Na própria noite de sábado, dia 19, os integrantes da Liga de Cavalheiros de Flint receberam diversos telegramas com chamadas de margem. Combinaram de se reunir no domingo para ver como poderiam lidar com a situação. Boa parte das contas-correntes do banco já tinha sido desfalcada e o dinheiro disponível para novas fraudes tornava-se cada vez mais escasso.
Enquanto os trambiqueiros se afligiam, na igreja de St. Joseph as festividades do casamento de Jolan e Steve não davam o menor sinal de estarem terminando. Uma segunda chaleira se enchera de dinheiro até a borda, incluindo agora algumas doações generosas de notas de dez e vinte dólares. Pudera. Os convidados estavam se divertindo a valer.
À meia-noite serviu-se mais uma refeição. Para acompanhá-la, novas garrafas e barriletes de aguardente foram abertos. As danças tornaram-se mais ousadas. Animados com tanta bebida, homens e mulheres se esfregavam uns nos outros lascivamente.
Os policiais de Flint que haviam passado o dia do lado de fora da igreja, protegendo-a de uma incursão indesejada dos rapazes da Lei Seca, entrando apenas de vez em quando para tomar um trago, agora haviam se juntado definitivamente à pândega.
Um dos oficiais trouxe um exemplar da edição dominical de um matutino de Detroit. Na primeira página estava estampada a notícia da queda da Bolsa de Valores de Nova York no pregão de sábado. Só que nenhum dos presentes se deu ao trabalho de ler. As páginas do jornal serviram apenas para uma guerra de bolinhas de papel encharcadas de cerveja.
Em poucas ocasiões, Jolan e Steve Vargo tiveram a oportunidade de ficar juntos. Num desses momentos, ela fez ao marido uma indagação surpreendente:
“Quando eu ficar grávida, o bebê vai sair pelo umbigo?”
“No momento certo, você saberá desses assuntos”, Steve assumiu um ar sério e professoral. Não teve coragem de confessar que não tinha a menor ideia de como as crianças nasciam.
“Eu vou buscar mais um sorvete de baunilha para você”, o noivo disfarçou sua ignorância.
Não só em Detroit, mas em todo o país, os jornais do domingo, 20 de outubro, dedicavam a maior parte de seu espaço aos acontecimentos de Wall Street. A manchete do The New York Times, por exemplo, foi: Ações despencam diante da onda de vendas que assola o mercado.
Segunda-feira, 21 de outubro de 1929. Muitos passageiros do transatlântico Berengaria, que zarpara havia 24 horas do porto de Cherbourg, na Normandia, com destino a Nova York, ignoravam as ondas de cinco metros de altura que, trazidas pelos ventos de noroeste, se arrebentavam contra o casco do navio. Caminhando com dificuldade pelos corredores, por causa do balanço provocado pela tempestade, os especuladores se dirigiam à sociedade corretora flutuante para acompanhar a abertura da Bolsa.
Entre os ocupantes das melhores suítes da primeira classe estava a multimilionária Helena Rubinstein, de 58 anos, que se autoproclamava, com algum exagero, “a maior especialista em beleza do mundo”. Além de seus negócios na área de cosméticos, madame Rubinstein se dedicava com afinco a especular na Bolsa. Por isso ela não via a hora de o mercado abrir.
Charles Goudiss e seu assistente, Stanley Moore, eram os responsáveis pela corretora de bordo, de propriedade de Michael Meehan, membro da Bolsa de Valores de Nova York e especialista das ações da Radio.
Por volta das 13h45, horário daquele ponto do Atlântico Norte que correspondia a quinze para as dez da manhã em Nova York, Moore abriu as portas do escritório. Os especuladores, entre os quais diversos conhecidos milionários, entraram na sala de operações da corretora flutuante empurrando-se uns aos outros afobadamente.
O mercado de segunda-feira, 21, já abriu abaixo do fechamento de sábado. Continuou a cair ao longo do dia, com muitos investidores entrando em pânico. No fechamento, as cotações se recuperaram um pouco.
Durante toda a sessão, em nenhum momento os preços dos principais papéis foram negociados acima das mínimas da sessão anterior. Desta vez, em lugar do padrão lower highs, lower lows, os gráficos da Bolsa mostraram um hiato (brakeaway gap) entre as mínimas de sábado e as máximas de segunda. Para os analistas técnicos, era um sinal inequívoco de fraqueza. O urso Jesse Livermore foi um dos que percebeu isso, e toda vez que os preços paravam um pouco para respirar, ele vendia a descoberto.
Nos deques, camarotes e salões da primeira classe do Berengaria a Bolsa era o único assunto. Nem mesmo a tormenta que sacudia o navio chamava a atenção dos especuladores de bordo.
Quando as notícias da queda do mercado nova-iorquino se espalharam pelo transatlântico, a corretora flutuante se abarrotou de passageiros, cada qual mais aflito que o outro. Charles Goudiss e Stanley Moore se desdobravam para atender a todos que queriam liquidar suas carteiras. Havia pouquíssimos clientes interessados em comprar.
Os dois operadores de rádio da corretora passavam as ordens para Nova York, a 3 mil quilômetros de distância, e recebiam de lá as confirmações de venda. Num quadro-negro as cotações eram anotadas com giz por um jovem funcionário.
Entre o momento em que a ordem era enviada e o momento da resposta com o preço de execução decorriam não mais do que dois minutos. O sistema que Meehan implantara no navio funcionava muito melhor do que a ticker-tape em território americano, cujo atraso constante exasperava os clientes.
Impassível, Helena Rubinstein permaneceu durante toda a sessão sentada numa das trinta poltronas da corretora. Não comprou nem vendeu nada, não comentou o mercado com ninguém e limitou-se a anotar os preços em um bloquinho com capa de couro. Só às dezenove horas, hora do navio, quando terminou o pregão em Nova York, ela deixou o local e foi para a sua suíte.
Naquela segunda-feira de queda abrupta, o volume de negócios na Bolsa de Valores de Nova York, o terceiro maior da história, subira a 6.091.870 dólares. A ticker-tape se atrasara uma hora e quarenta minutos.
O pregão do dia seguinte, terça, 22 de outubro, foi um inside day (máxima inferior e mínima superior às máximas e mínimas da véspera), comportamento que os analistas consideraram uma pausa antes da continuação da agora clara tendência de baixa. Isso se confirmou na quarta-feira. O mercado levou outro tombo, desta vez com volume pequeno — os compradores começavam a sumir.
“Vendo! Vendo! Vendo!”, era o coro histérico que mais se ouvia no recinto de negociações da Bolsa de Valores de Nova York.