Entre os anos que marcaram transições históricas no século XX, 1929 é um dos sete mais importantes. Tanto quanto 1914, ano do assassinato do arquiduque Francisco Ferdinando, em Sarajevo, na Bósnia, dando início à Primeira Guerra Mundial; 1917, Revolução Russa; 1918, Armistício; 1939, invasão alemã da Polônia e consequente começo da Segunda Guerra; 1945, derrotas da Alemanha e do Japão e início da era nuclear; e 1989, queda do Muro de Berlim.

Sem exagero, a história econômica americana do século passado pode ser dividida em duas partes, antes e depois de outubro de 1929, mês em que terminou o sonho dourado e ilusório dos “esfuziantes anos 20” (The Roaring Twenties), quando, nos Estados Unidos, muitos acreditavam no surgimento de uma sociedade em que todos seriam ricos.

Everybody ought to be rich” (todos devem ser ricos), disse, convicto, John Jakob Raskob, um dos mais bem-sucedidos empresários e financistas da época, em entrevista publicada no Ladies’ Home Journal em agosto de 1929. Além de ser vice-presidente da DuPont e da General Motors, Raskob concebeu e construiu o Empire State Building.

Os crashes de 24 e de 29 de outubro daquele ano na Bolsa de Valores de Nova York, datas que se tornariam conhecidas pelos nomes pouco imaginativos de Quinta-Feira Negra e Terça-Feira Negra, foram seguidos por terremotos de igual magnitude em todas as bolsas e mercados do mundo.

O ano de 1929 deu origem à Grande Depressão e ao desemprego em massa, influenciou a ascensão do nazismo ao poder na Alemanha, permitindo a Adolf Hitler provocar deliberada e calculadamente a Segunda Guerra Mundial. Esta, por sua vez, deixou em seu rastro mais de 60 milhões de mortos.

Quando se fala em crash da Bolsa, quebradeira dos bancos, ruína das finanças domésticas, depressão, desemprego, guerra, Holocausto, Hiroshima, Nagasaki e mais um sem-número de desgraças, fica uma nítida impressão de que 1929 só gerou perdedores.

Mas não.

No mercado financeiro, os operadores são divididos em “touros” e “ursos”. Touros apostam na alta. Ursos, na baixa. Os termos vêm da época em que touros lutavam contra ursos para diversão dos garimpeiros durante a Corrida do Ouro do final da década de 1840, na Califórnia. Como o touro ataca de baixo para cima, com os chifres, e o urso de cima para baixo, com as patas, vem daí a analogia.

No Brasil quase não se usa as designações “touro” e “urso”. E os poucos que o fazem, se valem dos termos em inglês: bull e bear. Bearish (algo como “ursista”) é quem acredita na baixa. Bullish (“tourista”) é quem crê na alta. Bull-market é o mercado do touro. Bear-market, o do urso.

Este livro tem por objetivo relatar os acontecimentos que precederam e deram origem ao crash de 1929, descrever quase que minuto a minuto os momentos mais dramáticos do colapso da Bolsa de Valores de Nova York e contar como foram os dias, semanas, meses e anos que sucederam o esfacelamento do mercado. Vai também esmiuçar a desgraça dos touros e contar o que aconteceu com os ursos.

Ao iniciar esta narrativa, posso adiantar que tudo o que houve naqueles tempos foi provocado pela ganância e pelo medo, dois sentimentos que sempre moveram os mercados financeiros e que compuseram, ao longo dos séculos, a essência do DNA dos especuladores.

Ivan Sant’Anna

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