30
Arauto da desgraça

Existe um indicador dos mercados em geral, e do mercado de ações em particular, que mostra que quando quase todo mundo está bullish (altista) para as cotações elas param de subir. Esse indicador tem um nome: Índice de Força Relativa (Relative Strength Index ou RSI).

O aparente paradoxo tem uma explicação. Se todos estão otimistas, quem tinha de comprar já comprou. E não havendo mais ninguém para comprar, o mercado cai. Cai até que surjam preços mais baixos e convidativos.

Em setembro de 1929, os jornais davam corda aos investidores. Uma matéria do Wall Street Journal de quarta-feira, dia 4, relatava:

Wall Street entrou na estação financeira do outono em um estado de espírito de otimismo. Com as ações das ferrovias apresentando um ganho firme e a produção nos principais ramos da indústria crescendo em forte ritmo, as perspectivas de ganhos das principais corporações com ações registradas na Bolsa de Valores são vistas como extremamente promissoras.

Jesse Livermore, o mais bem-sucedido dos ursos, foi um dos que interpretaram a alta de terça-feira como sendo um possível topo do mercado. E decidiu agir de acordo com suas conclusões.

Na quarta, quinta, sexta e sábado da primeira semana de setembro, as ações começaram a oscilar muito, às vezes subindo, em outras descendo, mas sempre fazendo topos e fundos inferiores (lower highs, lower lows) aos da terça-feira, dia 3. Os investidores e especuladores começaram a ficar inquietos, conformando-se agora em realizar lucros pequenos tão logo surgia a oportunidade. A sociedade onde todos seriam ricos já não era um dogma incontestável. A ganância começava a ceder terreno ao medo.

Na manhã do próprio dia 4, Jesse Livermore recebeu em seu escritório uma mensagem cifrada procedente de seu informante de Londres. Segundo o comunicado secreto, Clarence Hatry, o rei do vidro, e que agora tentava tornar-se o rei do aço, enfrentava sérios problemas financeiros. E Hatry era simplesmente um dos homens mais ricos da Europa.

Livermore decidiu manter um olhar permanente na situação do magnata inglês, que poderia afetar negativamente não só o mercado londrino como também Wall Street. As primeiras peças do quebra-cabeças do urso começavam a se encaixar. Restava-lhe traçar uma estratégia para a grande tacada de sua vida, justamente no campo escorregadio da baixa, que era a sua especialidade.

Quinta-feira, 5 de setembro, foi o dia do almoço anual da National Business Conference, em Boston. Desta vez o principal orador era o professor, estatístico e matemático Roger W. Babson, que vinha prevendo o tombo das bolsas de valores havia dois anos e por isso perdera boa parte de sua credibilidade.

Antes que Babson pronunciasse seu discurso, Jesse Livermore, imaginando que o orador iria mais uma vez prever uma grande queda do mercado, resolveu agir, agora amparado pela ansiedade que reinava entre os traders. Usando trinta corretoras diferentes, de modo a manter em segredo suas operações, Livermore fez vendas a descoberto no valor de 300 mil dólares. Era o velho urso em plena ação.

Desta vez Roger Babson não deixou barato: “Mais cedo ou mais tarde o colapso virá e poderá ser tremendo. A média industrial Dow Jones perderá de sessenta a oitenta pontos. Fábricas fecharão, seus empregados serão despedidos, o círculo vicioso da economia funcionará a pleno vapor e o resultado final será uma grave depressão econômica.”

Economista prevê um crash no mercado de ações”, foi o boletim que as máquinas de telex da Associated Press enviaram para seus assinantes: rádios, revistas e jornais. Quase todos os órgãos divulgaram a notícia para seus leitores e ouvintes.

Evidentemente os touros não gostaram. “O espírito de porco da América voltou a fazer suas previsões catastróficas, desprovidas de sentido”, foi o mínimo que disseram do economista. Nada disso evitou que uma onda de ordens de venda chegasse às corretoras.

Os verdadeiros profissionais levaram a sério os vaticínios de Babson. Entre eles, John Jakob Raskob, o banqueiro James Riordan e Billy Durant. Em troca de telefonemas os três concordaram que o discurso do economista poderia causar danos irreparáveis ao mercado.

Mal as notícias e os presságios negativos chegaram às corretoras, os papéis começaram a cair, entre eles Westinghouse, Woolworth, Consolidated Gas, Adam Express e Coca-Cola. No Posto 12 da Bolsa de Valores de Nova York, onde se negociava a Radio, Mike Meehan via as ordens de venda chegando de todos os lados. O mesmo acontecia em todos os postos de negociação.

Em Wall Street, o engraxate Pat Bologna se via cercado de homens e mulheres amedrontados. Eram em sua maioria pessoas de fora da cidade, parte da multidão que frequentava as salas de clientes das corretoras e dormia nos hotéis e pensões da Baixa Manhattan. Só estavam em Nova York para dar uma tacada na Bolsa antes de voltar para suas casas.

Bologna tentou tranquilizar seus consulentes. Mas quando um deles lhe disse que acabara de perder o dinheiro que acumulara ao longo de toda a sua vida, o engraxate começou a sentir medo.

Em sua edição das quatorze horas, o Herald Tribune publicou um artigo do prestigiado economista Irving Fisher, da Universidade de Yale, autor de vários livros sobre o mercado financeiro, refutando os argumentos de Roger Babson. Segundo Fisher, não havia a menor possibilidade de um crash na Bolsa.

A briga entre touros e ursos, agora no campo do academicismo, se estendeu aos jornais. Um tabloide nova-iorquino ofereceu cem dólares por semana a Babson para assinar uma coluna financeira diária e ele aceitou.

Durante toda a quinta-feira Jesse Livermore vendeu ações a descoberto. E dormiu vendido. Nessa sessão, o índice do Times caiu dez pontos e 5.565.280 ações trocaram de dono. Na sexta pela manhã, Livermore cobriu suas posições, pois os argumentos de Fisher estavam acalmando os investidores. Foi uma decisão acertada: ao longo do dia a Bolsa recuperou a maior parte das perdas da véspera.

No sábado o mercado também se manteve em alta, para alívio de Pat Bologna.

Winston Churchill entrou nos Estados Unidos a bordo de um ferryboat que o trouxera com sua comitiva de Vancouver, no Canadá, através das águas calmas do Puget Sound, para o porto de Seattle, no extremo noroeste do país. O barco ancorou no sábado, 7 de setembro.

Sempre atenta ao cumprimento da Lei Seca, que não vigorava em território canadense, a Alfândega americana resolveu revistar as bagagens dos quatro ingleses: Winston, Randolph, Jack e Johnny. Como levavam nas malas uísque e conhaque, mercadoria que não havia sido declarada, Winston Churchill não viu outra alternativa a não ser a do tradicional e universal “você sabe com quem está falando?”.

Churchill brandiu no rosto dos agentes seu passaporte diplomático e uma carta de apresentação escrita e assinada por Charles Dawes, ex-vice-presidente dos Estados Unidos e agora embaixador americano em Londres. E recusou-se a abrir a bagagem.

Sem coragem de fazer a inspeção à força, os inspetores convocaram o chefe local da Alfândega que, por sua vez, chamou o vice-cônsul britânico em Seattle. Enquanto aguardava a solução de seu caso, o ex-chanceler do Erário dava baforadas furiosas em seu charuto.

Após algumas negociações, durante as quais as malas continuaram fechadas, prevaleceu a boa e velha “carteirada”. Temendo estar criando um incidente diplomático, o chefe da aduana liberou os Churchill e suas bagagens. E ainda levou os ingleses para um hotel onde, para grande surpresa de Winston e sua turma, foram conduzidos a uma mesa na qual lhes serviram cerveja e champanha, com os quais o inspetor-chefe não se vexou em brindar os ilustres estrangeiros com generosos tragos.

Após a primeira semana de setembro, quedas e altas abruptas passaram a se alternar na Bolsa de Nova York, embora quase sempre obedecendo ao padrão lower highs, lower lows. O volume dos negócios aumentou bastante, com os papéis e o dinheiro mudando de mãos. Muita gente que enriquecera na alta liquidava suas posições. No sentido inverso, investidores novos continuavam aparecendo nos escritórios das corretoras espalhadas pelo país, ávidos por ingressar na sociedade onde todos seriam ricos.

O editor financeiro do The New York Times, Alexandre Noyes, proclamava o fim do bull-market, no que foi contestado pelo Wall Street Journal. O Times estava certo, pois o mercado, embora ziguezagueando, ziguezagueou caindo. O concorrente Journal continuou bullish, declarando num primor de inobjetividade: “A evolução das cotações do principal conjunto de ações continuou a mostrar ontem as características de um grande avanço, temporariamente detido para a efetuação de reajustes técnicos.”

Na quarta-feira, 11 de setembro, o Wall Street Journal apelou para uma citação de Mark Twain para sustentar, de modo ambíguo, sua opinião: “Não se desfaça de suas ilusões; quando as perder, você poderá continuar existindo, mas terá deixado de viver.”