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Papéis podres

Em questão de segundos após a batida do gongo, os dezessete postos do pregão da Bolsa de Nova York tornaram-se palco de uma fúria epilética jamais vista no local. Enquanto mil operadores se esgoelavam, cada um querendo vender antes do outro, seus auxiliares (runners) corriam selvagemente dos postos de negociação para as cabines telefônicas, e das cabines para os postos, trazendo consigo muitas ordens e poucas execuções. Quase não havia touros e mesmo estes poucos só queriam comprar no fundo do poço. O ruído era ensurdecedor. As tábuas corridas do piso do recinto começavam a se cobrir de boletos rasgados.

“Vinte mil, vendo!”

“Trinta mil, vendo!”

“Cinquenta mil, vendo!”

Era só o que se ouvia.

No Posto 2, o general Oliver Bridgeman, especialista da United States Steel, via, atordoado, seus papéis despencarem sem que ele tivesse coragem de apregoar uma compra. Se o fizesse, todos os operadores da roda se lançariam sobre ele como aves de rapina em cima de uma carniça.

Sem o seu protetor oficial, 650 mil ações da Steel foram vendidas a preços impensáveis até alguns dias antes. Bastava alguém abrir a boca e dizer “compro”, não importava a quanto, que as levava. Assim o papel caiu para 179 dólares, 13% abaixo do nível defendido por Richard Whitney na sessão da Quinta-Feira Negra, por ocasião do suporte organizado… e fracassado.

Logo surgiu um enxame de vendedores a 179, o que fez com que os touros emudecessem.

Nas demais rodas a situação era a mesma.

Alguns runners não aguentaram a pressão e fugiram do prédio da Bolsa, entre eles um que quase fora asfixiado por um trader falido que agarrara o rapaz pelo pescoço e só o soltara após a intervenção de terceiros.

“Hoje é o dia da matança dos milionários”, um runner gritou para um colega enquanto os dois corriam pela Wall Street em direção ao East River.

O Distrito Financeiro tornara-se refém de um bando de loucos.

Ao passar pelo Posto 7, o superintendente William Crawford percebeu, aterrorizado, que as enormes telas Trans-Lux espalhadas pelo saguão estavam em branco. Isso significava que a ticker-tape emperrara, estrangulada pelo gigantesco volume de negócios. O mercado mais importante do mundo se dissolvia — pensou Crawford — e a informação não era transmitida ao mundo exterior.

A sessão já se desenrolava havia quase dez minutos quando a ticker anunciou a primeira transação do dia. Só agora os corretores espalhados pelo país começariam a ser informados, com atraso crescente, sobre a calamidade que ocorria em Nova York. Todos os esforços do superintendente e de sua equipe para pôr a fita em dia com os acontecimentos haviam sido em vão.

No Posto 12, a Radio caía muito. Tal como planejara, Mike Meehan se unira aos ursos e vendia. Vendia, vendia, e vendia ainda mais. Com a barulheira muito acima do normal, era difícil para Crawford, distante uns dez metros de Meehan, ver quantas ações ele apregoava e a que preço. Mas a mão direita espalmada para a frente não deixava dúvidas sobre sua intenção de pular fora. A RCA já caíra inacreditáveis 25% em relação ao fechamento de segunda-feira, com enormes lotes negociados a trinta dólares.

Cinco rodas adiante, no Posto 17, o especialista da International Telephone & Telegraph tentava, sem sucesso, impedir que seu papel caísse abaixo de dezessete dólares, esforço que se revelara inútil, quando sua atenção foi despertada por um incidente, no mínimo bizarro, ao seu lado. Um operador dera um berro tão forte que sua dentadura voou longe, sendo pisoteada pelos floor traders.

Após ter sido transacionada por um bom tempo a trinta dólares, a Radio finalmente teve seu suporte rompido.

“Vendo a 29 e ¾!”, um operador tomou a iniciativa.

“Vendo a 29 e ½!”, gritou outro.

“Vendo a 29 e ¼!”, urrou um terceiro.

“Vendo a 29!”, ousou um quarto.

“Vendo a 28!”, apregoou um quinto.

“Vendo a 27!”, derrubou um sexto.

“Vendo a 26!”, o mercado parecia ir direto para o fundo do poço.

“Fechado.”

Só nesse nível, que representava uma perda de 74% desde as máximas do ano, surgiu, sem grande entusiasmo, o primeiro comprador.

Mike Meehan assistia impassível a derrocada de sua ação, a mais popular entre as blue chips dos anos 20. Por ser popular era líquida. Por ter liquidez era a preferida dos especuladores que precisavam fazer um mínimo de caixa para pagar reforços de margem de operações alavancadas em outros títulos.

Também no Posto 12, as cotas do Fundo Allegheny, consórcio que era a menina dos olhos de Jack Morgan, caíram cinco pontos, de 28 para 23 dólares, em um único negócio de 50 mil ações.

No Posto 6 a situação não era melhor. Apenas diferente. Dois auxiliares de pregão se engalfinharam por causa da venda de um lote da American Can. Nessa mesma roda, a General Electric, mesmo tendo um especialista a defendê-la, afundara à razão de um dólar a cada dez segundos durante os seis primeiros minutos de negociação. Do outro lado do recinto, a Westinghouse caíra dois dólares por minuto entre o gongo de abertura e as 10h15. Se prosseguisse nesse ritmo, ao meio-dia não valeria absolutamente nada. Ainda nessa roda, um floor trader tentava, sem sucesso, vender um lote de 25 mil ações da Timken Roller Bearing.

Simplesmente não havia comprador, embora o trader estivesse oferecendo o papel a um preço 19,75 dólares abaixo do fechamento da véspera.

General Motors, Anaconda Copper, Southern Pacific, Montgomery Ward, Paramount, Fox, Warner Bros… cada uma daquelas grandes corporações parecia agora não mais do que um amontoado de papéis podres, como se suas linhas de montagem, minas, ferrovias, sofisticados sistemas de vendas pelos correios e estúdios cinematográficos simplesmente não existissem.

Eram apenas dez e meia da manhã.