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Misericórdia divina

A maioria das sociedades corretoras da Bolsa de Nova York aproveitou o domingo para preparar cartas de solicitação de reforços de margens e preencher ordens de venda — a serem executadas na abertura do pregão de segunda-feira — de papéis das carteiras dos inadimplentes.

Quem caminhasse pelas ruas do Distrito Financeiro podia pensar que se tratava de um dia útil, tal o tráfego de carros e pedestres. Ônibus repletos de turistas paravam em frente ao prédio da Bolsa. Cento e cinquenta metros ao norte, na Trinity Church, investidores pediam misericórdia a Deus. Em meio aos fiéis, alguns profissionais do mercado podiam ser vistos, entre eles Hut Miller, da W. E. Hutton. No sermão que pronunciou, um dos reverendos episcopais da igreja se valeu da ocasião para criticar a ganância dos especuladores que só agora, no prejuízo, se lembravam do Senhor.

Em Wall e Broad Street ambulantes circulavam entre os passantes, vendendo, a um dime (dez centavos) cada, pedacinhos da ticker-tape da Quinta-Feira Negra como souvenir.

Tanto em Nova York como no resto do país, era grande a expectativa com relação ao comportamento do mercado na segunda. O otimismo que se apoderara de alguns investidores na sexta e no sábado se esvaía no domingo. A sociedade onde todos seriam ricos agora se conformava em não ser pobre.

As palavras tímidas que o presidente Hoover pronunciara no sábado em nada haviam contribuído para levantar os ânimos. Os maus presságios do governador Roosevelt eram mais lembrados. Havia boatos de que os banqueiros que haviam tentado sustentar os preços — o tal suporte organizado — nos últimos dias agora iriam engrossar a horda de vendedores, num mais do que temido “salve-se quem puder”.