Em meio ao calor sufocante da manhã ensolarada de segunda-feira, 1o de julho, Homer Dowdy, carteiro de Flint, iniciou sua primeira ronda de entrega de correspondências. Em sua bolsa postal havia um grande número de envelopes amarelos que ele sabia conter cheques emitidos por sociedades corretoras de ações.
“Aqui na cidade muita gente está ganhando dinheiro no mercado”, Dowdy deduziu corretamente.
Embora jamais tivesse aberto um desses envelopes, Homer Dowdy já testemunhara diversos destinatários das cartas fazerem isso na sua frente. Naquela segunda-feira mesmo, um comerciante exibiu ao carteiro o cheque que acabara de receber.
“Foi uma tacada que dei nas ações da General Motors”, revelou ele. “Isso é mais do que ganho em um mês de trabalho duro no armazém.”
Dowdy prosseguiu sua caminhada tendo um único pensamento na cabeça: a situação de seus três filhos pequenos. Sua mulher, Gladys, piorava a cada dia. O médico dera a ela seis meses de vida. Homer precisava pensar com calma sobre o que fazer com as crianças.
Gladys jamais se queixava das dores excruciantes que sentia para não afligir os filhos. Mas Homer os vinha preparando para o pior.
“Jesus irá chamar a mamãe brevemente”, ele confidenciara às meninas, que logo repassaram a notícia ao irmãozinho.
Homer Dowdy sabia que, além de custear as despesas médicas, iria precisar de parte do dinheiro depositado no Union Industrial Bank para contratar uma governanta. O resto, ele pretendia dividir em três partes iguais, uma para cada filho, para que eles pudessem um dia frequentar uma universidade.
Steve Vargo, noivo de Jolan Slezsak, também tinha uma conta no Union Industrial que crescia todas as semanas com o dinheiro que ele separava de seu salário na Buick, para gastá-lo depois que se casasse.
Em julho, a tragédia atingiu em cheio a família Slezsak, quando Frank, de 7 anos, morreu atropelado por um caminhão. Jolan simplesmente não conseguiu lidar com a morte do irmão e entrou em desespero.
Durante o velório, enquanto uma garrafa do ardido uísque da casa era passada de boca em boca, e bebida no gargalo pelos presentes ao redor do caixão, num cerimonial de vigília húngara, Steve chamou Jolan de lado.
“Precisamos comprar uma coroa de flores para ele”, o rapaz sussurrou ao ouvido da noiva, apontando para o corpo do garotinho.
“Mas, como? Estou sem um centavo. E você, está com dinheiro?”
“Não aqui. Mas tenho uma conta no banco da qual jamais fiz um saque. Mas agora é uma emergência. Vamos até lá!”
Quando os dois chegaram ao Union, o expediente já havia sido encerrado. Por isso eles não puderam entrar. Se tivessem feito isso, talvez Steve descobrisse que alguma coisa estava errada, pois contas como a dele e a de Jolan, clientes que jamais sacavam, eram as preferidas da Liga de Cavalheiros para terem seus saldos usados nas especulações da Bolsa. Naquele dia, por sinal, as duas estavam zeradas enquanto o pouco dinheirinho dos noivos circulava por Wall Street.
Mal o luxuoso transatlântico Berengaria, com suas três chaminés encarnadas, zarpou do porto de Nova York rumo a Cherbourg, na França, em meio ao pipocar de rolhas de champanha de passageiros que comemoravam a saída da zona de jurisdição da Lei Seca (como se já não bebessem o suficiente nos Estados Unidos), o primeiro escritório de corretagem de ações flutuante do mundo, pertencente a Mike Meehan, iniciou seus trabalhos de teste.
Durante a travessia, haveria a oportunidade de verificar se era realmente possível operar na Bolsa do meio do Atlântico Norte. As transações naquela viagem não seriam para valer. Apenas uma simulação. Dos setecentos passageiros do navio, muitos, principalmente entre os da primeira classe, poderiam se revelar ótimos clientes. Um novo marco na área de comunicações se iniciava.
Nas primeiras semanas do verão de 1929, o bull-market não dava o menor sinal de enfraquecimento. Muito pelo contrário, as ações agora desempenhavam um papel central na vida americana.
Como escreveria Frederik Lewis Allen no livro Only Yesterday (Apenas ontem), publicado em 1931:
Enquanto dirigia, o motorista do ricaço tinha os ouvidos atentos às notícias sobre uma iminente alteração na Bethlehem Steel; é que ele comprara a termo cinquenta ações com vinte dólares de margem. O limpador de janelas do escritório da corretora interrompia sua tarefa para acompanhar a ticker, pois estava pensando em converter suas economias, penosamente acumuladas, em ações da Simmons Company.
O repórter Edwin Lefèvre escreveu em um artigo de jornal que o criado particular de um corretor ganhara um quarto de milhão de dólares na Bolsa e que uma enfermeira conseguira fazer 30 mil se valendo de informações passadas por pacientes agradecidos. Lefèvre narrou também a história de um vaqueiro do Wyoming, cujo rancho ficava a cinquenta quilômetros da ferrovia mais próxima, que comprava e vendia mil ações por dia.
Essa era a América do último verão dos Roaring Twenties, os “esfuziantes anos 20”.
O boom não se limitava a Wall Street e nunca ficou totalmente claro se era causa ou consequência do estrondoso bull-market. Pois a situação econômica do país não parava de melhorar. Setenta e oito por cento dos carros do mundo estavam nos Estados Unidos, que queimavam 2,5 milhões de barris de petróleo por dia. Uma profusão de postos de abastecimento se espalhou pelas estradas de costa a costa.
Só a Ford Motor Company, uma das mais poderosas corporações do mundo, produzia 8 mil carros diariamente, registrava um superávit anual de 582 milhões de dólares e mantinha 275 milhões em caixa. A fortuna pessoal de Henry Ford era de um bilhão de dólares.
Mais uma vez hospedado no hotel Ritz, de Nova York, Amadeo Peter Giannini extravasava sua fúria nas teclas do piano da suíte. Claire sabia que de nada adiantaria tentar acalmar o pai. Teria de esperar que sua raiva se fosse como uma tempestade tropical levada pelo vento.
O motivo de tanta ira era que Elisha Walker continuava fazendo das suas, criando novos atritos com os executivos da Transamerica. Claire Giannini, que jamais confiara totalmente em Walker, não estava tão surpresa quanto o pai. Por isso sua raiva era menor.
Claire tentava raciocinar sobre a melhor maneira de lidar com a situação. Não era uma coisa fácil de ser resolvida. Desde a fusão dos grupos Giannini e Blair, a posição de Elisha Walker como segundo em comando ficara estabelecida.
Finalmente, mais calmo, Giannini decidiu dar tempo ao tempo. Resolveu aguardar três meses para que Walker se entrosasse com os demais diretores do grupo. Caso contrário, ele tomaria as providências necessárias, por mais drásticas que fossem. Escreveu uma nota em seu diário registrando a data-limite para a resolução do impasse: última semana de outubro.
Os consórcios de investimento não paravam de surgir, um após o outro. A palavra “alavancagem” tornou-se moda, mesmo entre os investidores novatos, marinheiros de primeira viagem.
“Vou alavancar meu dinheiro”, dizia o empregado de uma padaria para o seu colega. “Um amigo meu investiu duzentos dólares e já está com 8 mil. Em menos de seis meses, acredite.”
Isso era possível porque os consórcios compravam cotas de outros consórcios, que por sua vez compravam as de um terceiro, que adquiria as de um quarto e assim por diante, sempre alavancando. Consórcio patrocina consórcio, que patrocina consórcio. Só na compra, antes que as cotações se movessem, um único dólar significava dez, vinte ou até mesmo cinquenta dólares.
Como tudo subia, os lucros de cada uma dessas verdadeiras rodas da fortuna também subiam, em progressão geométrica. O processo só teria fim se o mercado caísse, hipótese que a maioria das pessoas considerava impossível numa época tão próspera.
“Isso é a América, terra da oportunidade”, proclamavam eufóricos os investidores.
Nesse ambiente de delírio, os audaciosos ganhavam fortunas, os menos afoitos enriqueciam, os medrosos dobravam ou triplicavam seu dinheiro e caíam fora para voltar ao mercado semanas depois. Os ignorantes e idiotas ganhavam seus trocados.
Como se estivessem assistindo a um filme, investidores acompanham atentamente as últimas cotações anotadas na pedra
Outubro de 1929
Latinstock/© Hulton-Deutsch Collection/corbis/Corbis (DC)
O urso Jesse Livermore sabia que aquela situação não podia permanecer para sempre. Mas não havia nenhum sinal de que a manada de touros estava perdendo sua força de impulsão. E no mercado não adianta uma pessoa acertar o fato se errar o timing.
Justamente para tentar detectar o ponto de virada, Livermore reunia-se com seus assessores. E os relatos que ouviu não foram nada bons, não para quem pretendia ganhar na baixa. Jesse, com sua experiência, jamais comprara papéis de fachada negociados a preços artificiais, como era o caso dos consórcios. De uma coisa ele tinha certeza: quando a baixa ocorresse, ela seria muito mais rápida do que a alta.
Durante a reunião, o especialista de Livermore no mercado de moedas estrangeiras informou que 10 milhões de dólares em ouro, provenientes da Grã-Bretanha, haviam chegado na primeira quinzena de julho, levando o total acumulado do ano para 48 milhões. De Paris e de Berlim, outros 77 milhões, também em barras de ouro, haviam sido enviados para os Estados Unidos. Tudo isso ia direto para os bancos americanos, que financiavam os empréstimos com margem que abasteciam a febre da Bolsa.
A produção americana de aço em julho de 1929, Jesse Livermore ficou sabendo de outro de seus assessores, deveria superar em um milhão de toneladas o número recorde de julho de 1928. O esplendor da América se revelava em todos os setores de atividade.
Havia alguns dados econômicos contraditórios, que deixavam um urso atávico como Jesse mais animado. Os pátios das fábricas de Detroit começavam a se encher de carros não vendidos. Era grande a quantidade de imóveis novos à venda; nos últimos meses o valor desse estoque subira de 500 milhões de dólares para 18 bilhões de dólares, um número estarrecedor.
Isso significava que os americanos estavam destinando todo o seu dinheiro para Wall Street. Mas como as empresas cujas ações eram negociadas na Bolsa dependiam da expansão ininterrupta da economia, esses sinais contraditórios acenderam uma luz amarela na cabeça de Livermore.
“Vai haver um tombo em alguma hora”, dizia para si mesmo e para seus especialistas. “Nós temos de ficar muito atentos.”
No J. P. Morgan, Charlton MacVeagh vinha se destacando entre os colegas. Sua mulher, Adele, aceitava sem reclamar os serões que o marido fazia no banco quase todos os dias, fora o extenso volume de relatórios que ele levava para casa e com os quais não raro varava as madrugadas e os fins de semana. Recém-casados, ele e Adele mal tinham alguns momentos só deles.
“Wall Street é assim mesmo”, Charlton dizia à mulher, sem que ela pedisse qualquer explicação, filha de banqueiro que era.
Quando os dois saíam para jantar fora, eram sempre acompanhados de colegas de mercado de MacVeagh. Os homens passavam o tempo todo falando de negócios, deixando as amenidades para suas mulheres.
Certa ocasião, num jantar na casa de Thomas Lamont, segundo em hierarquia na Casa Morgan, um dos altos executivos da firma confidenciou a Adele que logo seu marido iria se tornar o mais jovem sócio do banco e que Jack Morgan já decidira isso. Adele MacVeagh ficou sem saber se a notícia era boa ou má, pois, se fosse verdadeira a informação, sobraria ainda menos tempo para ela usufruir de Charlton. Mas isso não evitou que sentisse um imenso orgulho dele.
Outro que monitorava com lupa o mercado de ações para ganhar dinheiro quando a Bolsa despencasse era Joe Kennedy. Seu plano era aumentar sua já enorme fortuna vendendo ações a descoberto. Mas para detectar o momento exato da virada do mercado, Kennedy queria “sentir a Rua”. E era isso que ele estava fazendo num dia de julho de 1929.
Joe Kennedy juntou-se à multidão que chegava ao distrito financeiro vinda de todos os lados. Após perambular um pouco entre os pedestres, Joe começou a visitar os amigos que trabalhavam na região. A primeira pessoa que ele procurou foi Michael Levine, o judeu russo dono da maior empresa de mensageiros de Wall Street, o mesmo que fornecera as bebidas para o casamento de Charlton e Adele em Bedford Hills.
Entre outros “empreendimentos” altamente rentáveis, Levine prestava todas as espécies de serviços pessoais, como conseguir, no meio da noite, uma garota de programa para um corretor solitário, reservar um quarto num dos bons hotéis da Baixa Manhattan para um banqueiro levar sua secretária na hora do almoço, indicar os melhores bordéis, cassinos clandestinos e os médicos confiáveis que faziam abortos seguros.
Kennedy sabia que Michael Levine, justamente por conhecer todo mundo em Wall Street, era um dos oráculos do mercado financeiro. Daí tê-lo visitado em primeiro lugar. Depois foi encontrar-se, ao mesmo tempo, com John Raskob, o homem do Empire State; o banqueiro James Riordan, da New York County Trust Company; e o canadense Arthur Cutten, um dos mestres formadores de pools e o mais bem-sucedido especulador de commodities do país, cuja fortuna era páreo para a de Jack Morgan. A reunião dos quatro, realizada no escritório de Cutten, já havia sido previamente agendada.
O encontro deixou Joe Kennedy perturbado. Ele viu que todos os seus colegas especuladores continuavam bullish (altistas) com relação às ações e concluiu que ainda não era hora de vendê-las a descoberto.
Após a reunião, Kennedy ainda visitou outras corretoras, colhendo de todos os profissionais a mesma opinião: o bull-market estava longe de chegar ao fim. A febre da alta grassava por todos os cantos da Rua.
Só faltava uma pessoa importante para Joe Kennedy entrevistar: o engraxate Pat Bologna, em sua banca no número 60 de Wall Street. Ele era outro que sabia de tudo o que acontecia no distrito financeiro.
Como Bologna não estava atendendo ninguém naquele momento, limitando-se a folhear um exemplar do Wall Street Journal, Joe subiu os dois degraus e sentou-se na cadeira.
“Como está o mercado, Pat?”, Kennedy apoiou os dois pés nos descansos protuberantes da banca de engraxate.
“Sempre subindo, Mr. K, sempre subindo.”
Bologna pegou suas escovas e começou a trabalhar.
“E você, está ganhando muito?”, o interesse de Kennedy era visível.
“Com certeza. O senhor quer uma dica?”
Embora soubesse exatamente quem era quem em Wall Street, Pat Bologna tratava todos com a mesma informalidade.
Joseph Kennedy fez que sim com a cabeça.
“Compre petrolíferas e ferrovias, Mr. K. Elas vão atingir a lua. Um freguês que não erra nunca me trouxe hoje essa informação.”
Joe se indagou se teria havido mesmo o tal freguês e se era fato que o cara não errava. Mas limitou-se a agradecer:
“Obrigado, Pat”, e escorregou para as mãos do engraxate uma moeda de um quarto de dólar.
“Obrigado, Pat”, repetiu.
Nessa noite Joseph Kennedy disse para sua mulher, Rose.
“Um mercado no qual qualquer um pode jogar e um engraxate faz previsões não é um mercado para Joe Kennedy. Como está todo mundo otimista, acho que ainda há espaço para a Bolsa crescer. Mas quando tudo desabar, e não vai demorar muito, o ruído será ouvido no outro lado do Atlântico. Eu vou aguardar mais um pouco. Depois serei um urso de dar inveja a Jesse Livermore.”
Os consórcios iam de vento em popa. No dia 26 de julho foram emitidos pela Goldman Sachs 102,5 mil dólares em ações da Shenandoah Corporation. A alguns privilegiados, entre os quais os próprios sócios e diretores da Goldman, foi dado o direito de comprar esses títulos a 17,50 dólares.
Quando, dias depois, a Shenandoah foi lançada na Bolsa, já abriu a trinta dólares. Ao longo do pregão a cotação foi subindo, fechando a 36 dólares, gerando um lucro de 105% para quem comprou as ações diretamente da Goldman Sachs com seu próprio dinheiro e infinitamente mais para quem as adquiriu da fonte usando empréstimos bancários, cuja taxa de juros era de aproximadamente 10% ao ano.
O céu continuava sendo o limite em Wall Street.
Em Londres, mesmo após ter conseguido obter empréstimos bancários oferecendo em garantia certificados de ações inexistentes da United Steel, e com isso garantido momentaneamente o caixa da empresa, Clarence Hatry sentia que os alicerces de seu negócio continuavam correndo o risco de desmoronar. A indústria pesada e o setor naval britânicos enfrentavam uma grave crise, que se refletia no consumo de aço.
Até agora aproximadamente um bilhão de libras esterlinas em títulos falsos havia sido entregue aos bancos. Era um crime grave. Se descoberto, Hatry iria mofar na cadeia. Ele tinha medo de que as instituições que enganara logo começassem a fazer perguntas.
A única maneira de evitar isso era uma ação audaciosa. A poucos quarteirões de distância do escritório de Clarence Hatry estava a sede do Banco da Inglaterra, sob o comando de Montagu Norman, o único homem que poderia salvar Hatry.
Embora não fossem amigos, e até cultivassem uma antipatia mútua, Clarence tinha uma proposta para fazer a Montagu.
Com os conservadores fora do poder, Winston Churchill fazia os preparativos para sua viagem ao Canadá e aos Estados Unidos. Com ele iriam seu irmão Jack, seu filho Randolph e seu sobrinho Johnny. Nova York seria o último ponto da viagem do ex-chanceler do Erário. Churchill pretendia visitar Wall Street no final de outubro.
Como ninguém é de ferro, Winston Churchill aproveitaria a viagem para fazer também uma fezinha na Bolsa.