Jack Morgan fazia questão de que os executivos da J. P. Morgan, além de estarem sempre impecavelmente trajados, mantivessem seus sapatos limpos e reluzentes. Para os sócios e diretores da firma, isso não era problema. Mandavam engraxá-los em casa e, como iam para o trabalho em limusines, não ficavam expostos a poças, à lama da neve fora de época daquele início de abril e a pisões de terceiros.
O mesmo não acontecia com Charlton MacVeagh, filho de Charles MacVeagh, o embaixador dos Estados Unidos no Japão, e noivo de Adele, filha de Edwin Merrill, presidente do Bank of New York. Charlton ia de metrô, sempre superlotado na hora do rush matinal, da rua 57, onde ficava seu apartamento, até Wall Street.
Para chegar com os calçados totalmente limpos no escritório, MacVeagh parava todas as manhãs na banca de engraxate de um jovem de 19 anos, Pat Bologna, situada no número 60 de Wall Street, a pouco mais de um quarteirão da Casa Morgan. Por um dime (dez centavos), Bologna fazia um sapato parecer novo em folha. E, muito mais do que isso, provia seus clientes com as dicas e boatos que influenciariam a Bolsa naquele dia.
Pudera. Pat Bologna era engraxate de Ben Smith — um dos chefões da W. E. Hutton —, de Joseph Kennedy, de Charles Mitchell e de Billy Durant, além de diversos outros banqueiros, investidores e especuladores do primeiro time da Rua.
De cada um que sentava na cadeira de sua banca, Bologna pedia conselhos sobre o mercado de ações e depois repassava as indicações para os demais, que também davam seus pitacos. Sem exagero, podia se afirmar que Bologna formava o consenso do mercado para a sessão do dia. Muita gente até dava uma lambuzadinha no sapato só para ter o pretexto de parar lá.
Bologna, evidentemente, não trabalhava só pelos dimes, por mais numerosos que fossem. Dentro de suas limitações financeiras, baseava-se nas dicas que recebia para se valer de call loans com os quais negociava uma grande variedade de ações. E jamais deixava de jactar-se com seus fregueses quando conseguia cavalgar uma vencedora. Assim foi aumentando sua fama.
Nos últimos oito anos, George Whitney, um dos sócios seniores da Morgan, estava envolvido em uma operação no mínimo pouco profissional. George vinha emprestando vultosas quantias a seu irmão Richard, vice-presidente da Bolsa de Valores de Nova York.
Os primeiros empréstimos, feitos em 1921, tinham sido pequenos. E foram acompanhados de aulas de George para Richard sobre os princípios de administração de recursos, aulas essas que de pouco adiantaram. Além de incompetente como trader, Richard Whitney era um perdulário. Isso não impediu que o irmão continuasse a abastecê-lo de dinheiro.
Em 1928, Richard recebeu 100 mil dólares da Morgan, supostamente para comprar uma casa. Mas o dinheiro foi alavancado na Bolsa em operações com margens. Deu tudo errado e agora Richard Whitney já devia à Casa Morgan quase 600 mil dólares, o que não o impediu de solicitar mais 175 mil, desta vez para investir em uma empresa de fertilizantes na Flórida, um dos papéis mais especulativos do mercado. Novamente George cedeu, dessa vez para que o irmão não se tornasse inadimplente e o rombo não fosse descoberto na firma. Só lhe restou rezar para que Richard estivesse certo em seu palpite.
Como seria de se supor, os 175 mil viraram pó. Só que Richard Whitney pediu mais. Precisava de meio milhão de dólares para comprar um assento adicional da Bolsa de modo a expandir sua firma. Mais uma vez George topou a parada e o débito de Richard subiu para 1,375 milhão de dólares, nada que pudesse arranhar os cofres abarrotados da J. P., mas o suficiente para uma demissão sumária de George se os demais sócios da Casa soubessem o que estava acontecendo. Só havia uma solução: tentar recuperar o dinheiro emprestando mais.
“Em algum momento”, achava — ou pelo menos torcia — George Whitney, “isso vai ter de dar certo”.
Uma das razões pelas quais o débito sem lastro de Richard Whitney com a Casa Morgan ainda não fora descoberto era que, de acordo com a política da companhia, nenhum auditor podia examinar seus balanços contábeis. A J. P. Morgan and Company era a mais fechada das empresas. Não devia, nem dava satisfações a ninguém.
Com a data do noivado de Charlton MacVeagh e Adele Merrill marcada, a preocupação de Adelaide, mãe da noiva, se concentrava na festa que iria acontecer no Colony Club no dia 26 de abril. Enquanto isso, em Flint, Michigan, os detalhes de outro noivado estavam sendo discutidos. O curioso é que, nesse segundo caso, nem a noiva nem o noivo tinham conhecimento do fato.
Após o café da manhã, Barbara e Andrew, mãe e padrasto da jovem Jolan Slezsak, ainda em seus 15 anos, mandaram a garota sair de casa com seus irmãos mais moços, Frank e Margaret. Era para eles darem uma longa caminhada pelas florestas além da cidade, pois o casal tinha alguns assuntos importantes de adultos para conversar.
Quando Jolan voltou para casa com os irmãos, o reluzente Chevrolet do senhor Goldberger, advogado da comunidade húngara de Flint, estava estacionado na porta. No mesmo instante, como se estivesse esperando por Jolan, Goldberger saiu da casa, tirou de um dos bolsos do colete um quarter (moeda de 25 centavos) e o deu para as duas crianças menores irem comprar balas no armazém da esquina. O advogado então pegou Jolan pela mão e a levou para dentro da casa, onde cinco pessoas se reuniam em volta da mesa da sala de estar: Andrew e Barbara, outro casal mais ou menos da mesma idade e um jovem. Todos pareciam ansiosos.
Jolan viu que o rapaz era filho do casal, pois tinha as maçãs do rosto iguais às da mãe e as mesmas sobrancelhas espessas do pai. O jovem examinava Jolan com curiosidade e isso fez a orelha da moça enrubescer e a pele formigar.
Goldberger sentou-se na cabeceira da mesa e pôs Jolan ao seu lado. Virou-se para ela e fez as apresentações:
“Jolan, estes são o senhor e a senhora Vargo e o filho deles, Steve.”
O casal Vargo limitou-se a um aceno de cabeça para a garota. Já Steve sorriu, impressionando Jolan com sua dentição branca e perfeita. Ela concluiu que se tratava de um bom rapaz. Então se lembrou de que já o vira outras vezes. Steve e sua família moravam a umas dez quadras de distância. Jolan indagou-se sobre a razão de eles estarem ali. Estando o advogado presente, só poderia ser algo importante.
Goldberger virou-se para Steve e perguntou:
“Você tem 19 anos?”
“Sim, 19.”
“Trabalha na Buick?”
“Sim, na Buick.”
“Há quanto tempo?”
“Três anos.”
Steve Vargo não parecia se importar nem um pouco com o interrogatório, como se estivesse esperando por ele.
“Quanto você ganha?”
“Sessenta e seis centavos por hora.”
Barbara, mãe de Jolan, resolveu interromper os prolegômenos e ir direto ao que interessava e que já havia sido decidido pelos adultos enquanto Jolan passeava na floresta. Olhou a filha nos olhos e disse:
“Você e Steve irão se casar.”
Todos os olhos se fixaram em Jolan Slezsak para sentir a reação da moça, que não foi pequena. Agora a vermelhidão passara para todo o corpo. O advogado Ephraim Goldberger interpretou isso como uma aprovação:
“Casados!”, proclamou, dando um salto da cadeira. “Vocês terão uma boa vida juntos”, concluiu.
Andrew, o padrasto, pegou a deixa.
“Eles poderão se casar no outono”, decidiu. “É uma boa época.”
Todos os adultos concordaram. Nenhum deles se deu ao trabalho de olhar para os noivos. Se tivessem feito isso, teriam percebido que Steve não deu um pio. Jolan se sentiu tratada como um saco de batatas, mas não se aborreceu quando Goldberger lhe deu umas palmadinhas na cabeça.
“Estou certo de que vocês dois serão muito felizes. Vou agora deixar os detalhes para os pais. Tenho outras coisas a fazer.”
Com um aceno geral de cabeça para todos, e uma reverência especial para as mulheres, o advogado levantou-se e deixou a sala em direção ao seu carro.
Perplexa, entorpecida, a jovem ouviu sua mãe e a senhora Vargo discutindo detalhes do casamento. Do “seu” casamento, com um rapaz que conhecia apenas de vista e do qual sabia apenas que tinha 19 anos e que trabalhava na Buick. Jolan sentiu uma vontade enorme de chorar. Percebendo-o, Steve se aproximou dela:
“Quer tomar um sorvete de baunilha? Tem um ótimo ali na lanchonete da esquina.”
Jolan sorriu de pura felicidade. Baunilha era seu sabor preferido.
Na última vez em que o médico examinara Gladys — mulher de Homer Dowdy, o carteiro de Flint —, chamou Homer para uma conversa em particular após a consulta. Os dois sentaram-se à mesa da cozinha, ao redor de um bule de café e duas canecas.
“Ela está muito doente, Homer. Muito doente.” A fisionomia séria do profissional não traía sua sinceridade.
Pouco mais tarde, Homer conversou com Gladys sobre a possibilidade de sacar o dinheiro da poupança que o casal tinha no Union Industrial Bank. Assim, poderia levá-la ao melhor especialista de Detroit.
Gladys não concordou.
“Nosso médico está fazendo o melhor possível”, ela disse tristemente. “Guarde o dinheiro para as crianças, quando eu me for.”
Joe Kennedy via com cada vez mais pessimismo o mercado de ações. Durante anos a Bolsa vinha subindo sem parar e agora parecia a Joe que as pessoas aplicavam seu dinheiro sem sequer se dar ao trabalho de analisar os títulos que adquiriam, a maioria tomando dinheiro emprestado dos bancos, dando como garantia os próprios papéis e ficando sujeitas a chamadas de margem.
Era crença quase geral que o mercado jamais cairia, podendo no máximo permanecer estável. Consciente da estupidez de tal avaliação, Kennedy vinha aos poucos vendendo sua carteira.
Por volta das oito e meia da manhã, Grant Brown, presidente do Union Industrial Bank, iniciou uma inspeção na sede do banco, em Flint. Brown desconhecia totalmente as falcatruas praticadas por vários dos integrantes de seu staff que se autodenominavam Liga de Cavalheiros.
Brown vinha se descuidando do Union Industrial por viver em permanente lua de mel com sua nova mulher, Marie. Para seu pesar, ouvia rumores de que o mesmo não acontecia com o chairman do banco, Charles Mott, que enfrentava problemas em seu casamento com a jornalista Dee Van Balkom Furey. Mas o presidente não se sentia íntimo o bastante do chairman para indagar sobre sua vida conjugal.
De vez em quando Robert, filho do primeiro casamento de Brown, e já adulto, dizia ao pai que o fato de Charles Mott raramente visitar Flint, passando a maior parte do tempo em Detroit, era bom para o quadro de funcionários do Union, que se sentia inibido com a presença do chairman. Robert Brown, um dos caixas da instituição, participava ativamente da quadrilha que assaltava as contas dos clientes para jogar na Bolsa.
Enquanto inspecionava os diversos setores do banco, Grant Brown pôde ver seu filho, vestindo um colete preto de alpaca, no interior de seu boxe gradeado, o penúltimo da fila de caixas, conferindo os 10 mil dólares em cédulas e moedas que o tesoureiro Elton Graham, outro cavalheiro da Liga, lhe entregara para as atividades do dia.
Logo adiante Grant Brown viu um dos vice-presidentes, Frank Montague, curvado sobre sua mesa. Brown estava considerando a possibilidade de conceder uma promoção a Montague — seu amigo e a quem admirava muito —, quem sabe para gerente de uma das agências. Tal como no caso de seu filho, Grant Brown não tinha a menor noção de que Frank era um dos mais ativos do grupo de defraudadores.
Com cada funcionário por quem passava em sua vistoria, Brown trocava amabilidades, nem que fosse um comentário sobre o tempo ou votos de um bom dia de trabalho. Fez isso com os caixas, com os escriturários e com os guardas de segurança.
Exatamente às nove horas as portas do banco foram abertas e os clientes começaram a chegar, num fluxo que duraria o dia todo. Grant Brown foi para sua mesa, onde ficou até o meio-dia, hora em que saiu para almoçar em casa, hábito que adquirira após se casar com Marie. Resolveu não voltar depois do almoço. Passou suas funções para o vice-presidente sênior, John de Camp, também integrante da Liga de Cavalheiros, em quem Brown confiava cegamente, tanto no sentido literal como no figurado do advérbio.
Os integrantes da gangue ficavam felizes quando Brown saía, pois temiam que algum acontecimento, por mais insignificante que parecesse, pudesse fazê-lo ficar desconfiado das falcatruas. Afinal de contas, as somas desviadas das contas dos clientes já eram vultosas e envolviam muita gente para adulterá-las. Frank Montague, por exemplo, achava que era apenas uma questão de tempo as fraudes serem descobertas.
Já o tesoureiro assistente, Ivan Christensen, não compartilhava dos temores de Montague. Ele achava que era possível manipular os números sem que pessoas de fora do grupo tomassem conhecimento. A não ser, é claro, que alguém da Liga fraquejasse e cometesse um ato de indiscrição ou que eles continuassem a perder dinheiro na Bolsa e a situação se tornasse insustentável. Havia também a possibilidade de uma visita inesperada de uma equipe de auditores ao banco que os colhesse de surpresa. Só que a Liga tinha algumas estratégias preparadas para essa hipótese.
Os auditores ficavam baseados em Lansing, a oitenta quilômetros de distância. Quando faziam a viagem entre as duas cidades, ao chegarem a Flint, iam primeiro almoçar. Sempre no Durant Hotel. Só depois disso se dirigiam ao Union Industrial Bank para a inspeção dos registros contábeis. Então, bastava a Liga ter um mensageiro do hotel como espião para não serem pegos desprevenidos.
No dia em que o presidente do Industrial trabalhou no banco pela manhã e depois foi almoçar em casa com Marie, os auditores chegaram. Minutos depois, o espião chegou esbaforido ao Union:
“Os homens estão na cidade, no restaurante do Durant”, o mensageiro deu o recado.
Os auditores não eram muito diligentes em seu trabalho, mas gostavam muito da fartura do almoço do hotel. Por isso demoraram duas horas antes de ir para o banco. Foi o tempo que os conspiradores da Liga tiveram para “trabalhar” os livros para que estivesse tudo OK na hora da visita.
Por volta das quinze horas os inspetores chegaram ao Union Industrial. Foram cortesmente recebidos pelo vice-presidente De Camp e pelo tesoureiro Christensen.
Percebendo que Frank Montague estava assustado, Ivan Christensen passou por ele e o tranquilizou:
“É apenas uma inspeção de rotina. Não há motivo para preocupações.”
Se a Liga de Cavalheiros era incompetente para operar no mercado de ações, o mesmo não acontecia quando se tratava de adulterar os números das contas dos clientes do banco. Tanto é assim que, ao final da inspeção, o chefe dos auditores deu seu veredito:
“Os livros estão todos em ordem. Parabéns!”