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Reviravolta

Ao meio-dia de domingo, 6 de outubro, o vagão ferroviário particular do financista e especulador Bernard Baruch, engatado no Twentieth Century Express, entrou na Grand Central Station, em Nova York. Baruch fizera questão de ir pessoalmente a Chicago buscar os quatro integrantes da família Churchill, os irmãos Winston e Jack, com seus respectivos filhos, Randolph e Johnny, todos bronzeados por causa de sua estada na Califórnia, onde haviam sido hóspedes do magnata da imprensa William Randolph Hearst.

Numa carta para sua mulher, Clementine, que tratava carinhosamente por Clemmie, Winston Churchill descrevera Hearst como um homem simplório mas muito importante, que tinha um temperamento desagradável. Gostava de brinquedos caros, inclusive duas esposas encantadoras — Churchill se referia à senhora Hearst e à amante do empresário, a belíssima atriz Marion Davies.

O ex-chanceler do Erário britânico e futuro primeiro-ministro sempre apreciara ter amigos bilionários, hábito que o acompanharia até a morte, em 1965, aos 90 anos. Em seus últimos anos, Churchill seria convidado habitual do iate Christina, do armador grego Aristoteles Onassis, marido de Jacqueline Kennedy Onassis (nascida Bouvier), em cruzeiros de verão pelo Mediterrâneo.

Durante sua viagem pelo Canadá e pelos Estados Unidos, Churchill vinha fazendo fezinhas na Bolsa, tal como os “nativos”. Deliciara-se particularmente com duas pequenas investidas lastreadas em margens, nas quais ganhara 6 mil libras quase sem ter posto um tostão.

Em sua pequena temporada californiana, Winston Churchill conhecera o ator Charles Chaplin, seu compatriota. Ao longo da viagem Chicago-Nova York, em meio a baforadas de charutos e goles de brandy — bebida era o que não faltava no vagão especial —, Churchill descrevera Chaplin a Bernard Baruch como sendo um homem revolucionário em política e delicioso em prosa.

No curto pregão da véspera, sábado, dia 5, o mercado dera uma violenta guinada para cima, enganando completamente os ursos, que já se posicionavam para ganhar uma fortuna no provável crash. Para grande alegria do presidente em exercício da Bolsa, Richard Whitney, em seu primeiro dia na nova função, a United States Steel subira quase oito dólares por ação; a General Electric, dez dólares; e a American Tobacco dera um salto de inacreditáveis 38 dólares.

Nessa reviravolta, dramática para os ursos e revigorante para os estropiados touros, o índice industrial Dow Jones, que refletia o comportamento de trinta das ações mais negociadas no pregão da Bolsa, recuperara mais de dezesseis pontos. A alta repetiu-se em São Francisco, onde o número de negócios com a Transamerica bateu recorde. As bolsas de St. Louis, Los Angeles, Filadélfia, Minneapolis-St. Paul, Baltimore, Boston e Hartford também foram varridas por uma onda de euforia, com os preços dos papéis subindo violentamente.

Como que num passe de mágica, o otimismo e a velha e cansativa história de que todos — com exceção dos ursos, é claro — seriam ricos voltaram ao centro das conversas.

“O bull-market continua intacto”, proclamaram os mais entusiasmados, parecendo ter se esquecido do sufoco que haviam passado nas últimas semanas. “É o suporte organizado”, esclareceram outros.

Mesmo os veteranos mais cascudos, como John Jakob Raskob, Percy Rockefeller, os Du Pont, os Van Sweringens e Billy Durant, precisaram apenas de um sábado apoteótico para cogitar a hipótese de que as quedas recentes eram apenas uma pausa para descanso na longa atropelada dos touros.

Enquanto Churchill e sua comitiva desciam na Grand Central, milhares de pessoas se deslocavam de suas cidades, lotando os trens e congestionando as estradas de acesso a Nova York, todas ávidas para estar na cidade quando a ação recomeçasse na segunda-feira. Elas queriam ver de perto como era o tal bull-market do qual tanto se falava.

Um comentarista de rádio resumiu a peregrinação: “Parece uma terceira Corrida do Ouro.” Ele se referia aos movimentos de 1848 na Califórnia e de 1897/1898 no Canadá e no Alasca, quando gente de todas as classes e níveis de renda se deslocou para essas regiões do Oeste ao saber da descoberta de grandes jazidas.

Algumas casas de corretagem de Wall Street convocaram seus funcionários para trabalhar no domingo. Era preciso abandonar o viés de cautela, substituindo-o pelo de alta na lida com os clientes.

O próprio perspicaz, prudente e calejado Winston Churchill se juntou à manada de touros. Aproveitara-se das horas de conversa com Bernard Baruch a bordo do trem para pedir algumas dicas. As 6 mil libras que ganhara de modo tão fácil podiam se multiplicar e multiplicar.

“O mercado de ações ainda é a maneira mais fácil e mais rápida de se enriquecer”, rabiscou ele num bilhete para Clementine.

Evidentemente nem todos estavam altistas para o mercado. Joe Kennedy, por exemplo, continuava achando que tudo terminaria numa grave crise econômica, para a qual vinha se preparando havia meses. Jesse Livermore gostara da alta do sábado, pois lhe propiciaria uma venda a descoberto em níveis mais altos. Amadeo Peter Giannini, que não se impressionara com o renascimento meteórico, escrevia uma carta a ser distribuída para os clientes de seus bancos, alertando-os mais uma vez para os perigos da especulação ancorada em dinheiro emprestado.

“Se querem investir na Bolsa”, aconselhava Giannini, “façam-no em valores que não comprometam seus patrimônios”.

Na segunda semana de outubro, que se iniciou no dia 7, as ações continuaram subindo, de modo gradual e sustentado.

“Acho que me enganei”, disse A. P. Giannini para sua filha Claire. “O mercado está realmente firme.”

Entre os ursos de maior peso, restavam Joe Kennedy e Jesse Livermore.