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Sexo com baunilha

Para transportar os quinhentos convidados da festa do casamento de sua filha Adele com Charlton MacVeagh, o banqueiro Edwin Merrill fretou um trem especial para percorrer os 65 quilômetros entre a cidade de Nova York e Bedford Hills, onde os Merrill tinham sua casa de campo. A locomotiva e os vagões estavam decorados com bandeiras de seda branca.

Os homens usavam fraques pretos ou cinzentos, chapéus de seda e botões de cravo na lapela. As mulheres trajavam vestidos feitos especialmente para a ocasião e chapéus de aba larga. Às três da tarde o trem chegou à estação de Bedford Hills, também toda engalanada de branco.

A mãe da noiva, Adelaide, se moveu entre os que desciam dos vagões, pinçando com grande habilidade e sem-cerimônia, e não menor memória visual, os cem previamente selecionados para assistir à cerimônia religiosa na igreja St. Matthew’s, situada no alto de uma pequena elevação. Os demais foram encaminhados à casa da família Merrill, a uma distância de caminhada da estação.

No espaçoso gramado da propriedade um extenso toldo listrado, nas cores vermelha e branca, havia sido armado para a recepção. Canapés e refrescos começaram a ser servidos para distrair os que iriam aguardar ali os noivos e seus parentes, padrinhos e convidados especiais. Terminada a cerimônia, conduzida ao som de peças de Mendelssohn e Wagner, uma procissão de casais de braços dados, tendo Charlton e Adele à frente, desceu a colina e foi se encontrar com os demais.

Se havia uma Lei Seca em vigor nos Estados Unidos, não chegou a Bedford Hills. Pois assim que os noivos se misturaram aos convidados para receber os votos de felicidade, bebidas alcoólicas começaram a circular: champanhas franceses de safras nobres, uísque e gim da melhor qualidade, tudo fornecido por Michael Levine, um judeu russo de 37 anos que, à frente dos mais diversos negócios — legais e ilegais —, fizera fortuna ao criar o primeiro serviço de mensageiros de Wall Street, que contava com 2 mil funcionários.

Setecentos quilômetros a oeste de Bedford Hills, em Flint, Michigan, Jolan Slezsak, que acabara de fazer 16 anos, e seu noivo Steve Vargo tentavam conversar em meio ao som do borbulhar contínuo vindo do interior das cubas de cobre da destilaria do padrasto e da mãe de Jolan. Não bastasse o incômodo do ruído, era sufocante o calor no porão da casa onde eram fabricadas as bebidas, por sinal de péssima qualidade.

Enquanto tentava entender o que Steve lhe dizia, pois a voz dele era abafada pelo barulho, Jolan sentia nas entranhas o quanto ele a excitava. A garota podia ver cada centímetro quadrado da masculinidade do noivo na camisa desabotoada, na pele brilhando de suor, enquanto os dois misturavam, com grandes pás de madeira, a bebida que fermentava. Ela tinha uma enorme vontade de fazer amor com ele, embora tivesse apenas uma vaga ideia de como a coisa se processava. Nunca vira, nunca ouvira falar.

Steve prometera dar à noiva um sorvete de baunilha todos os dias quando estivessem casados. Só que ela agora desconfiava que poderia haver algo mais saboroso envolvido no casamento.

Sexta-feira, 21 de junho de 1929. Grant Brown, presidente do Union Industrial Bank, recebeu a notícia de que Charles Stewart Mott, chairman do banco, estava partindo para uma segunda e demorada lua de mel na Europa.

“O casamento deles agora deve estar indo bem”, interpretou Brown, sem saber que o único objetivo de Mott era tentar se livrar de um processo de divórcio oneroso, que poderia lhe custar a perda de boa parte de seus bens. Grant Brown também não sabia que o advogado de Dee Mott acompanharia o casal no navio.

Brown era outro que tinha viagem marcada. Iria participar de uma conferência de banqueiros em São Francisco. Na oportunidade esperava realizar um dos seus grandes desejos, que era o de conhecer pessoalmente Amadeo Peter Giannini.

O vice-presidente Frank Montague, do Union Industrial, ficou feliz em saber da viagem simultânea de Mott e de Brown. Estando o chairman e o presidente ausentes de Michigan, ficava mais fácil esconder as falcatruas que a Liga de Cavalheiros continuava fazendo, cada vez em maior número.

Montague vinha comendo e dormindo mal, perdera peso e desenvolvera um incômodo eczema nervoso. Percebendo a tensão do marido, sua mulher, Louise, vivia lhe perguntando o que o perturbava tanto. Certa noite ele quase lhe confessou tudo, mas acabou ficando com pena de estender a ela sua aflição. Além do mais, Louise já tinha preocupações suficientes com as lides da casa, o trato das crianças e o orçamento doméstico.

Felizmente para Frank e seus comparsas, pela primeira vez em muito tempo a Liga estava ganhando dinheiro. E poderia estar lucrando muito mais se eles não tivessem entrado atrasados no pool da Radio. Agora, um investimento bem-sucedido se seguia a outro, todos alavancados. Só em empresas automobilísticas e companhias de aviação os trapaceiros ganharam 200 mil dólares. E não parou por aí.

Na quarta-feira, 19 de junho, atuando com base em uma dica quente (hot tip) recebida por Milton Pollock, também vice-presidente do Union, a Liga comprou ações de uma indústria de alimentos cuja fusão com empresas concorrentes estava sendo patrocinada pela J. P. Morgan and Company. Em questão de dias, as ações subiram trinta pontos.

Se não podia estar feliz por causa da doença de sua mulher, Elizabeth, ao menos Pollock se sentia aliviado. Todas as manhãs, ao liderar a família nas preces matinais, ele pedia a Deus que provesse o dinheiro necessário para pagar as despesas médicas dela, que só faziam crescer.

Durante os últimos meses o pensamento dos integrantes da Liga de Cavalheiros era apenas o de recuperar o dinheiro que haviam “pegado emprestado” das contas dos clientes. Mas agora cada um deles pensava na possibilidade de sobrar um lucro palpável. Afinal de contas, toda a América estava se fartando de ganhar dinheiro na Bolsa.

Em Londres, Clarence Hatry tinha plena consciência de que estaria quebrado caso todos os acionistas da United Steel apresentassem suas ações para venda, conforme a carta que lhes enviara. E tudo indicava que isso iria acontecer, com as ações caindo mais e mais na Bolsa.

O que o jovem e bem-apessoado Edmund Daniels — um dos diretores-gerentes do grupo empresarial de Clarence Hatry — tinha de genialidade, principalmente ao lidar com números, tinha de inescrupuloso. Com uma ideia na cabeça para que o conglomerado saísse do buraco, Daniels procurou o patrão.

“E se a gente usasse cada ação vendida para nós pelos acionistas para levantar empréstimos bancários, dando os títulos como garantia?”, sugeriu o diretor.

Clarence Hatry se irritou com o que supôs ser uma proposta ingênua.

“Mas como vamos dar as ações como garantia se nós as estamos comprando por um preço muito superior ao de mercado?”

“É só entregarmos mais ações ao banco do que as que temos em carteira.” Edmund Daniels abriu um sorrisinho cínico.

“Mas como?”, a irritação de Hatry aumentou.

“É simples. A gente imprime ações em quantidade superior à do capital da companhia.”

“Mas isso é crime, é estelionato, é roubo, dá cadeia”, a irritação transformou-se em indignação, que, a bem da verdade, foi diminuindo aos pouquinhos. “Você acha que tem chance de dar certo?”

Clarence Hatry via a chance de se agarrar a um galho, um galho muito fraquinho, mas mesmo assim um galho, à beira do penhasco.

“Não sei.” Daniels foi honesto. “O que sei é que se não fizermos nada vamos quebrar.” Ele usou o plural como se fosse sócio de Hatry.

A partir desse momento a United Steel começou a tomar empréstimos bancários dando em garantia ações falsas e verdadeiras computadas a preços inferiores aos da Bolsa. Com o dinheiro obtido ilegalmente, Clarence Hatry pôde honrar as cartas-oferta que, antes das eleições parlamentares, enviara aos acionistas.

Ao final do mês de junho de 1929, o índice de produção industrial americano atingiu o maior nível de todos os tempos até então. Muitos investidores que haviam relutado em comprar ações naqueles preços, que julgavam altos demais, se renderam aos fatos e jogaram suas economias na Bolsa.

Certos deviam estar o presidente dos Estados Unidos, Herbert Hoover, e seu secretário do Tesouro, Andrew Mellon, quando declararam que o país ainda estava para viver seu melhor momento. A sociedade onde todos seriam ricos parecia cada vez mais real e não uma figura de retórica.

Novos consórcios de investimento eram lançados todos os dias e quase sempre integralmente subscritos. Apenas no decorrer do mês de junho as médias industriais do Times se valorizaram em 52 pontos, um quarto do que haviam subido nos últimos cinco anos.

Até os desonestos trapalhões da Liga de Cavalheiros do Union Industrial Bank de Flint estavam conseguindo ganhar cada vez mais dinheiro.