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A grande chance

Nos primeiros dias de outubro de 1929 o padrão lower highs, lower lows (máximas e mínimas sempre menores) prevaleceu na Bolsa. Embora exibindo ligeiras recuperações em determinados momentos, o mercado se mantinha em inconfundível canal de baixa. O volume de negócios continuou alto, com boa parte das ações saindo das carteiras dos investidores e especuladores mais antigos para uma multidão de novatos de poucos recursos e muita ambição.

John Jakob Raskob, o empreendedor do Empire State Building, estava sossegado com relação ao projeto do arranha-céu. A família Du Pont, uma das mais ricas do país, financiaria grande parte dos 60 milhões de dólares necessários para a conclusão da obra. E, segundo Raskob, não havia queda na Bolsa, por maior que fosse, que abalasse a fortuna Du Pont.

Mesmo com o Empire State garantido, a última coisa que John Raskob queria na vida era uma recessão grave para o país. De que lhe adiantaria ter o maior prédio do mundo se não conseguisse achar os inquilinos necessários para ocupar os quase mil conjuntos de escritórios? Por isso fazia questão de dar declarações otimistas à imprensa.

“Nos próximos anos”, ele dizia aos repórteres com a maior desfaçatez, “as ações estarão sendo negociadas por valores dez vezes maiores do que os atuais. Todo mundo poderá ser rico se quiser”. John Raskob se valia do já batido bordão.

Se Raskob não fazia muita fé em suas próprias palavras, o povão as bebia sofregamente e se lançava de cabeça na ciranda de Wall Street. Hipotecando suas casas e terras, punha na Bolsa os recursos assim obtidos, alguns se limitando a comprar ações à vista, outros, mais ousados ou mais gananciosos, alavancando as aplicações por meio de empréstimos com margens.

Panic During Stock Market Crash

Em outubro de 1929, Wall Street fervilhava de especuladores e curiosos

Nova York, EUA, início de outubro de 1929

Latinstock/© Bettmann/corbis/Corbis (DC)

Àquela altura dos acontecimentos, não havia declaração, por mais bombástica que fosse, que impedisse a queda do mercado. Na quinta-feira de 3 de outubro, o tombo foi tão grande que o The New York Times do dia seguinte exibiu na primeira página a seguinte manchete:

Pior queda do ano

atinge o mercado

de ações

Negociação de 1,5 milhão

de ações na última hora

de pregão

United States Steel

cai dez pontos

Os vizinhos da mansão do número 821 da Park Avenue, onde morava Edward Henry Simmons, presidente da Bolsa de Valores de Nova York havia cinco anos, podem ter-se admirado ao vê-lo sair sorridente de sua casa na manhã de sexta, dia 4, vestindo terno escuro e camisa branca de colarinho duro engomado, e entrar em sua limusine.

“Como pode ter tanto sangue-frio?”, perguntou-se um morador da casa ao lado, tendo nas mãos um exemplar do Times.

Na verdade Simmons estava menos preocupado com a Bolsa do que com seu próprio casamento, a realizar-se dentro de meia hora na igreja presbiteriana da própria Park Avenue. A noiva era a divorciada Beatrice Vanderpoel Bogert.

Tão logo o veículo se pôs em movimento, Simmons prendeu em sua própria lapela um botão de cravo. Ergueu-se um pouco de modo a ver seu paletó no espelho retrovisor do motorista e ajeitou a posição da flor.

Alguns quarteirões adiante a limusine parou para pegar Allen Lindley, ex-colega de Edward Simmons na Universidade de Columbia, e agora padrinho do noivo. Lindley, o maior amigo do presidente da Bolsa, usava um cravo idêntico.

Apenas um grupo seleto de parentes e pessoas mais chegadas havia sido convidado para a cerimônia religiosa, todos tendo se comprometido a não revelar nada à imprensa. Nada seria mais desagradável para Simmons do que encontrar um bando de repórteres em seu casamento indagando sobre a debacle do mercado.

Após o rito presbiteriano, seguiu-se uma recepção íntima na casa de Edward Simmons. Lá o presidente informou que ele e Beatrice partiriam no dia seguinte para uma viagem de lua de mel de dois meses no Havaí.

Se alguém presente na festa estranhou o fato de Simmons se afastar da Bolsa durante tanto tempo em meio à crise que crescia dia a dia, guardou a estranheza para si.

O grande favorecido pela ausência de Edward Henry Simmons era seu substituto imediato, o vice-presidente Richard Whitney. Enterrado até o pescoço em dívidas causadas por suas especulações desastradas no mercado, Whitney agora teria poder suficiente para recuperar-se dos prejuízos, mesmo que tivesse de apelar para extorsões e outras operações escusas, e assim poder pagar as dívidas com seu irmão George, do J. P. Morgan.

Só uma coisa aborrecia Richard: o fato de não ter sido convidado para o casamento do presidente. Mas o desconforto pela descortesia era infinitamente menor do que a antecipação do gozo das oportunidades que teria pela frente, mesmo com a Bolsa em baixa.

Aos 41 anos, Richard Whitney seria o homem mais jovem a se sentar na cadeira da presidência da Bolsa de Valores de Nova York. Lá, Whitney sabia muito bem, ele iria dispor de mais informações confidenciais do que qualquer outra pessoa envolvida com o mercado. Era sua grande chance. Leria relatórios secretos sobre companhias e bancos espalhados pelos Estados Unidos e seria abastecido com informações vindas de outras bolsas do país e do exterior.

“Ganhar dinheiro nessa situação”, o vice-presidente em exercício não conseguiu evitar o pensamento, “será como roubar a chupeta da boca de um bebê”.