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Suporte organizado

Trinta de setembro de 1929 caiu numa segunda-feira. Uma grande agitação se apossara do Distrito Financeiro de Nova York àquela manhã. Desde cedo o engraxate Pat Bologna recebia enorme assédio de “clientes”. Em toda a região de Wall Street, grupos de pequenos investidores e especuladores se formavam do lado de fora das casas de corretagem, num empurra-empurra em que todos queriam entrar ao mesmo tempo. Uma enorme fila, que começava na entrada da galeria de visitantes da Bolsa de Valores, ziguezagueava por sete quarteirões até a margem do East River.

Nas instituições financeiras, sócios, diretores e demais executivos faziam prognósticos sobre os rumos do mercado. Só a maneira de falar variava. No Bank of America, de Amadeo Peter Giannini, discutia-se em italiano, não sem o acompanhamento típico de movimentos espalhafatosos das mãos. Na sala do conselho do National City Bank havia uma confusão de sotaques. Enquanto isso, no J. P. Morgan, um sussurrar discreto e refinado zumbia ao redor da mesa do presidente em exercício, Thomas Lamont.

Boateiros se espalhavam por todos os lados. Na W. E. Hutton and Company, Hut Miller ouvia seus colegas passarem dicas ao telefone, embora nenhum deles estivesse convicto de nada.

Segundo muitos, a fórmula mágica para salvar o mercado de ações era um “suporte organizado de compra” (organized buying support). Embora a expressão soasse bem, era difícil presumir-se que o tal suporte seria posto em prática. Pois implicava desprendimento solidário, coisa que não fazia parte da cultura de Wall Street, onde nas horas mais críticas sempre prevalecera o “salve-se quem puder”.

Pelo menos em declarações à imprensa, prestadas no domingo, 29, o usualmente contido bilionário canadense Arthur Cutten se revelava um touro convicto.

“Não me surpreenderia”, dissera Cutten, “se os empréstimos dos bancos às sociedades corretoras para operações lastreadas com margens na Bolsa se elevassem a 12 bilhões de dólares”. A quantia mencionada pelo magnata significava dobrar os valores, já altíssimos, que prevaleciam naquele fim de mês.

Postas na balança as correntes otimistas e pessimistas naquela segunda-feira, o peso maior recaía nas primeiras, talvez por causa do fechamento da Bolsa no sábado, que revelara uma robusta leva de compradores nos últimos minutos de pregão. Agora, nem mesmo os prognósticos soturnos feitos pelo editor de finanças Alexander Noyes, na edição dominical do The New York Times, pareciam assustar os touros.

“Suporte organizado de compra…” os investidores individuais acreditavam, ou se forçavam a acreditar, que não estariam operando sozinhos. “O bull-market não pode terminar”; “Na América todos serão ricos”. De repente as palavras de ordem renasciam em Wall Street e em todos os rincões do país. “Todos serão ricos” — parecia mais vontade do que convicção.

O grande fornecedor de mensageiros do Distrito Financeiro, Michael Levine, que andara pensando em contrair seu negócio, mudou rapidamente de ideia ao pressentir novos bafejos na Rua.

“Deixem entrar qualquer pessoa que esteja à procura de trabalho”, disse Levine aos dois leões de chácara que guarneciam a porta de sua firma.

O urso maior, Jesse Livermore, não ficara nem um pouco satisfeito com as declarações de Arthur Cutten. Tal como Joe Kennedy, Livermore aguardava apenas o momento ideal para atacar, com uma patada de cima para baixo, esmagando as cotações.

Durante a primeira metade da sessão da Bolsa, o mercado escorregou. Levemente, mas escorregou. Mas eis que, por volta do meio-dia, grandes ordens de compra de investidores não identificados começaram a entrar.

“O suporte organizado está chegando”, comemorou um dos operadores do Posto 12, da Radio.

Em sua banca, no número 60 de Wall Street, Pat Bologna filosofou com um dos seus consulentes: “O que desce sempre pode subir.”

Desse modo ilusório, chegou ao fim o último dia do último mês dos “esfuziantes anos 20”, os Roaring Twenties.