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O verdadeiro ano de 1929

Após uma infância e uma adolescência miseráveis, James Riordan conseguira, com enorme sacrifício, graduar-se em uma universidade e subir na vida graças a sua aptidão para negócios e facilidade em fazer amigos. Estes agora incluíam John Jakob Raskob, o incorporador do Empire State Building, ele também de origem pobre; Joseph Kennedy, assim como diversos integrantes dos clãs Rockefeller e Astor e de outras famílias ilustres. James se dava bem com todos sem que isso o impedisse de ter também amigos humildes como o porteiro de seu prédio e o manobrista de sua garagem.

Além de participar de diversos empreendimentos, James Riordan era presidente da pequena, mas sólida, New York County Trust Company, com sede em Greenwich Village, um banco cujos depósitos haviam subido de quatro para 20 milhões de dólares em apenas três anos.

Todos gostavam de James. Ele era isento de preconceitos religiosos, sociais e políticos. Embora católico praticante, tinha vários judeus e protestantes em seu vasto círculo de amizades.

Riordan era um dos convidados que John Raskob recebia para um jantar especial em seu apartamento na Carlton House. Os dois brindaram com dry martínis os maus e velhos tempos passados em cortiços e guetos, esperando que nunca mais se repetissem. Brindaram também às crianças de ambos, as onze de Raskob e as quatro de Riordan — James, Robert, Florence e Elizabeth —, que ajudavam, com sua alegria, o pai, viúvo desde 1917, a se sentir um jovem aos 48 anos.

“O dinheiro é que tem de trabalhar para você, nunca você para o dinheiro”, John Raskob certa vez dissera para Riordan, que jamais esqueceu o conselho. Os dois tinham acabado de dar uma tacada no pool da Radio, para o qual tinham sido convidados pelo galês Mi­chael Meehan, o especialista da RCA no pregão da Bolsa de Valores de Nova York.

Após o jantar, e durante o conhaque, Raskob e Riordan voltaram a conversar a sós. Falaram sobre a subscrição de 40 milhões de dólares que a United States Steel estava oferecendo ao mercado, sobre a compra do Nassau National Bank por Amadeo Peter Giannini, sobre o retorno de Joe Kennedy a Nova York e sobre as críticas de Charles Mitchell e de Billy Durant ao Conselho da Reserva Federal, Mitchell e Durant acusando a instituição de forçar para cima as taxas de juros, arriscando o país a entrar num período de recessão.

Já embalado pelas bebidas, John Raskob sentiu-se tentado a confidências. Pegando Riordan pela mão, levou-o até seu estúdio, numa ala afastada do apartamento. No chão, havia um objeto comprido e pontiagudo coberto com um pano.

Como se fosse um mágico no clímax de um número, Raskob ergueu o pano de um só golpe e exibiu ao amigo uma maquete do Empire State.

“Quinta Avenida, 350, entre 33 e 34 Oeste”, limitou-se a dizer John Raskob.

Tal como acertado, a festa de noivado de Adele Merrill e Charlton MacVeagh acontecera no Colony Club, na Park Avenue, na sexta-feira, 26 de abril, com a presença de toda a Nova York que interessava. Para aborrecimento de Charlton, cada convidado que seu futuro sogro lhe apresentava fazia a mesma pergunta:

“É verdade que você trabalha na J. P. Morgan?”

Como se a pessoa não estivesse cansada de saber.

MacVeagh se via forçado a discutir assuntos do mercado financeiro quando a única coisa que queria era ficar com Adele. O mesmo acontecia com ela, que estava sendo obrigada pela mãe, Adelaide Merrill, a conversar com um monte de gente importante de quem a moça jamais ouvira falar.

Do que Adele gostou mesmo foi da presença de seus futuros sogros, que haviam vindo diretamente de Tóquio, onde eram embaixador e embaixatriz dos Estados Unidos da América.

“Eu sempre quis ter uma filha como você”, disse a sra. MacVeagh, emocionando Adele e quase a levando às lágrimas.

Michael Meehan sentia-se altamente desconfortável. Seis semanas após o enorme sucesso do pool da Radio, já encerrado, uma operação similar, da Anaconda Copper, que começara muito antes, patinava em prejuízo, apesar do apoio financeiro de Percy Rockefeller, John Raskob e Billy Durant. Os gerenciadores da puxada, Bragg e Smith, não conseguiam impedir a queda das ações na Bolsa.

O pool fora formado através da compra, por parte de seus integrantes, de 200 mil ações da Anaconda ao preço médio de 170 dólares cada uma. Logo de saída elas subiram para 174 dólares. E então começaram a cair. Havia razões de sobra para isso. O preço do cobre baixara de 24 para 18 centavos por libra-peso. Com isso, os papéis da Anaconda passaram a ser negociados em média a 160 dólares, gerando um prejuízo de 2 milhões de dólares para os puxadores.

Pragmáticos e calejados, os integrantes do pool optaram por um stop loss (liquidar uma operação com prejuízo antes que as perdas se avolumem). E foi o que fizeram. Quando as 200 mil ações se juntaram aos lotes que estavam sendo vendidos por acionistas decepcionados com a queda do cobre, a desvalorização da Anaconda foi ainda maior.

Não foi a primeira vez, e com certeza não seria a última, que um pool fracassava, mesmo com o bull-market a pleno vapor, encorajado por uma declaração supostamente em off do secretário do Tesouro, Andrew Mellon, de que “não considerava os preços das ações perigosamente altos”. Mellon sabia que sua confidência sairia em todos os jornais, o que realmente aconteceu.

 

Alexander Noyes, editor financeiro do The New York Times, um dos mais respeitados jornalistas de economia dos Estados Unidos, continuava convicto de que a alta da Bolsa se aproximava do fim e o dizia abertamente em seus comentários no jornal. Isso fazia de Noyes um dos maiores inimigos dos touros.

“Derrotista, é o que ele é”, acusavam seus detratores, quando não diziam coisa pior: “Deve estar vendido a descoberto. Só pode ser um urso, aquele pilantra. O jornal deveria despedi-lo.”

Cicatrizada a ferida da Anaconda, Michael Meehan estava com novas ideias na cabeça. Pretendia estabelecer uma filial de sua sociedade corretora no luxuoso vapor de passageiros Berengaria, que fazia a rota entre Nova York e a Europa. Como sempre havia muitos milionários a bordo, Meehan achava que o empreendimento seria um sucesso. Tanto foi assim que prometeu pagar à linha Cunard, proprietária e operadora do navio, 100 mil dólares por ano pela exclusividade.

Meehan submeteu sua proposta de uma corretora flutuante ao Conselho de Governadores da Bolsa de Valores de Nova York. Para pressionar seus integrantes, ele usou a influência do vice-presidente da Bolsa, Richard Whitney, e de David Sarnoff, vice-presidente executivo da RCA, o pai dos serviços de telégrafo sem fio e de rádio na América, seu amigo havia longo tempo e a primeira pessoa a dar notícia do naufrágio do Titanic, dezessete anos antes. Por sinal, recentemente a sra. Sarnoff obtivera um lucro de 58 mil dólares no pool da Radio sem pôr um centavo sequer na operação.

David Sarnoff seria de extrema importância caso a corretora flu­tuante fosse aprovada, pois caberia à RCA montar o serviço de telegrafia no Berengaria para que as ordens de compra e venda pudessem ser executadas na Bolsa de Nova York sem demora, assim como não poderiam demorar as confirmações dessas ordens para os passageiros.

O potencial do serviço de corretagem flutuante proposto por Meehan agradou tanto a Sarnoff que ele prometeu designar para o navio Arthur Costigan, considerado o telegrafista mais rápido do mundo.

Como o Conselho da Bolsa aprovou a ideia, Michael Meehan e David Sarnoff passaram a trabalhar no projeto.

Na quinta-feira, 9 de maio de 1929, as ações fizeram um novo pico em Nova York. Era o bull-market em sua robustez. Naquele dia, as ações da General Motors, de Charles Mott, foram o grande destaque nas negociações. O dinheiro continuava fluindo para Wall Street.

A participação das mulheres no mercado era cada vez maior, tanto comprando à vista como negociando a prazo através de empréstimos bancários, ou até mesmo vendendo a descoberto, como faziam os ursos profissionais. Um artigo publicado em abril pela revista The North American Review dissera que elas “haviam se tornado habilidosas praticantes do mais emocionante jogo capitalista inventado pelo homem”.

Muitas descobriam que podiam ficar ricas sem depender dos respectivos maridos.

Com poucas exceções, a imprensa adorava a alta do mercado. Jornalistas recebiam propinas para escrever artigos favoráveis a determinadas empresas. Entre eles estava um colunista do Daily News que usava o pseudônimo de The Trader. Um comentarista de rádio, William J. McMahon, recebia 250 dólares por semana, em dinheiro vivo, de David M. Lion, um manipulador de ações. Obviamente McMahon elogiava os papéis que Lion tinha acabado de comprar e, como ninguém é de ferro, adquiria alguns títulos da mesma empresa para si próprio.

Como as previsões de Alexander Noyes, do Times, de que um crash estava a caminho nunca se materializavam, ele começou a ser ridicularizado pelos colegas.

Os touros recebiam tratamento VIP da mídia. Um deles, Bernard Baruch, em entrevista publicada pela The American Magazine, declarou que nenhum urso possuía casas na Quinta Avenida.

Alguns acadêmicos não ficavam atrás em otimismo. O professor Joseph Stagg Lawrence, da Universidade de Princeton, por exemplo, perguntou em um artigo: “Onde estão os sábios que se julgam autorizados a vetar o julgamento dessa multidão inteligente que aplica na Bolsa?”

Os Giannini estavam de volta a Nova York. O motivo anunciado da viagem era o de consolidar sua aliança com a Blair and Company. Mas Claire, filha de Amadeo, sabia que a razão pela qual seu pai voltava da Califórnia era para verificar se havia veracidade nas informações confidenciais, dadas por alguns auxiliares italianos que estavam com ele havia muito tempo, de que Elisha Walker vinha se comportando de modo extremamente arrogante em sua nova posição como presidente da Bancamerica-Blair Corporation.

Women at New York City Stock Exchange Board

As mulheres eram participantes ativas do mercado de ações. Aqui, duas delas estudam as cotações da Bolsa

Nova York, EUA, 1929

Latinstock/© Bettmann/corbis/Corbis (DC)

Tal como sempre acontece nos grandes bull-markets — e o de 1929 foi o maior de todos os tempos — as ações não sobem linearmente. Os investidores e especuladores ficam extremamente sensíveis às notícias boas e ruins e o mercado passa a oscilar muito.

Na segunda-feira, 27 de maio, houve um tombo na Bolsa. A General Electric, por exemplo, caiu 13 e ¼ pontos. Nesse dia, mais de duzentas ações fizeram suas mínimas do ano.

Quando tudo parecia indicar que o boom chegara ao fim, o mercado voltou a disparar morro acima. Os ursos, vendidos a descoberto, entraram em pânico e cobriram suas posições.

Apesar da nova alta, Amadeo Peter Giannini estava convicto de que as ações estavam sendo cotadas a preços muito mais altos do que o seu valor real. O mesmo achava seu amigo, o banqueiro Paul Warburg.

Nem Giannini, nem Warburg, nem os touros e ursos mais celebrados podiam imaginar que nos próximos meses a Bolsa iria sofrer oscilações jamais imaginadas.

O verdadeiro ano de 1929, com todas as suas loucuras e tragédias, ainda não começara de verdade. Os momentos de maior euforia e dramaticidade ainda estavam por vir.