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Venda o rumor e compre o fato

Os demais bancos de Flint haviam lançado um movimento conjunto para tentar tirar o Union Industrial de sua posição de liderança. Visando contrabalançar essa iniciativa, o presidente Grant Brown, do Union, fazia uma campanha de visitas aos principais empresários da cidade para lhes lembrar que seu banco era o mais seguro e confiável de todo o estado de Michigan.

Como alguns desses homens de negócio haviam perguntado a Brown sobre os últimos resultados do Industrial, o presidente resolveu conferi-los pessoalmente. Daí sua ideia de inspecionar os livros contábeis e as fichas das contas-correntes naquela quarta-feira, 25 de setembro.

Em outubro, Grant Brown pretendia lançar uma grande campanha publicitária. Entre outras providências, tais como anúncios na mídia local, todas as empresas e residências de Flint receberiam um panfleto mostrando os formidáveis recursos financeiros do Union Industrial Bank.

Quando Brown pediu para examinar os livros, o vice-presidente sênior John de Camp, um dos membros mais ativos da Liga de Cavalheiros, se ofereceu para executar a tarefa de inspeção.

“Não faz sentido um homem de sua posição ficar conferindo números”, De Camp lançou sua isca.

Brown se valeu de uma desculpa para não aceitar a oferta.

“Obrigado, John, mas faço questão de checar as contas”, afirmou Grant de modo incisivo, não dando margem para insistências. “Se um dia a Comissão de Bancos”, prosseguiu, “me chamar para depor sobre nossa situação, terei de jurar que esmiucei pessoalmente os registros”.

Grant Brown já estava em sua escrivaninha quando Milton Pollock, também vice-presidente, com o rosto descorado de preocupação, trouxe o primeiro livro. Após um quarto de hora, que pareceu uma eternidade para os cavalheiros da Liga, já informados da inspeção, Brown aprovou os lançamentos e pediu o segundo.

Mais alguns minutos, o presidente, após seu exame, solicitou o terceiro, depois o quarto, o quinto, o sexto e assim por diante. O que ele não sabia era que cada livro que entrava em sua sala acabara de receber um lançamento de crédito, feito por um dos defraudadores, correspondente ao dinheiro subtraído daquela conta.

Nessa atividade frenética, os caixas e tesoureiros envolvidos na trapaça tinham de consultar outro livro, este exclusivo da Liga. Tratava-se de um caixa dois, no qual todos os desfalques eram lançados, sempre com os nomes e os valores correspondentes a cada operação. Não fosse isso, eles perderiam o controle de suas atividades. Nesse caso, mesmo que as especulações na Bolsa dessem certo, seria impossível repor a quantia exata em cada conta.

Antes de os papéis irem para a sala do presidente, a tinta dos lançamentos era cuidadosamente secada com mata-borrões, para que não ficasse óbvio que o registro acabara de ser feito.

Dentro de suas gaiolas douradas, os atendentes de caixa trapaceiros prendiam a respiração à medida que cada livro e cada ficha voltavam da inspeção de Brown.

Em determinado momento, uma das fichas seguiu para o presidente sem que tivesse havido tempo de “consertar” os lançamentos. Foi então que o tesoureiro assistente Ivan Christensen, por sua própria iniciativa, num rasgo de audácia, entrou na sala de Brown.

“Senhor”, disse Christensen, sem que sua voz demonstrasse a menor insegurança, “eu preciso dessa ficha para lançar uma chamada de margem. Para isso é necessário conferir se o cliente tem saldo suficiente. O mercado está levando um tombo em Nova York e temos de fazer lançamentos a cada minuto. Não poderia haver um momento mais inapropriado para essa conferência. Preciso manter os livros contábeis do meu lado para atender as chamadas. Do contrário, o banco estará correndo sério risco”.

O presidente Grant Brown hesitou um pouco. Então decidiu:

“Estou satisfeito com o que vi até agora. Podem parar de me trazer os livros. Não quero atrapalhar o trabalho de vocês.”

Nada mais tendo a fazer, Brown foi para casa almoçar. A notícia de sua saída se espalhou entre os “cavalheiros”. A comemoração discreta que fizeram durou pouco tempo. Eram treze horas e as blue chips que haviam selecionado pela manhã estavam com uma queda média de sete dólares.

Uma hora mais tarde, Ivan Christensen recebeu o telefonema de um corretor exigindo que um depósito de margem fosse feito imediatamente. Desta vez Christensen perdeu o controle de seus nervos. Virou-se para alguns comparsas que se encontravam a seu lado e disse:

“Está tudo terminado!” (It’s over!)

John de Camp pediu a Christensen que falasse com Nova York. Havia rumores de que o National City se juntara a outros bancos para montar uma gigantesca operação de compra para equilibrar o mercado. O resgate se concentrava em papéis estratégicos: United States Steel, General Electric, United Aircraft e Standard Oil, títulos nos quais a Liga de Cavalheiros fizera compras pesadas sob garantias de margens.

A força-tarefa de socorro funcionou. Por volta das 14h45, Christensen pôde avisar aos seus cúmplices que a baixa de Wall Street fora estancada. Como o mercado fecharia em quinze minutos, era bem provável que no dia seguinte, quinta-feira, o mercado abrisse em alta e recuperasse suas perdas.

“Vamos ficar sentados sobre nossos papéis”, Ivan Christensen comandou confiante, aparentemente recuperado do pânico que o acometera pouco antes.

Tal como fora noticiado, na quinta-feira, dia 26, o Banco da Inglaterra elevou sua taxa de desconto de 6% para 6,5% ao ano, no que foi acompanhado pelos bancos centrais de Áustria, Dinamarca, Noruega, Suécia e República da Irlanda.

Existe um ditado em Wall Street que diz: “Compre os rumores e venda o fato” (buy the rumour, sell the fact). Funciona e mais uma vez funcionou. Só que desta vez foi ao contrário. O certo então seria: “Venda o rumor e compre o fato.” Os traders que haviam vendido ações a descoberto na expectativa do aumento dos juros na Europa trataram de recomprá-las. Os papéis em Nova York e nas demais praças americanas subiram naquela quinta, para grande alívio dos touros e desalento dos ursos.

Um dado preocupante, anunciado no final do pregão pelo vice-presidente da Bolsa de Nova York, Richard Whitney, aparentemente passou despercebido ou foi interpretado de maneira errônea pelos especuladores. Na semana anterior, de acordo com Whitney, houvera um aumento de 192 milhões de dólares nos empréstimos às sociedades corretoras, elevando o total para vertiginosos 6,8 bilhões.

Billy Durant e John Jakob Raskob concluíram que o aumento no volume de empréstimos estava totalmente em descompasso com a performance do mercado. Para duas raposas velhas como Durant e Raskob, isso era um sinal inequívoco de que as ações estavam passando das mãos fortes dos grandes investidores para as mãos fracas da arraia-miúda, que vendia, ou era forçada pelos bancos a vender, na primeira chamada de margem.

Dito e feito. Na sexta-feira de 27 de setembro, o mercado voltou a desabar. A Westinghouse perdeu onze dólares por ação; a Allied Chemical, 10,75; a General Electric, quase treze dólares. A cotação da Columbia Carbon fechou 17,25 dólares abaixo de seu preço de abertura.

Em Flint, a Liga de Cavalheiros perdeu 100 mil dólares. Já em Wall Street, o engraxate Pat Bologna ficou duzentos dólares mais pobre.

No sábado, o mercado se mostrou errático. Abriu fraco e permaneceu fraco até faltarem quarenta minutos para soar o gongo de fechamento. Então recuperou-se com robustez a ponto de fechar o dia em alta. Foi o suficiente para reacender a euforia da multidão que se aglomerara em Wall Street.

Ao sair de seu escritório, o jovem corretor Hut Hutton-Miller viu um homem vestindo um macacão e um capacete de operário da construção civil dizer para um colega que usava trajes idênticos:

“Agora é o momento dos espertos. É só pular dentro e esperar a nova onda de alta. O banco me ofereceu outro empréstimo. Você acha que eu vou perder a chance?”