: “Seja um touro na América”; “Nunca venda os Estados Unidos a descoberto”.
Certa noite, em fevereiro de 1929, enquanto John Raskob e William Lamb conversavam sozinhos no escritório de Raskob na cobertura do número 230 da Park Avenue, o arquiteto apresentou ao investidor o primeiro esboço do Empire State.
John Jakob Raskob quase perdeu o fôlego ao ver o desenho do prédio em forma de um lápis.
“Vai custar 60 milhões de dólares”, informou Lamb.
Raskob não piscou um olho.
“O dinheiro já está reservado”, limitou-se a dizer. “Basta entregar o prédio no prazo. Deixe o resto comigo.”
Na compra do terreno, não houve barganha. Os proprietários do Waldorf Astoria haviam dado seu preço, 16 milhões de dólares, e John Raskob preenchera um cheque na hora.
Por mais que seus amigos íntimos o desaconselhassem, Charles Stewart Mott, 53 anos, segundo em comando e poder na General Motors e presidente do Conselho do Union Industrial Bank, de Flint, resolvera se casar pela terceira vez, agora com a jornalista divorciada Dee Van Balkom Furey, 29. Os dois marcaram, em segredo, a cerimônia para a sexta-feira, 1o de março. Tudo o que Mott não queria era publicidade na imprensa sobre o casamento.
Na última vez em que Mott conversara ao telefone com Grant Brown, presidente do Union Industrial, Brown lhe disse que os negócios estavam prosperando. Mas cobrou de Mott uma visita a Flint, coisa que o chairman do banco, mesmo tendo sido um dia prefeito da cidade, não fazia havia meses. Dee simplesmente não gostava de lá, um lugar muito pequeno e provinciano para uma pessoa tão cosmopolita quanto ela. Dee Furey chegou a ter um chilique quando Charles sugeriu que passassem a lua de mel em uma mansão que ele possuía em Flint.
No ano de 1928, Charles Mott recebera, entre salários e bônus, mais de um milhão de dólares. Seus investimentos no mercado de ações haviam rendido mais do que o dobro disso. E tudo indicava que 1929 seria um ano ainda melhor, tanto profissionalmente como em sua vida pessoal, agora que iria se casar com uma mulher tão brilhante e tão mais jovem do que ele.
No final de fevereiro de 1929, Michael Meehan, o especialista da Radio Corporation of America no pregão da Bolsa de Valores de Nova York, decidira dar uma nova puxada no preço das ações da RCA. Segundo seu raciocínio, a cotação nominal do papel estava muito baixa: setenta dólares. Não levou em conta o fato de que a Radio dera uma bonificação de cinco por uma. Quem tinha cem ações ficou com quinhentas ações. Daí o fato de o preço ter caído de 420 para os tais setenta.
“Mas setenta é baixo”, cismava Meehan. “Dá pra dar uma porrada.”
Junto com Percy Rockefeller, Billy Durant, Charles Mitchell, Ben Smith e Tom Bragg, os dois últimos da W. E. Hutton and Company, Meehan acabara de ganhar uma fortuna no pool da Anaconda Copper. Mas o pessoal de Wall Street era insaciável.
“Porrada dada é passado”, pensava Meehan. “Agora é partir para a Radio, que ficou de graça. Pelo menos é o que os investidores vão achar quando começarmos nossa campanha.”
Outra razão para que Michael Meehan tivesse escolhido aquele momento para puxar a Radio, era que em alguns dias o último pool especulativo com o papel completaria um ano. Naquela ocasião, em apenas 24 horas, de 12 a 13 de março de 1928, a RCA subira espantosos quarenta pontos.
Enquanto brincava com suas filhas no estúdio de seu apartamento de quatorze quartos na rua 67 Leste, Meehan fazia contas mentalmente. Cada vez ficava mais convencido de que a RCA poderia ser a killing do ano. De vez em quando sua mulher, Elizabeth, 36, com quem Michael estava casado havia dezoito anos, entrava no estúdio para servir salgadinhos e refrescos para o marido e as meninas.
Para compor o pool da Radio, Michael Meehan pensava em convocar Rockefeller, Raskob e Billy Durant. Avaliara também a possibilidade de chamar Joe Kennedy, mas rumorejava-se na Rua que ele estava se transformando em um urso. Além disso, algumas fontes confiáveis haviam dito a Meehan que Kennedy fora escorraçado por Jack Morgan. E ninguém de bom senso traria um possível inimigo dos Morgan para participar de um pool.
Como toda puxada na Bolsa precisava de um gerenciamento central para definir os timings e as estratégias, Michael Meehan pretendia sondar Bragg e Smith, da Hutton, para a função. Eram os melhores de Wall Street. Ao contrário do pool da Anaconda, programado para se arrastar ao longo de vários meses, a ideia de Meehan era que a tacada da Radio fosse brusca e desconcertante, durando apenas uma semana.
De acordo com as normas da Bolsa de Nova York, Michael Meehan não poderia possuir ações da Radio, uma vez que era o especialista do papel. Mas nada impedia que sua mulher, Elizabeth, agisse como “laranja”. Isso já acontecera diversas vezes e Michael não via razões para não recorrer novamente ao estratagema. Era só dar os papéis para ela assinar, o que Elizabeth fazia sem ler e sem hesitações.
Sem saber que seu nome fora cogitado, e descartado, para participar de um pool da Radio, Joe Kennedy desfrutava de uma temporada em sua casa de praia de Palm Beach, na Flórida, acompanhado de Rose e das crianças.
Embora sua decisão de vender ações a descoberto estivesse de pé, Joe vinha protelando a ação. As notícias que lia nas páginas do The New York Times todos os dias lhe mostravam que a temporada do urso ainda não chegara. Num outro compartimento de sua mente, Kennedy continuava determinado a vingar-se da descortesia de Jack Morgan, mas para isso também teria de aguardar o momento certo.
Para evitar o assédio da imprensa, o industrial e banqueiro Charles Stewart Mott e a jornalista Dee Van Balkom Furey se casaram quase em segredo na Igreja Episcopal de Trinity, na pequena cidade de Toledo, no estado de Ohio. À cerimônia, simples e curta, realizada de manhã, compareceram apenas os familiares do noivo e alguns convidados de seu círculo mais íntimo, tendo todos assumido o compromisso de não revelar o local e a hora para ninguém.
No aeroporto de Toledo, um trimotor Ford de propriedade de Earle Halliburton, magnata do petróleo, diretor da Southwest Airlines e um dos maiores amigos de Mott, aguardava os noivos para levá-los para o rancho de Charles, no Arizona. A escolha do local não podia ser mais infeliz, pois havia sido exatamente naquele lugar remoto que, um ano antes, a segunda mulher de Charles Mott, Mitties, também em lua de mel com ele, contraíra a infecção de garganta que a matou apenas sete meses depois do casamento.
Se a decisão a respeito da viagem para o Arizona foi péssima, a escolha da noiva, por parte de Mott, não ficou nada a dever em inépcia, tal como haviam suspeitado os amigos do industrial. Desde os primeiros minutos de casada, Dee se revelou uma mulher implicante e mal-humorada, impaciente com todos. Curiosamente, as únicas pessoas que ela chamou para assistir ao casamento foram o senhor e a senhora Prewitt Semmes, sendo ele seu advogado, já de prontidão para um possível e, pelo que se pode deduzir, premeditado, litígio.
Após um almoço na casa de Halliburton, Charles e Dee deram adeus aos convidados e se dirigiram ao avião que rapidamente decolou para o longo voo até o Arizona. Já eram quatorze horas.
A aeronave ainda estava nos procedimentos de subida quando Dee Mott se queixou da turbulência e da poltrona desconfortável. Emburrada, ela se reclinou no assento e não quis conversa com o marido. Os dois seguiram viagem em absoluto silêncio.
Uma hora após a decolagem, quando sobrevoavam a cidade de Anderson, 250 quilômetros a sudoeste do ponto de partida, o trimotor foi surpreendido por uma tempestade de neve. O piloto se afastou dali, saiu de sua rota e foi obrigado a voar mais baixo para se orientar pelos acidentes geográficos do solo. Não demorou muito e confessou aos seus dois passageiros: “Infelizmente, nós estamos perdidos.”
“Tudo por sua culpa”, Dee disse ao marido. “Bem que eu falei que a gente deveria ter passado a lua de mel em Detroit. Só você mesmo para ter essa ideia maluca de ir para o Arizona.”
Charles Mott ignorou as lamúrias da mulher e gritou para o piloto:
“Voe mais baixo. Vamos procurar um lugar para fazer um pouso forçado.”
Como Indiana é um estado essencialmente plano, os dois logo descobriram uma plantação numa pradaria. O Ford conseguiu fazer um pouso forçado, suas rodas se afundando na lama. Em menos de cem metros, o avião parou totalmente. Todos a bordo estavam ilesos.
A sra. Mott foi a primeira a cair fora do avião e dirigiu-se para a sede da fazenda próxima de onde o trimotor se atolara. Para sorte de Dee, lá havia um aparelho telefônico. Usando os serviços da telefonista de Anderson, Dee Furey, em vez de dar notícias aos seus parentes, ligou para ninguém menos do que o advogado Semmes, que ainda estava na festa na casa de Halliburton, em Toledo. Informou-o sobre o que acontecera.
Como Dee se recusou a dormir num lugar tão precário como a casa da fazenda, Mott convenceu o dono da propriedade a levá-los de carro até Anderson, onde, segundo o fazendeiro, havia um hotel. Quando chegaram lá, Dee Mott reclamou das instalações, dos quartos pequenos e mal mobiliados e do serviço.
Após uma noite no hotel o casal Mott seguiu viagem, agora de trem, para o rancho do Arizona, onde permaneceram uma semana. Charles não precisou de muitas horas para constatar que Dee detestava estar em sua companhia. Ela só estivera interessada em seu dinheiro. Antes de regressarem a Detroit, a sra. Mott deixou clara sua intenção de se divorciar e que seu advogado discutiria com Mott a divisão dos bens e uma pensão em dinheiro.
“Terceira mulher! Eu sou burro mesmo!”, Mott gemia a cada momento.
Se Charles Mott descobrira rapidamente os desencantos de sua jovem mulher, Jesse Livermore tinha poucas esperanças de aprender a lidar com Dorothy, com quem estava casado havia onze anos. Grande parte da culpa era dele, com seu histórico interminável de casos com amantes e prostitutas e de noites passadas fora de casa. Mas ela também tinha sua parcela de responsabilidade no fracasso do casamento.
Dorothy Livermore, 29 anos, era uma alcoólatra, vício que adquirira muito provavelmente para fugir da realidade de sua vida conjugal. A bebida, geralmente uísque, já começava a deixar traços em sua fisionomia, na silhueta, que se arredondara, e em seu comportamento. Ela se tornara uma pessoa triste quando sóbria e agressiva quando bêbada.
Quando as crises de sua mulher se tornavam especialmente agudas, Livermore, avisado pelos criados, deixava seu complexo de escritórios no Heckscher Building e corria para o luxuoso apartamento no número 817 da Quinta Avenida para evitar que Dorothy, ou Dotsie — que era como ele a chamara nos primeiros anos —, cometesse uma sandice irreversível na presença dos dois filhos do casal, Jesse Jr., de 9 anos, e Paul, um garotinho extremamente bem-humorado, um ano mais moço do que o irmão.
Em 1929 a Lei Seca era uma peça de ficção em Nova York, cidade onde adquirir bebidas em um dos milhares de contrabandistas das máfias locais era tão fácil quanto comprar verduras em um mercado.
Jesse Livermore já poderia ter se divorciado de Dorothy há muito tempo, mas o medo de que ela ficasse com a guarda dos filhos, que o idolatravam, o tolhia. Mesmo porque ele também adorava os garotos.