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Chamadas de margem

Na quarta-feira, 25 de setembro, pouco antes de os mercados americanos abrirem, as agências de notícia informaram sobre a intenção do Banco da Inglaterra de subir a taxa de desconto naquele país. Como resultado, nas duas primeiras horas de pregão na Bolsa de Valores de Nova York novas ondas de venda deram prosseguimento às do dia anterior. Os preços das ações continuaram despencando.

Em Flint, Ivan Christensen, tesoureiro assistente do Union Industrial Bank, recebeu logo de manhã telefonemas das três filiais na cidade das casas de corretagem de Wall Street com as quais a Liga de Cavalheiros operava. Todas pediam reforços de margens para compensar os prejuízos da véspera.

Cada vez que desligava o telefone, Christensen repassava a má notícia aos comparsas da Liga. Os 100 mil dólares desviados de clientes escolhidos pelo vice-presidente sênior John de Camp no início do expediente já não davam para cobrir as perdas. Para piorar as coisas, eles haviam comprado mais ações de grande liquidez (blue chips) na abertura do pregão. E teriam de honrar esses compromissos adicionais no período da tarde.

Os corretores locais não faziam grande pressão sobre o pessoal do Industrial. Eles acreditavam que os investimentos estavam sendo feitos por especuladores ricos da cidade, que poderiam arcar com os prejuízos. Por isso aceitavam novas ordens e admitiam pequenos atrasos no pagamento dos reforços de margem. Mesmo gente rica às vezes tinha dificuldade de obter dinheiro instantaneamente.

O vice-presidente do Union Industrial, Frank Montague, estava particularmente aturdido. Desde o início das falcatruas, ele tinha dificuldade em lidar com a pressão sobre seus nervos. Dormindo poucas horas por noite, Frank perdera peso e passara a tratar com rispidez Louise e as crianças.

Havia outra razão para Montague se torturar. Sem que os colegas de falcatruas soubessem, ele fizera um desfalque particular no valor de 50 mil dólares, também jogados na Bolsa. E perdera até o último centavo. Agora pensava seriamente em cometer suicídio.

Os nove atendentes de caixa envolvidos nas fraudes faziam malabarismos escriturais e contábeis para desviar os fundos necessários para cobrir margens. Lançavam retiradas fictícias e se apoderavam do dinheiro. Quando um dos correntistas lesados aparecia no banco para fazer um saque maior do que o saldo lançado de sua conta, era necessário transferir às pressas recursos de outro correntista.

Sendo ao mesmo tempo caixa e integrante da Liga, Robert Brown, filho do presidente do Union, Grant Brown, se sentia em meio a uma operação de guerra. Uma guerra surda, muda e secreta. Pois nem os clientes nem o pai podiam sequer suspeitar levemente dos cambalachos que ele fazia, o que o obrigava a ser um ator quando chegava em casa, à noite, sorridente e descontraído por fora, angustiado por dentro.

Christensen, De Camp, Robert Brown e os demais colegas sabiam agora que não tinham outra opção a não ser seguir adiante até que Wall Street se recuperasse dos baques ou então que as falcatruas fossem descobertas, caso em que iriam todos para a cadeia. O único que tinha uma solução alternativa, o suicídio, era Montague. Que por sinal não tinha nada de honroso, pois iria jogar o peso de sua desgraça sobre a cabeça de Louise e dos filhos.

À medida que, naquela manhã, o mercado de ações continuava a cair em Nova York, crescia o número de saques no Union Industrial Bank. Não que os cidadãos de Flint subitamente desconfiassem da solidez da instituição, que em seus 36 anos de existência enfrentara — e superara — diversas crises e pânicos ocorridos em Wall Street. É que esses clientes também jogavam na Bolsa e agora recebiam suas próprias chamadas de margem. Isso só piorava as condições do terreno minado e pantanoso no qual os membros da Liga se moviam.

A quase insana tarefa de maquiar as contas-correntes minuto a minuto cabia ao tesoureiro sênior Russell Runyon e a seu braço direito, Elton Graham — um trabalho que exigia enorme perícia e sangue-frio.

Era quase hora do almoço quando, sem que ninguém esperasse, surgiu no prédio o presidente do banco, Grant Brown.

“Vim fazer uma inspeção”, Brown explicou enquanto se dirigia para sua sala. “Por favor, me tragam os livros.”