19
Espertos e otários

Exatamente às dez horas da manhã de terça-feira, 12 de março, quando soasse o gongo de abertura do pregão da Bolsa de Valores de Nova York, Michael Meehan acompanharia atentamente o início da puxada das ações da Radio, versão 1929, na qual o dinheiro do especialista da RCA seria posto em risco.

Após despedir-se de sua mulher, Elizabeth — em cujo nome seriam executadas algumas das ordens do pool —, e de suas duas filhas pequenas, Meehan, tenso, emendando um cigarro no outro, seguiu no Rolls-Royce guiado por John, o chofer da família, para o prédio da Bolsa.

A logística da operação seria coordenada por Tom Bragg e Ben Smith, da W. E. Hutton and Company. O estopim da puxada fora um documento de três páginas, em papel timbrado da companhia de Meehan, distribuído para os investidores e especuladores de seu círculo e rotulado como “particular e confidencial”, convidando-os a participar do pool.

Sessenta e oito desses homens responderam positivamente ao convite, entre eles James Riordan, amigo de Meehan, cuja única atividade na vida era especular com ações; John Jakob Raskob, que concordou em depositar um milhão de dólares; Billy Durant, com 400 mil; Percy Rockefeller, com apenas 75 mil dólares; além de Walter Chrysler, fundador da montadora Chrysler, e Bradford Ellsworth, também especulador profissional, que puseram no bolo meio milhão de dólares cada um. De todos eles, Ellsworth foi o único que investiu dinheiro em seu próprio nome, tendo os demais usado nomes de terceiros na operação, quase sempre suas próprias mulheres.

Somados todos os valores, os administradores do pool, Bragg e Smith, tinham à sua disposição 12,683 milhões de dólares para jogar na RCA.

Antes de a operação começar, só os boatos de que ela iria acontecer já haviam elevado as ações da Radio de 81,75 dólares para 89 dólares. E não pararam por aí. No domingo, 10 de março, o Wall Street Journal publicou a seguinte nota: “A situação financeira da Radio Corporation of America é a melhor de sua história. Agora a empresa irá expandir suas atividades para outros países.”

Por causa dessa matéria, na segunda-feira as ações da Radio subiram para 92 dólares. Isso deixou aflito o grupo do pool, pois eles ainda não haviam sequer começado a comprar os papéis.

Nessa própria segunda, dia 11, uma nota na coluna The Trader, do New York Daily News, estimava uma alta rápida da RCA para cem dólares. “Amanhã, terça-feira, será um belo dia para a compra da Radio”, arriscou o colunista do jornal, acertando o timing na mosca, pois a puxada realmente estava programada para começar no dia seguinte.

Realmente na terça, às dez horas, assim que o superintendente da Bolsa William Crawford bateu o gongo sinalizando a abertura dos negócios, no Posto 12, da RCA, sem que o especialista Mike Meehan tivesse aberto a boca — já que as ordens do pool eram executadas por operadores de outras sociedades corretoras, para não dar na vista —, os preços da Radio decolaram com um empuxo poucas vezes visto.

Quando surgiram alguns vendedores, atraídos pelo patamar mais alto, eles foram recebidos com vaias. Só que a pressão de compra dos touros era enorme e os ursos tiveram seus papéis sugados ou bateram em retirada, fora os que viraram casaca e engrossaram as hostes adversárias.

Ordens de compra dos papéis da RCA começaram a surgir de São Francisco, da Flórida, de Seattle e até de lugares distantes como o Havaí, influenciadas pelas matérias do Wall Street Journal e do New York Daily News. Com medo de perder o trem da alegria, os integrantes do pool entraram em campo. Suas primeiras ordens, executadas por volta das dez e meia, somaram 5 mil ações, compradas ao preço médio de 92 e ⅞ (sete oitavos). Segundos depois esse lote e esse preço apareceram na ticker-tape.

Boletins da Associated Press e da United Press informavam que a Radio se movia. Ao recebê-los, as emissoras de rádio incluíram a informação em seus programas de notícias.

Em seu escritório de Manhattan, no número 250 da Rua 57 Leste, Billy Durant esfregava as mãos satisfeito. Os 400 mil dólares que pusera no pool já começavam a crescer.

Ao mesmo tempo que acompanhava o mercado, Durant fazia anotações para o encontro que pretendia ter, na Casa Branca, com o recém-empossado presidente Herbert Hoover. Ele pretendia convencer Hoover de que a tentativa de endurecimento da política monetária por parte do FED era uma atitude totalmente errada e poderia interromper o boom econômico que o país vinha atravessando.

A notícia de que uma avalanche de ordens de compra da RCA estava inundando Wall Street chegou a Frank Montague, um dos vice-presidentes do Union Industrial Bank, em Flint. Frank apressou-se a dar conta do fato aos seus comparsas conspiradores da Liga de Cavalheiros.

Eles fizeram uma reunião para discutir a possibilidade de comprar ações da Radio. Para isso, teriam de subtrair mais dinheiro dos correntistas do banco. Acabou prevalecendo a opinião de Montague.

“Vamos aguardar mais alguns dias para ver como o papel se comporta”, argumentara o vice-presidente. “Se a RCA continuar firme, nós entramos de cabeça. Quem sabe desta vez a gente cobre os prejuízos e ainda põe alguma frente. Mas é melhor esperar um pouco.”

Quando, às quinze horas, William Crawford fez soar o gongo encerrando a sessão daquela terça-feira, o último negócio das ações da Radio Corporation of America havia sido fechado a 91 e ⅝. O pool havia comprado 392.600 ações, mas vendera 246 mil, resultando num investimento líquido de 13,5 milhões de dólares, chegando a ultrapassar o cacife de que dispunha, o que não foi um problema. Bastou a cada um deles pôr um pouco mais de dinheiro.

Quando os touros puxam uma ação ou os ursos querem derrubá-la, é preciso que atuem nas duas pontas do mercado, comprando e vendendo, usando diversos operadores (floor traders) para que suas intenções não fiquem óbvias. Caso contrário, a estratégia operacional se revela um desastre, exatamente o que não aconteceu naquele 12 de março de 1929.

O pool comprou exatamente o que queria, praticamente na quantidade que queria, sem que ninguém pudesse ter certeza de suas verdadeiras intenções. Melhor: os pequenos investidores que haviam comprado nos dias anteriores e vendido agora, se contentando com um pequeno lucro (mãos fracas, conhecidos em Wall Street como flippers), estavam fora. O dinheiro que entrara hoje era dinheiro novo, de investidores “mãos fortes”, convictos de que a Radio era a bola da vez e que poderia enriquecê-los.

Restava agora aos puxadores o mais difícil em qualquer pool: vender seus papéis para uma nova onda de compradores. Essa leva, a ser criada por eles, teria de ser grande o suficiente para absorver os papéis adquiridos pelo pool e ainda manter a RCA subindo, para que a puxada desse lucro.

Tal mágica só era possível porque Michael Meehan, Tom Bragg, Ben Smith e seus parceiros tinham a seu soldo uma equipe de jornalistas conceituados. Conceituados aos olhos do público, que era o que interessava.

Richard Edmondson, do Wall Street Journal; William Gomber, do Financial America; Charles Murphy, do New York Evening Mail; J. F. Lowther, do New York Herald Tribune; William White, do New York Evening Post e W. F. Walmsley, do The New York Times, aceitavam suborno para divulgar notícias falsas a respeito da empresa que os participantes de pools queriam puxar ou derrubar. E foi exatamente o que aconteceu na puxada da Radio Corporation of America em março de 1929.

As notícias foram tão exageradas que em 13 de março, graças a um artigo do Wall Street Journal, a RCA fechou a 94 dólares. No pregão seguinte, a Radio subiu para 100 dólares e meio. Nesse dia, uma declaração do secretário do Tesouro, Andrew Mellon, recomendando aos investidores trocar ações por títulos do governo, foi parar em letras miúdas nos cadernos interiores dos jornais enquanto as invencionices sobre a RCA deram manchetes de primeira página.

Na sexta-feira de 15 de março, a Radio bateu 107 dólares. No sábado, 109 e ¼. Embora ninguém soubesse, a não ser seus integrantes, o pool se livrou de suas últimas ações nesse sábado.

Não foi o que aconteceu com a Liga de Cavalheiros do Union Industrial Bank, de Flint. Após tantas notícias favoráveis à RCA, e com o mercado demonstrando enorme força, nos últimos dias eles resolveram entrar de cabeça no papel. Só que, sem o apoio do pool e com o fim das notícias otimistas nos jornais, na segunda-feira, 18 de março, a Radio caiu para 101 dólares e, no dia seguinte, para 92 e meio.

No sábado, 23, os cavalheiros da Liga não tiveram outro remédio a não ser liquidar sua nova e desastrada posição, pois os corretores que os atendiam estavam exigindo reforços de margens. O preço médio de venda foi de 87 e ¼.

O rombo estava cada vez maior. E os defraudadores só tinham duas alternativas: se entregar à polícia ou partir para outra jogada. Após se reunirem na sala do Conselho, com os nervos em frangalhos, optaram pela segunda.

O lucro líquido do pool concebido por Michael Meehan foi de 4.924.078,68 de dólares, distribuído entre seus participantes proporcionalmente à participação de cada um. Embora quase todo mundo em Wall Street agora soubesse dos detalhes da puxada escandalosa, em 1929 isso contava como mérito, esperteza, jamais como patifaria. A Rua dividia os homens em duas categorias: espertos e otários.