Steve Vargo pretendia sacar todo o dinheiro de sua poupança no Union Industrial Bank, de Flint, economizado de seu salário na Buick, para gastá-lo após o casamento. E já decidira que entre as despesas teria de incluir um sorvete de baunilha diário para Jolan, para cumprir a promessa solene que fizera a ela.
A morte, por atropelamento, de Frank, o irmão de 7 anos de Jolan, não alterara os planos da cerimônia e da festa, dos quais as duas famílias se incumbiam com gosto, não sem uma série de divergências sobre o número e, principalmente, os nomes dos convidados.
Era um domingo e Steve acabara de almoçar com a noiva, a mãe dela e o padrasto. Depois todos se sentaram em cadeiras de balanço no alpendre, enquanto aguardavam a chegada dos pais do noivo para dar prosseguimento às conversações. Mesmo na varanda o cheiro forte de álcool fermentado que emanava do subsolo da casa era forte.
Não demorou muito e os pais de Steve chegaram em seus melhores trajes domingueiros. Andrew, o padrasto de Jolan, deu um pulo na “fábrica” e trouxe de lá uma garrafa de uísque e copos. Só a noiva, por ser ainda uma menina, não foi servida.
Sem nenhum preâmbulo, e sem que ninguém ainda tivesse dito nada sobre o casamento, Andrew perguntou:
“Sábado, 19 de outubro, é uma boa data?” E completou: “Assim terei tempo suficiente para fermentar algo especial.”
Os pais de Steve não objetaram. Ao contrário.
“Nessas semanas que faltam poderemos mandar fazer roupas apropriadas para a ocasião.”
Após muitos debates, diversas outras decisões foram tomadas pelos mais velhos, sem que os noivos fossem ao menos consultados.
Na manhã seguinte, Steve Vargo, antes de bater o ponto na Buick, escoltou Jolan em sua primeira entrega diária de aguardente engarrafada, escondida no fundo falso do carrinho de Margaret, empurrado pelos dois em direção ao Centro de Flint. Steve voltou a falar de seu dinheiro guardado no banco.
“A única pessoa que sabe disso é você”, ele a envaideceu.
“Puxa vida, Steve. Vamos poder comprar um bocado de sorvete de baunilha.”
“Quando nós estivermos casados”, ele abriu um sorriso cativante, “acho que vai dar para comprar uma máquina de fazer sorvetes”.
A última das dúvidas de Jolan sobre se o casamento era uma coisa agradável, e não uma submissão dolorosa, havia acontecido alguns dias antes quando ela e Steve trocaram carícias no banco detrás de um carro. Nessa ocasião, ele a tratara com toda delicadeza, sem forçar nada.
Durante a caminhada de entregas daquela segunda-feira, Jolan e Steve foram abordados por um policial. Ela ficou aterrorizada.
“Está precisando de conserto”, o oficial apontou para uma das quatro rodinhas. “A borracha está gasta e diversos raios estão faltando.”
Jolan concordou com a cabeça, o coração aos pinotes.
Em nenhum momento Steve Vargo se atemorizou:
“Eu mesmo faço isso, talvez ainda hoje”, ele disse ao agente da lei, que concordou com um aceno de cabeça e prosseguiu em sua ronda.
Na quinta-feira, 13 de setembro, Clarence Hatry chegou a Paris. Hospedou-se num dos melhores hotéis da Champs-Élysées. Junto com Hatry viajavam seu diretor-gerente Edmund Daniels e o assistente de Daniels, o italiano John Gialdini, um gênio em matemática que fizera carreira meteórica na corporação. Os três iriam fazer uma derradeira e desesperada tentativa para obter um empréstimo que pudesse salvar o império Hatry de um colapso total.
Ao embarcarem na Victoria Station, em Londres, na noite da véspera, Clarence Hatry se surpreendera com o tamanho da bagagem de Gialdini, desmesurada para uma viagem de poucos dias. A surpresa se transformou em estranheza quando o italiano manteve as malas junto de si no trajeto inglês do trem, na travessia do canal a bordo de um ferry e no percurso final do expresso para Paris.
Indagado a respeito das malas, Gialdini explicou a Hatry que se tudo corresse bem na França ele iria tirar alguns dias de férias na Suíça, onde sua mulher o encontraria.
A ida a Paris revelou-se um fracasso. Nas reuniões que Hatry e seus dois homens mantiveram com banqueiros franceses, todos se recusaram a lhes emprestar dinheiro.
Apesar do insucesso da viagem, na noite de sábado Gialdini recusou-se a voltar para Londres. Dizendo-se extremamente tenso, decidiu ir mesmo para a Suíça. Quando ele partiu com suas malas, Clarence Hatry, suspeitando de uma deserção, virou-se para Daniels e perguntou: “Será que nós o veremos novamente?”
O que Hatry não sabia, nem tinha como saber, era que Gialdini levava na bagagem 400 mil libras esterlinas que roubara de uma das companhias do grupo. O magnata inglês também desconhecia que da Suíça o italiano faria uma baldeação para seu país. Lá estaria seguro, pois não havia tratado de extradição entre a Itália de Mussolini e o Reino Unido.
Acabrunhado, Clarence Hatry pediu a Edmund Daniels que reservasse lugares no trem e no ferryboat noturnos para a Inglaterra. Daniels ainda pensou em perguntar ao patrão se deveria adquirir bilhetes de segunda classe, mas se deu conta de que seria uma humilhação totalmente inútil.