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Atrás das grades

A notícia de que as ações das empresas de Clarence Hatry haviam sido suspensas das negociações na Bolsa de Valores apareceu nos matutinos de Londres de sexta-feira, 20 de setembro. Em termos práticos, isso significava que o império de Hatry poderia estar desmoronando. Restava ao grande público saber como pudera acontecer tal coisa. Pois só o círculo mais interno do empresário — o contador, Sir Gilbert Garnsey; o governor do Banco da Inglaterra, Montagu Norman; o advogado de Hatry, Stanley Passmore; e Sir Archibald Bodkin, diretor da Promotoria britânica — tinha conhecimento do caso.

Em Nova York, o urso Jesse Livermore também soubera, havia mais de duas semanas, através de seu informante em Londres, das dificuldades financeiras do magnata inglês.

Tal como combinado, Hatry e seus três associados se apresentaram na antessala de Sir Archibald às dez da manhã. Hatry passara a noite em um hotel. Como não raro acontece entre pessoas que guardam um segredo comprometedor por muito tempo, ao revelá-lo ele se sentira aliviado e dormira bem. Durante o café da manhã pôde ler sobre o colapso de suas empresas nos jornais. Estava na primeira página de todos eles, desde os tabloides sensacionalistas até o The Times.

O primeiro castigo foi um chá de cadeira ao qual foram submetidos por Sir Archibald. Quando finalmente os fez entrar em sua sala, o diretor da Promotoria não os convidou a se sentar nem lhes estendeu a mão. Hatry e seus homens permaneceram de pé, constrangidos, em frente à mesa da autoridade refestelada em sua poltrona.

“Por favor, expliquem o motivo de suas presenças”, pediu Bodkin.

Hatry não escondeu nada. Além de relatar o rombo nas finanças de suas empresas, confessou as irregularidades que havia cometido.

Bodkin pressionou um botão em sua mesa. Imediatamente um detetive da Scotland Yard, que estivera aguardando o chamado num escritório adjacente, entrou na sala, exibindo uma fisionomia inamistosa.

“Estes senhores querem fazer uma declaração”, Sir Archibald informou ao recém-chegado.

Hatry repetiu tudo o que dissera ao diretor da Promotoria. Quando terminou, Bodkin apontou a porta com a ponta do queixo e instruiu o policial:

“Prenda-os.”

Já do lado de fora, o rosto do detetive se desanuviou.

“Eu vou precisar obter um mandado”, explicou em tom amável. “Enquanto isso, por que vocês não se alojam no Charing Cross Hotel? Fica aqui perto. Lá vocês podem almoçar enquanto aguardam minha volta. A burocracia às vezes demora um pouco. E nunca se sabe quando haverá uma oportunidade de outra refeição decente.”

O oficial só retornou no final da tarde, já de posse da papelada. As coisas então se sucederam rapidamente. Em menos de duas horas, Clarence Hatry e seus companheiros estavam atrás das grades.

Desde o início de setembro, quando no dia 4 soube dos problemas do conglomerado inglês de Clarence Hatry e, no dia seguinte, quando o economista Roger Babson anteviu um crash no mercado de ações de Nova York e uma depressão econômica nos Estados Unidos, o urso Jesse Livermore já ganhara um milhão de dólares vendendo ações a descoberto.

O lucro não tinha sido tão fácil como se poderia supor. A Bolsa ainda observava uma trajetória de zigue-zagues, embora mantendo-se no padrão de lower highs, lower lows. Mas Jesse sabia lidar bem com aquelas oscilações, maximizando com elas os seus ganhos.

Na sala de estar da mansão na rua 12 do banqueiro James Riordan, presidente da New York County Trust Company, John Jakob Raskob tentava convencer seu anfitrião de que a queda do mercado de ações nova-iorquino causada pela falência de Clarence Hatry era uma ótima oportunidade para se entrar no mercado comprando.

“Eu sei que o conglomerado do inglês é grande”, o tom de voz de Raskob demonstrava toda a confiança no que dizia, “e que o rombo também é, mas isso foi lá em Londres. Já, já a Bolsa daqui passa a olhar para os fundamentos da América, que estão cada vez mais sólidos e promissores”.

Raskob trouxera consigo uma garrafa de conhaque espanhol, que ele e Riordan esvaziavam com sofreguidão.

“Você não tem medo de trafegar com isso pelas ruas?”, James Riordan apontou para a bebida. “E se os agentes da Lei Seca lhe pararem?”

John Raskob deu uma risada gostosa e sacou do bolso do paletó uma declaração de seu médico afirmando que o paciente necessitava de conhaque por razões medicinais.

Os dois voltaram a conversar sobre o mercado. Riordan não compartilhava do otimismo de Raskob.

“Você precisa ver o nível das pessoas que estão pedindo dinheiro emprestado ao banco para aplicar na Bolsa”, disse. “Tudo peixe pequeno querendo ficar rico da noite para o dia.”

“E você empresta?”, John Raskob quis saber.

“É o meu negócio”, respondeu James Riordan. E completou: “Mas quando as ações caem nós enviamos um telegrama exigindo reforço de margem. Se os caras não pagam imediatamente, os papéis são liquidados.”

“Não se preocupe muito com isso.” Raskob era definitivamente um touro convicto. “O mercado ainda vai subir por mais uns vinte anos. Nessa época, eu já terei morrido e só serei lembrado por causa do Empire State Building.”

Ao longo da segunda quinzena de setembro o mercado prosseguiu em seu canal de baixa, embora com piques de alta. Isso era facilmente perceptível nos gráficos. Os volumes de negociação se mantiveram elevados e muitas ações mudavam de dono. “O bom não é comprar na baixa?”, argumentavam os calouros, antes de dar seus bens em garantia de empréstimos bancários.

As declarações do professor Irving Fisher, da Universidade de Yale, que recebiam ampla publicidade nos jornais, encorajavam os novos touros.

“Estou totalmente convicto de que as ações atingiram um patamar que se manterá permanentemente elevado”, Fisher declarou e os peixes miúdos foram na dele.

Na outra face da moeda, não faltavam advertências sobre os riscos da Bolsa. A Weekly Business and Investment Letter, publicada pela agência classificadora Standard & Poor’s, chamou de “grande delírio” o que estava acontecendo em Wall Street. O diretor de redação do The Commercial and Financial Chronicle escreveu que a Bolsa endoidecera. Mais do que todos, o veterano Alexander Dana Noyes, do The New York Times, carregava nas tintas, alertando, entre outros presságios sinistros, sobre a iminente chegada do “Juízo Final” no mercado de ações.

Na Bolsa de Valores de Nova York, os volumes continuavam altos, oscilando entre quatro e 5 milhões de ações negociadas diariamente e às vezes passando dos cinco. E, mais perigoso, o volume de emissões de novos papéis, boa parte deles apenas isso, “papéis”, batia recordes atrás de recordes.

No dia 20 de setembro, as ações da Lehman Corporation — grupo que seria pivô de uma grave crise 79 anos mais tarde —, que haviam sido lançadas no dia 19 a 104 dólares, abriram no pregão a 136, um lucro de 30% em 24 horas.

O que não faltava era lenha para a fogueira. No mesmo mês de setembro os empréstimos dos bancos às corretoras atingiram a marca de 670 milhões de dólares.

Só os profissionais mais lúcidos percebiam que o padrão lower highs, lower lows continuava prevalecendo. Ou seja, a Bolsa estava caindo. Para isso, bastava observar os gráficos dos índices de ações. Mas poucos queriam saber de gráficos no apogeu dos Roaring Twenties, uma época em que a ganância se sobrepunha à lógica.