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Feridos, desconfiados, mas ainda touros
No vagão abarrotado do metrô que o levaria até a estação de Wall Street, o jovem Charlton MacVeagh, marido de Adele e executivo do J. P. Morgan, prestava atenção à conversa dos demais passageiros. A maioria só falava de ações e consórcios de investimento. Só que ninguém fazia comentários negativos. Era como se o colapso do inglês Clarence Hatry não tivesse acontecido e como se os analistas profissionais fossem unânimes na crença de que o mercado continuaria firme para sempre.
Aquele trem, tudo parecia indicar, era um expresso de touros, com exceção de MacVeagh, que temia pela sorte da Bolsa desde o surgimento dos primeiros sinais de fraqueza.
Ao emergir das escadarias da estação de Wall Street, e iniciar seu pequeno percurso até a Casa Morgan, Charlton, tal como vinha acontecendo nas últimas semanas, precisou forçar sua passagem por entre a multidão que se concentrava do lado de fora das sociedades corretoras. As expressões de euforia das pessoas eram idênticas às dos passageiros do subway.
Quando se aproximou do J. P. Morgan, Charlton viu a limusine de Thomas Lamont se afastando e Lamont subindo as escadas do prédio. Com medo de ter-se atrasado, MacVeagh olhou as horas. Viu que estava no horário. Quem se adiantara fora Lamont, no momento ocupando o primeiro cargo na hierarquia da firma, uma vez que Jack Morgan estava gozando suas férias anuais em Wall Hall, seu castelo em Hertfordshire, Inglaterra.
De acordo com a tradição da Casa, o primeiro em posto era sempre o último a chegar, pontualmente às nove horas. E se isso não estava acontecendo naquela manhã era porque havia algo de anormal.
Outro que caminhava pela Wall Street em direção ao seu escritório era Hut Hutton-Miller, 26 anos, corretor júnior revelação da W. E. Hutton and Company. Miller, como alguns de seus colegas já veteranos, ponderava os perigos do culto ao mercado de ações. Ele sabia que muitas daquelas pessoas que apinhavam as calçadas do Distrito Financeiro voltariam desapontadas para casa no final do dia.
Minutos mais tarde, já em sua mesa de trabalho, enquanto atendia os clientes da firma pelo telefone, Hut os alertava sobre as tentações e os riscos da expectativa de uma fortuna fácil e rápida. Mas os novos investidores e especuladores estavam muito mais interessados nas entrevistas de John Jakob Raskob e do professor Irving Fisher — com suas previsões megalômanas sobre as tendências das cotações —, do que nas advertências de corretores mais prudentes.
“Se você já pulou fora”, ponderava Hutton-Miller, “continue de fora. O mercado está cada vez mais difícil de interpretar, mesmo para pessoas como eu, que lidam com ele todos os dias”.
“Mas se você ainda está dentro”, prosseguia Miller, “adote uma postura cautelosa, principalmente se sua posição é alavancada. Liquide tudo ao primeiro sinal de perigo. Lembre-se das chamadas de margem, que surgem imediatamente quando as ações caem. Se você não tem fundos para cobri-las, vai ser catapultado do mercado”.
Hutton-Miller fazia questão de ser bem alarmista, embora soubesse que a ganância travava o raciocínio das pessoas, inclusive o dele. O próprio Miller se via incapaz de seguir seus conselhos. A tentação de tirar a sorte grande (to hit the jackpot) era irresistível.
Já no Morgan, Charlton MacVeagh viu, através do vidro que isolava acusticamente sua escrivaninha da grande sala dos sócios, que estes conferenciavam com ares de grande preocupação ao redor da mesa de Lamont. Logo MacVeagh ficou sabendo, por intermédio de uma secretária, que a reunião havia sido convocada de manhã cedo pelo telefone e que iria durar mais tempo do que o encontro diário normal.
Na verdade, os sócios estavam conversando sobre uma mensagem importante que chegara de Jack Morgan, naquele momento em Londres, alertando sobre as possíveis repercussões em Wall Street do colapso de Clarence Hatry na Grã-Bretanha.
Billy Durant achava que o caso Hatry estava sendo superestimado pela mídia e tentava convencer o financista Bernard Baruch dessa tese. Os dois se conheciam e se respeitavam havia vários anos. Durant tentava recrutar Baruch para participar do novo consórcio que vinha planejando.
“Não, Billy, não tenho o menor interesse no momento de entrar em consórcio algum.” Baruch se mostrou peremptório.
Durant reduziu suas pretensões.
“Então dê ao menos uma declaração à imprensa encorajando as pessoas a investir.”
“Não, amigo, nem isso. Eu simplesmente acho que o mercado vai desabar. E não pretendo iludir as pessoas.”
Billy Durant fingiu ignorar a censura embutida nas palavras do amigo.
“Em todo caso, obrigado, Bernard.” Durant desligou o telefone, não conseguindo evitar uma pontada de desconforto ao ver Baruch tão pessimista.
Joe Garcia achou o trajeto daquela manhã de terça-feira, 24 de setembro, invulgarmente calmo. Ao seu lado no Rolls-Royce, o patrão Amadeo Peter Giannini quase não falou durante a viagem de San Mateo para São Francisco. Sentada no banco traseiro, Claire também se mantinha em silêncio. Ela sabia que não faltavam ao pai motivos para ficar apreensivo.
O mercado de ações estava vulnerável e A. P. Giannini sabia disso. No primeiro telefonema daquela manhã, que atendera ainda em casa, Doc, seu irmão, de Nova York, lhe dissera que havia mais ursos profissionais em Wall Street do que em qualquer ocasião da qual ele pudesse se lembrar. Uma onda de perdas parecia ser questão de tempo.
Para piorar as coisas, Giannini e sua filha se preocupavam com Elisha Walker, o sócio da Transamerica que viera a reboque da fusão com o grupo Blair, um touro convicto que poderia causar enorme estrago se adotasse uma postura agressiva de compra no mercado. Sendo Walker agora o segundo em hierarquia no conglomerado, ficava difícil pajear todas as suas tomadas de decisão.
Giannini já estava em São Francisco, visitando uma das agências do banco, em Chinatown, cuja gerente, a primeira mulher contemplada com esse cargo nos Estados Unidos, fazia aniversário, quando Doc telefonou pela segunda vez no dia.
“A. P.”, que era como Doc às vezes o chamava, “a bolsa está caindo muito. As ações da Transamerica estão perdendo terreno”.
“Vamos sustentá-las. Compre o que for preciso”, Giannini não perdeu tempo.
Sempre que uma emergência se apresentava, ele raciocinava com velocidade espantosa. Isso desde o terremoto e o incêndio de São Francisco, 23 anos antes.
A rapidez da queda naquela terça-feira pegou até o urso Jesse Livermore desprevenido. Não houve tempo de vender a descoberto. Restou-lhe o tormento de ver a Bolsa cair sem que ele ganhasse um centavo. A American Can levou um tombo de 5,12 dólares por ação; a General Motors, cinco dólares; Montgomery War, 4,20 dólares; Radio, 3,50 dólares; e United States Steel, 5,25 dólares.
“Isso ainda é consequência da falência de Clarence Hatry”, concluiu Livermore. “Mas estão surgindo sinais de uma catástrofe em Wall Street. E essa eu não vou perder”, consolou-se o urso.
A terça revelou-se desastrosa para a Liga de Cavalheiros do Union Industrial Bank de Flint. Pois justamente naquela manhã de 24 de setembro, antes da abertura dos mercados, eles haviam desviado grandes somas de fundos das contas dos clientes para comprar ações da U. S. Steel, da General Electric e das principais ferrovias.
Findo o dia, restou aos cavalheiros lamber as feridas. Só naquele mês o rombo aumentara em 1,5 milhão de dólares.
Não menos preocupado estava o engraxate Pat Bologna ao ver hordas de investidores vagueando por Wall Street, todos praguejando sobre a falta de lógica da Bolsa.
“Eles vão recuperar seu dinheiro, e eu também”, aprumou-se Bologna.
A sessão do dia causou grande desgosto ao superintendente da Bolsa de Valores de Nova York, William Crawford. Não tanto por causa da queda, já que ele não especulava. O problema de Crawford era que a grande quantidade de ordens de venda atrasara a ticker-tape. No fechamento dos negócios, a fita exibia transações realizadas meia hora antes e não os preços em tempo real como deveria ser.
Não bastasse seu próprio aborrecimento, Crawford ainda teve de enfrentar uma descompostura do vice-presidente da Bolsa, Richard Whitney, por causa do desempenho do maquinário. Pelo menos foi ao atraso da ticker que as críticas de Whitney se referiam, já que não podia culpar o superintendente pelo comportamento do mercado, este sim o verdadeiro motivo de seu nervosismo, pois sua carteira particular sofrera enorme tombo ao longo do dia.
Mais uma vez, Richard teria de pedir socorro financeiro ao seu irmão George, do J. P. Morgan. Se o Whitney banqueiro recusasse apoio ao Whitney da Bolsa, este se veria na mesma posição do inglês Clarence Hatry e dos cavalheiros da Liga do Union Industrial Bank, todos contabilmente quebrados, todos trapaceiros, variando apenas o tamanho dos respectivos passivos a descoberto.
Evidentemente nem todo mundo perdera dinheiro naquela terça-feira de 24 de setembro de 1929. Afinal de contas, quando alguém compra, alguém vende. E o grande urso do dia fora o especulador Bernard Baruch, o mesmo que se recusara a participar do novo consórcio de Billy Durant. Havia dois dias Baruch vinha se livrando de sua carteira de ações.
Outros que venderam foram Michael e Jack Bouvier, respectivamente tio-avô e pai da futura primeira-dama Jacqueline Kennedy, nascida dois meses antes. O velho Michael e seu sobrinho Jack se desfizeram da totalidade de suas carteiras.
Joe Kennedy já estava de fora do mercado havia algum tempo. Esperava apenas ter a habilidade de detectar um momento propício para vender a descoberto, coisa que alguns veteranos manipuladores já haviam começado a fazer, entre eles Tom Bragg, da W. E. Hutton; e Albert Wiggin, presidente do Conselho de Diretores do Chase National Bank.
Wiggin fizera algo que ninguém jamais poderia supor: vendera a descoberto ações do próprio Chase. O resultado da ousadia seria um aumento de 4 milhões de dólares em sua fortuna pessoal.
Embora crescente, o número de ursos era ainda insignificante se comparado ao tamanho da manada de touros. Feridos, desconfiados, mas ainda touros.